• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – O SIGNIFICANTE IMPRESCINDÍVEL NA CONSTITUIÇÃO

4.3 Do sintomático ao sinthomático na linguagem

Diante do que foi exposto, nos itens anteriores deste capítulo, e tendo sempre em vista a articulação linguagem e constituição do sujeito, ir do sintomático ao sinthomático na linguagem pressupõe uma aproximação ao mais singular do sujeito pelas vias da linguagem. Passo, agora, a discorrer sobre o estatuto possível para a língua como um elemento sinthomático.

Cada vez mais o sintoma, na clínica psicanalítica, perde seu estatuto de signo, de sinal de uma patologia, assim como de mensagem a ser decifrada sobre o sujeito. Esse sintoma como índice imaginário da estrutura do sujeito (e suposição de seu sofrimento) cedeu lugar, com a invenção do Real, ao sinthoma, àquilo com o qual o sujeito se identifica, melhor dizendo, aquilo que o sujeito é. Acima de tudo, não se trata mais de algo como “o que você tem ou o que você sente”, mas daquilo que você é e o que você pode, a partir dessa constatação, saber-fazer-se sujeito de desejo e de gozo, portanto, como sujeito do inconsciente.

Nesse sentido, o sinthomático, para a infância, considera o que se presentifica como impasse nas manifestações da criança e que dizem sobre sua estrutura psíquica interessando à Psicanálise na medida de sua condição singular. Atualmente, diante da lista de sintomas psicopatológicos, de diagnósticos psicológicos e psiquiátricos para a criança, olhar para sua amarração sinthomática é olhar para o sujeito que se constitui e não tomar a criança fadada a seu quadro sintomático e aos sinais inadequados que ela apresenta, nos diferentes aspectos da vida em que o fenômeno observado seria sinal de algo que a criança tem – em termos orgânicos e psicológicos – e que causaria isso.

No meu ponto de vista, a determinação casuística para os problemas da criança, tem, por um lado, o risco de encerrar a possibilidade de sua condição paradoxal e que é, como sujeito em constituição, onde se inscreve sua causa indeterminada. Contudo, por outro lado, é preciso encontrar a medida ética das inscrições simbólicas, culturais e sociais para a criança, pois isso é uma condição indelével para essa constituição. Por certo, é preciso não inscrever a criança na posição de objeto (aquela oposta à posição de desejo), mas é preciso tomá-la, sempre, em termos de distinção, de singularidade.

A lógica do inconsciente da descontinuidade e do não-realizado (LACAN, 1964/2008) impõe se reconheça que aquilo que se apresenta do pequeno ser em seu percurso de constituição como sua amarração sinthomática é mesmo o que nos diz dele. Isso que na criança falha – de acordo com os discursos de saberes contemporâneos – em suas investidas de fazer laço social, que falha na dialética de sua posição como objeto de desejo do Outro, que falha como resposta aos modelos educativos que lhe são direcionados, correspondem, de fato, a esse sujeito em constituição, à sua verdade. Nesse sentido, o importante é como a criança serve-se de seus sintomas fazendo sua amarração sinthomática em seu percurso nos colocando na difícil tarefa de não enredá-las neste ou naquele diagnóstico: as hipóteses clínicas devem se sustentar em torno dos paradoxos, das contradições, das inconsistências, do aspecto primordial de mudança em jogo na infância, dos modos de se fazer laço social e de seus afetos. Ademais, tudo isso impõe uma direção de tratamento extremamente subversiva em tempos de isto ou aquilo, de escala para autismos e seus espectros, porém, todos negando a singularidade e contemplando o mental e o homogêneo. Nos dias atuais, qualquer criança que recuse o Outro, que não invoque seu semelhante é autista, tem, portanto, uma deficiência mental67 e nada além, segundo a neurociência e está fora da linguagem para uma parte significativa da Psicanálise.

