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O Banco do Nordeste foi a primeira organização pública de fo­ mento regional no Brasil, criada um mês após o Banco Nacional de Desenvol­ vimento Econômico. Os primeiros anos de vida do Banco do Nordeste, que iniciou suas operações somente em junho de 1954, coincidiram com um perío­

do de grande otimismo no país, quando o processo de industrialização tomou um enorme impulso, característica marcante do governo de Juscelino Ku- bitschek.

Nos primeiros quatorze anos de efetivo funcionamento do Banco do Nordeste, o país atravessou um período de crescimento econômico invejá­ vel, assentado no modelo econômico de substituição de importações. Nesse ínterim, a organização dispunha de amplas fontes de recursos para financia­ mento de longo prazo, tanto internas como externas, para injetar na economia nordestina.

Passada a fase de instalação e formação de sua equipe técnica, a organização experimentou uma significativa expansão de suas operações e agências, produziu muitos estudos sobre a economia nordestina, introduziu mudanças importantes na forma de financiamento do desenvolvimento, espe- lhando-se nas experiências de países mais avançados, como os Estados Unidos e Israel, quando diversas missões visitaram a organização, treinando os funci­ onários.

Com as práticas administrativas introduzidas, referidas anterior­ mente, apoiadas nos princípios de austeridade e seriedade legados por seus primeiros líderes, com a valorosa equipe de técnicos que formara, a organiza­ ção granjeou notoriedade e respeitabilidade da sociedade nordestina, notada- mente das classes política e empresarial.

Pertencer à organização era um sentimento de orgulho muito grande por parte dos funcionários, qualquer que fosse o seu cargo, pois, além de uma política de recursos humanos que oferecia bons salários, excelentes condições de trabalho e oportunidades de crescimento profissional, todos pa­ reciam trabalhar com uma fé inabalável no futuro da organização, onde a “mística do desenvolvimento” era forte.

A organização transformara-se num fórum de debates da questão regional. Era uma organização bem-sucedida.

A partir da extinção do fundo das secas, em 1967, fonte princi­ pal de recursos do Banco do Nordeste para financiar o desenvolvimento, a sua trajetória começou a sofrer alguns desvios, embora os efeitos daquela perda tenham sido suavizados com a criação dos incentivos fiscais. Mas, a partir daí, os recursos oriundos do governo federal começaram a tornar-se cada vez mais insuficientes para que o Banco do Nordeste sustentasse o mesmo ritmo de crescimento, concomitante com o esgotamento do modelo de substituição de importações, ocorrido na década de 80, em cujo final se evidenciava a in­ capacidade do Estado brasileiro de exercer o seu papel de agente financiador do processo de desenvolvimento.

Apesar da insuficiência de recursos financeiros estáveis na quantidade e qualidade desejadas para financiar o desenvolvimento, a sobrevi­ vência da organização garantiu-se pelo surgimento de dois grandes “sócios” : o governo, que precisava rolar sua dívida interna, e o processo inflacionário.

Mas, a partir de então, a organização entra em crise — uma cri­ se de identidade — , quando se viu forçada a buscar a sua sobrevivência atu­ ando como banco comercial. Nesse momento, a organização já tinha outras feições:

• as suas estruturas se haviam hipertrofiado, e, além disso, voltadas inteiramente para controles, com uma visão introspectiva, em detri­ mento de uma visão mercadológica;

• o modelo de tomada de decisão centralizado não permitia que a organização tivesse flexibilidade e agilidade para competir em pé de igual­ dade com os bancos da iniciativa privada;

• a postura dos gerentes e dos funcionários de modo geral, ba­ seada na premissa de que a organização tinha recursos do governo, o “monopólio” do crédito de longo prazo, era incompatível com a agressividade característica dos bancos da iniciativa privada: o Banco do Nordeste, que sempre fora um banco eminentemente emprestador (ele tinha os recursos de longo prazo), agora precisava também captar;

• finalmente, a organização, mesmo diante das dificuldades com que se deparava, assumia uma postura arrogante, fruto do sucesso construído

no período áureo dos recursos fartos: “nós somos os melhores”, “nós temos uma força de trabalho mais capacitada” .