Nesse sentido, lembrando Lacan (1962-1963/2005) em seu Seminário sobre a angústia, vivemos hoje uma reserva libidinal, vivemos relações em que não se projeta mais

67 Fundamentada em uma perspectiva cognitiva, comportamental e funcional, a legislação brasileira reconheceu

os direitos da pessoa com autismo demarcando, desse modo, o autismo dentro do campo das ditas deficiências mentais. Mesmo considerando a importância inalienável dos direitos dessas pessoas e suas famílias, é preciso reconhecer que há uma forte imposição para que o tratamento e cuidado prestado enfatize a reabilitação e o desenvolvimento das capacidades funcionais dessas pessoas, em detrimento de sua condição afetiva e singular. Mais sobre isso, na Lei Nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 que instituiu a Política nacional dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista. Essa lei deu origem a dois movimentos quase antagônicos que propõem diretrizes para esse tratamento e cuidado no serviço público de saúde e que estão delineados nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação da pessoa com transtorno do espectro do autismo (TEA) e a Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo e suas famílias na Rede de atenção psicossocial do sistema único de saúde, ambos os documentos de 2013 e, assim com a lei, podem ser acessados no site do Ministério da Saúde.

nem em termos especulares (do olhar do outro sobre nós/olhamos somente através de máquinas), nem em termos simbólicos e, assim, permanecemos profundamente investidos no nível do próprio corpo, de um narcisismo primário, de um gozo autista. Outrossim, vivemos em tempos em que a pergunta constitutiva a ser feita pelo sujeito deveria ser: Por que não queres nada de mim? E não mais O que queres de mim? que instauraria a falta causativa desse sujeito. Também, frente à potência e violência dos discursos científicos, políticos e educativos sobre a criança (pois aniquilam o sujeito), a amarração sinthomática de uma criança tem função significante: de fazer um corte nessa cadeia discursiva. De certo modo, algumas crianças vão fazer algo disso, mas, outras vão sucumbir a esses discursos e isto pode gerar um buraco de angústia e a resolução é, de início, um impasse subjetivo e com um destino psicótico ou autista ou outra coisa.

Frente a tudo isso, acredito, para a clínica da criança, na lógica da subversão da dialética que está posta; na suposição de sujeito mesmo que os “sinais” indiquem isto ou aquilo, pois o que interessa é o sujeito e seu percurso de constituição em que os impasses subjetivos correspondem aos modos de uma amarração sinthomática desse sujeito em seu circuito pulsional como cifrações das tentativas de regular seu gozo; acredito, também, no fato constitutivo de que corpo e linguagem não se dissociam; e, ainda, que Simbólico e Real, assim como o Imaginário em jogo, se articulam e o fundamental é o efeito dessa articulação e o que pode nesta entrar como um articulador, como um quarto elemento. Diante disso, e do fato do enigma em jogo nesta tese ser a insistência na língua de Cadu, tomei como hipótese ser este o elemento em jogo na constituição de um quarto elo em sua possível estrutura como sujeito autista – hipótese efeito da ascensão desse sujeito a uma posição psicótica como saída de seu Um solitário, o que considero fundamental as discussões estabelecidas entre o sintoma e a linguagem.

Nas elaborações que venho fazendo, a tentativa de trabalhar no impossível entre a Linguística e a Psicanálise passa pela questão da língua como estrutura, como um sistema de elementos em uma relação distintiva. Das construções lacanianas, o inconsciente estruturado como uma linguagem comporta um furo e, desse modo, a linguagem é não toda. Também, com ênfase na função significante, é fundamental a função da linguagem como alteridade na constituição do sujeito e como suporte de uma estrutura, a língua, pois esta, em seu funcionamento significante comporta a diferença pura: o sujeito do inconsciente. Enfim, para Cadu, é o que lhe possibilita sua estruturação.

Considerando a proposição de tomar aquilo que se apresenta dele em função de sinthoma, o modo como Cadu vai se amarrando como sujeito é provocador do que denominei de impasse subjetivo. Esse impasse chegou à clínica pelas vias de uma queixa do tipo “Ele

não se comunica”, portanto, como um sintoma que apresenta uma dificuldade de enlaçamento entre criança e o outro, assumindo função de sintoma pelos efeitos no ouvido do outro. Todavia, como venho sustentando, não se trata de um sintoma mensagem, mas de uma amarração sinthomática que diz desse sujeito. Dessa forma, em termos clínicos, essa fala de Cadu tem uma função: de possibilitar apreender seus modos de constituição e seus impasses. Porém, a visada dos Estudos Linguísticos sobre o que se atualiza na clínica implica discutir o que do saber sobre a língua interessa à clínica, e vice-versa. Foi nessa direção que Lier- DeVitto (2003, 2006; 2011; 2013) e seu grupo empreenderam importante pesquisa sobre as ditas falas sintomáticas na visada da Fonoaudiologia (Clínica da Linguagem), da Linguística e da Psicanálise68. Os trabalhos desenvolvidos por esse grupo, sustentam um diálogo teórico com a dita linguística da língua enfatizando a língua como um sistema de valores opositivos, cujos elementos mínimos se relacionam a partir de um valor, da distinção entre esses elementos, pois esse valor é a diferença, qualitativa para Saussure, e pura para Lacan.

Segundo essa autora, reconhece-se que há língua na fala e que é esse funcionamento linguístico por distinção que possibilita haver fala e falante e, também são as articulações significantes que conferem estatuto de acontecimento de linguagem às falas sintomáticas. Essa lógica de distinção e do funcionamento dos significantes em termos metafóricos e metonímicos é o que possibilita que os Estudos Linguísticos se interessem pelas falas sintomáticas, pela primazia do significante em detrimento do signo linguístico. De fato, é a mesma ênfase que venho dando à relação do significante (e da língua) na constituição do sujeito, pois é a função significante – efeito de seu funcionamento por distinção – que inscreveria a possibilidade de hiância causativa no percurso de constituição estrutural do sujeito e estabeleceria a lógica da alteridade. Das elaborações da autora, e de seu grupo, gostaria de trazer, por ora, aquelas concernentes ao que definem como sintoma, e, ainda, o que definem como fala sintomática em sua abordagem linguística dessa fala.

Considerando que as falas sintomáticas chegam à clínica e disso decorre a questão

68 Conforme LIER-DEVITTO (2013), trata-se do Projeto Aquisição, patologias e clínica da linguagem (CNPq)

iniciado em 1995, na PUCSP/DERDIC/LAEL que abrange as áreas da Linguística, Fonoaudiologia e Psicanálise, cujos pesquisadores envolvidos desenvolvem pesquisas sobre as falas sintomáticas e a clínica da linguagem. Também, o grupo de pesquisa Aquisição de Linguagem do IEL-UNICAMP desenvolveu trabalhos nessa direção, com a coordenação da professora Dra. Claúdia De Lemos e seus estudos sobre a fala da criança e o interacionismo.

sobre de que se trata o sintoma na linguagem, a indagação incide sobre o que, das patologias da linguagem, interessa à Linguística. Partindo da constatação de que um sintoma é aquilo que leva o indivíduo à clínica, por conseguinte, a fala sintomática não se remete a um “erro” na linguagem, mas a uma espécie de desacerto que insiste em dificultar o laço do sujeito com o outro e, também, o controle (imaginário) de sua própria fala. De acordo com Lier-DeVitto (2003), o sujeito sofre tanto por esses efeitos dos desarranjos em sua fala como sofre por conta de sua própria condição de falante. Nas palavras da autora, trata-se do modo de enlaçamento singular da fala de um sujeito à língua e ao outro:

[...] O sintoma diz de uma diferença profunda, de uma marca na fala que, como disse, implica o próprio falante e o isola dos outros falantes de uma língua [...]. Quero dizer que se uma fala produz efeito de patologia na escuta do outro, essa escuta tem efeito bumerangue: afeta aquele que fala. Da noção de sintoma participam, portanto, o ouvinte, que não deixa passar uma

diferença e o falante, que não pode passar a outra coisa. Assim, o sintoma na fala “faz sofrer” porque é expressão tanto de uma fratura na ilusão de semelhante (descostura o laço social), quanto na ficção de si-mesmo (Vorcaro), i.e., de sujeito em controle de si e de sua fala. (LIER-DEVITTO, 2003 - Destaque da autora)

Em princípio, assim foi o sintoma de Cadu: “Ele não se comunica” foi o que a professora escreveu sobre ele no encaminhamento ao serviço de saúde, e foi o que o levou à clínica. Sem dúvida, não se comunicar – mesmo que na fala de Cadu não haja desarranjos morfossintáticos e nem fonoarticulatórios - tem efeito psicopatológico afetando a criança de modo radical: não é possível mantê-lo na escola, ele é autista, ele não aprende e, ainda mais, não é possível saber o que ele quer, dizem aqueles em seu entorno. Entretanto, o paradoxo de Cadu consiste no fato de que isso que descostura o laço social instaurando um desajuste no diálogo com o outro, é justamente o que possibilita que ele se enode como sujeito, pois esse enlaçamento singular de sua fala - sintomática por dizer de seu impasse subjetivo - é possível pelo singular de sua língua.