Portanto, a partir da década de 80, a organização se volta para a área comercial. A problemática nordestina deixa de ser um tema relevante, bem como os técnicos e as áreas mais relacionadas com essa questão. A ide­ ologia do desenvolvimento parecia arrefecer: o banco está cumprindo a sua finalidade social? Que tipo de desenvolvimento estamos promovendo? Para quem? Essas questões não despertavam mais o interesse dos funcionários e dirigentes.

Por outro lado, a área financeira e seus técnicos, principalmente, e a de serviços bancários ganham importância jamais vista: os investimentos passam a ser orientados basicamente pela ótica financeira; os critérios de men- suração de desempenho das agências pautavam-se somente por indicadores financeiros, descurando-se os aspectos sócio-econômicos inerentes à missão do banco; enfatizava-se a capacitação para a área financeira, com cursos de 800 horas.

“ .. estava transfo rm an d o -se num banco em si m esm a: ela tin h a objetivos e stratég ico s próprios, esp írito de corpo pró p rio , ela m enosprezava a área de crédito, sob a aleg a tiv a de que fazer crédito tin h a risco e a re n ta b ilid ad e era m enor; então todo o d in h e i­ ro do banco teria que ser orientado de acordo com o m ercado.”

As experiências de planejamento até então acumuladas foram inteiramente abandonadas. A organização passa a ter uma visão de curto pra­ zo.

Quais eram as questões mais preocupantes na organização? Os entrevistados são enfáticos em dizer que a organização passou a preocupar-se consigo mesma: com questões meramente operacionais, com a manutenção de suas estruturas, com os “direitos adquiridos” dos seus funcionários.

“ As questões in tern a s tom am 90% da direção do banco. Tem os um a e stru ­ tu ra m uito voltada p ara a área operacional. [...] Se você v ir um a p au ta de reunião de d ire ­ to ria e for classific ar os assuntos en tre estratégicos, g eren ciais e operacionais, você vai ter zero% estratégico, 10% geren cial e 90% operacional; e é operação mesmo: em préstim o não sei p ara quem , p esso a l.”

“O banco parece que se preocupou sem pre com a sua estrutura, com a a li­ m entação e, às vezes, o fo rtalecim ento de sua p ró p ria b u rocracia. O banco deveria p re o cu ­ p ar-se com o clien te in tern o e externo, porque te ria m enos m otivo p ara preocupar-se com o concorrente [...] a [questão] de que m ais tom a conta é a alim entação, a m anutenção e a reprodução de suas p ró p ria s estru tu ra s b u ro c rá tic a s.”

“O banco se preocupava m ais com os fun cio n ário s, um a in stitu ição v o ltad a p ara dentro de si. O bserva-se que nos m ovim entos dos fu n cio n ário s, na verdade, são sem ­ pre questões co rp o rativ istas, de sobrevivência da p ró p ria in stitu içã o e m anutenção dos p riv ilég io s.”

A década de 80, portanto, representou um período de estagna­ ção organizacional. A partir do ano de 1986, vale ressaltar, as organizações financeiras conviveram com crises profundas, embora passageiras, com a edi­ ção de sucessivos planos de estabilização da economia brasileira, com a sua perda de lucratividade proveniente do “floating” dos recursos que transitavam no sistema com elevados índices de inflação. Para superar essas dificuldades, o Banco do Nordeste recorria a soluções internas do tipo: corte de gastos, não contratação de pessoal, e, por último, redução salarial.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, abriram-se perspectivas concretas de a organização inaugurar uma nova era de cresci­ mento, resgatando também o seu papel social, a sua identidade de agência de fomento, com a garantia de recursos estáveis e apropriados, oriundos do Fun­ do Constitucional de Financiamento do Nordeste-FNE, correspondente a

1,8% da arrecadação sobre a renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados. Este novo cenário também sinaliza para a restaura­ ção do planejamento estratégico, que será abordada no capítulo seguinte.

No Quadro 4.1, a seguir, faz-se um resumo da cultura do Banco do Nordeste, segundo as dimensões e níveis culturais definidos na pesquisa (Quadro 3.1), de acordo com o exposto neste capítulo.

QUADRO 4.1 - Cultura Organizacional do BNB, Segundo Dimensões Culturais e Níveis de Manifestações Estabelecidos