Na clínica das ditas psicopatologias infantis é possível estabelecer um limite (im)possível entre a Linguística e a Psicanálise. Esse limite, sua borda, pois haverá sempre furo nesse encontro, vai da la langue estabelecida por Ferdinand de Saussure à lalangue estabelecida por Jacques Lacan: da língua do falante (falasser) à lalíngua do sujeito do inconsciente. Nesse sentido, na clínica psicanalítica, essa língua que faz sintoma e que leva a criança ao clínico, ganha estatuto de sinthoma, de amarração sinthomática do sujeito em seu percurso de estruturação psíquica. Trata-se, para os Estudos Linguísticos, de estabelecer que

essa amarração comporta uma função significante intrínseca a essa possibilidade de sujeito e que as relações de distinção vão comportar, impreterivelmente, uma impossibilidade em que há algo se perderá nessa amarração. Assim, o sintoma particular de cada falante ganha estatuto de singular por nomear um sujeito na construção de sua ficção: aquele que não se comunica fala! O sintoma não é homogêneo e, menos ainda, redutível às categorias linguísticas e, por isso é sempre uma outra realização do falante com a língua. Realização essa que instaura um acontecimento de linguagem em que prevalece o enigma: Cadu não se comunica? Mas porquê, então, fala tanto, de modo tão insistente? Lier-DeVitto (2003) diz que no sintoma o tempo é o tempo da repetição, dessa insistência. Em Cadu, é tempo de seu percurso constitutivo, o tempo da repetição como insistência em ser sujeito do inconsciente.

Diante da tendência da Linguística em abordar o homogêneo e o regular repetível, a pergunta é sobre como abordar o sintoma69 na linguagem? Sobre isso, sem reduzir as falas sintomáticas às categorias de erros gramaticais ou desvios pragmáticos, pois estas realizam enunciados adequados estruturalmente e, até mesmo, em termos pragmáticos e discursivos, a ênfase é sobre a articulação e os desdobramentos significantes como modo de escuta da estranheza que causam essas falas70, de forma a considerar “[...] a mobilidade significante na fala e [...] a singularidade de segmentações e composições estranhas. [...]” (LIER-DEVITTO, 2013). Desse modo, na visada singular do sinthoma, o significante marca o passo do sujeito em seu percurso de constituição psíquica e vai deixando rastro como traços que devem se apagar para deixar um ser representado.

69 Vale esclarecer que fala sintomática abrange as falas patológicas tratadas pela fonoaudiologia como a

gagueira e as afasias e, também, a partir da articulação com a clínica psicanalítica, as falas alteradas decorrente de sofrimento psíquico como nas psicoses e nos autismos. Nas primeiras, o sofrimento é efeito dessa fala patológica, nas segundas a fala sintomática/patológica é efeito da condição de sofrimento psíquico do sujeito.

70 Lier-DeVitto (2001, p.245) esclarece o modo como os estudos linguísticos tendem a considerar o

sintoma na fala, alçado à categoria hora de erro, hora de déficit de linguagem: “Bates et alli (1997); Fletcher & Ingham (1997) e Crystal (1976-89) e outros, empenharam-se em definir o sintoma com base em ocorrências de

“formas linguísticas atípicas”, que refletissem “déficits de aprendizagem” ou “déficits na competência linguística” (Craig, P. 1997: 506). Fletcher & Ingham dizem, por exemplo, que crianças com quadros clínicos de

retardo de linguagem “não têm o mesmo êxito no emprego do que sabem sobre gramática quanto seus pares normais” (1997: 487) (ênfase minha). Outros procuram relacionar o sintoma a deficiências estritamente

pragmáticas (Craig, 1997; Brinton & Fujiki, 1982; Curtiss & Tallal, 1991). Ou seja, sustenta-se que as produções sintomáticas podem ser “formas linguísticas típicas” mas com regras pragmático-discursivas deficientes que “perturbam a comunicação e isolam o indivíduo de seu ambiente” (Van Riper, 1939).

Diz Craig que “a heurística empírica [dessas abordagens] tem sido testar o discurso da criança em busca de evidências de funções intactas ou ausentes” (1997: 505), fazendo incidir sobre a fala de crianças um

arsenal descritivo/conceitual para nela discernir o sintomático. O autor acrescenta, porém, que o resultado dessas investigações tem sido desalentador porque “não se tem notado ausência crítica de funções principais do discurso” (idem, ibidem) – as crianças com problemas na fala apresentam, por exemplo, os mesmos atos de fala

(“pedir, comentar, responder, esclarecer”) e conhecimento de princípios de pressuposição comparáveis ao de crianças “normais”. Frente a tal “inconclusividade”, diz-se , então, que o problema estaria em que as produções

Ao abordar as falas sintomáticas e o que estas impõem à clínica de linguagem, à Linguística e à Psicanálise, Lier-DeVitto (2010) chama a atenção para o fato de que os aparatos descritivos das análises linguísticas não comportam o aspecto sintomático dessas falas, o estranhamento que causam e nem o mal-estar que criam. Diante disso, a pergunta é sobre o que, então, o aparato linguístico possibilita na suposição das falas sintomáticas como dado linguístico? A resposta da autora é importante como argumento de minha proposição de um estatuto de sinthomático para essas falas. Ela diz: “[...] Obtém-se a localização de algo que ‘fica do lado de fora’, que é alojado ali pelas descrições. [...] Essas falas surpreendentes recebem, assim, um atestado de existência, mas de existência externa ao campo dos estudos linguísticos.” (ibid). Todavia, isso que se projeta como externo ganha estatuto de uma problemática interna na medida em que as abordagens dessas falas mostram que sua estranheza e irregularidade são efeitos de seu funcionamento significante e são, portanto, efeito do sistema da língua em sua alteridade constitutiva. A autora constata, ainda, que entre a possibilidade da Linguística, de explicar esse funcionamento significante, e a necessidade de diferenciar as falas sintomáticas das outras modalidades, inscreve-se um vão, um intervalo, tornando-as, a princípio, impossíveis para a Linguística. E para a Psicanálise, já que nessas não se trata de chiste, lapsos, das formações do inconsciente, em que interessam ao psicanalista? Citando Vorcaro, a autora esclarece que as falas sintomáticas interessam para a Psicanálise uma vez que são recolhidas como sinais de quadros clínicos, não se negligenciando a determinação subjetiva nas falas sintomáticas e que estas causam impasses na clínica pelo estranhamento do agente que escuta. Lier-DeVitto (2010) conclui que, diante disso, as falas sintomáticas seriam uma impossibilidade para a Linguística e uma dificuldade para a Psicanálise.

Sobre essas considerações, pensando na lógica da amarração sinthomática que amplia ad infinitum tanto essa impossibilidade como essa dificuldade por se tratar do mais singular de um sujeito e que implica impasses, faltas, alteridade, alienação, pulsão, tudo em jogo nas funções significantes de um corpo falante, observo que toda impossibilidade se estabelece frente a uma possibilidade. Isto é, para a Linguística é necessário propor o possível e considerar, pela lógica do inconsciente, a existência de um impossível que só poderá ser apreendido justamente no momento em que a consistência imaginária falhar e se fizer furo na linguagem, constatando, então, que é um vazio que faz a cadeia de linguagem funcionar, não desconsiderando, ainda, que a lógica do inconsciente lacaniano coloca em xeque a autonomia desse sistema. Também, na clínica, é justamente nessa dificuldade que o analista deve insistir

em sua escuta, porque escutar uma fala sintomática é escutar o inaudível. Assim sendo, uma fala é sinthomática e a articulação estrutural que a torna possível, diz do sujeito do inconsciente. Além disso, na criança, nos diz das tentativas desse sujeito em constituição se