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CAPÍTULO 3 – O SIGNIFICANTE IMPRESCINDÍVEL NA CONSTITUIÇÃO

3.1 O significante nascido no campo da Linguística

No Curso de Linguística Geral (1916/1995), Saussure estabelece os princípios da linguística estrutural definindo os aspectos de seu objeto de estudo, a língua. Essa língua é, primeiramente, definida como um sistema de signos compostos por significante (a forma/sema) e significado (ideia/conceito). Na sequência do Curso, esse sistema de signos passa a ser “[...] um sistema de valores puros [...]” (p.130), em que o funcionamento entre os elementos que compõem o signo passam a ter preponderância sobre esses mesmos elementos: é a relação de oposição em que a diferença é determinante. Essa diferença é positiva e produtiva e dela advém (como efeito e causa) o próprio sistema e, fundamental, ela ocorre no ‘entre’ elementos, no lugar em que um e outro estão separados, mas são juntados pela diferença. Por isso, o efeito é sempre outra coisa, porque faz o sistema caminhar em uma espécie de dialética entre significantes.

Ainda no Curso, no capítulo sobre a Natureza do signo linguístico, Saussure estabelece o aspecto de duplicidade desse elemento, coerente com a duplicidade da linguagem, que abordei no primeiro capítulo desta tese, discorrendo sobre a união de dois elementos, do significante (uma impressão acústica) e do significado, em que o primeiro é

arbitrário em relação ao segundo. Ou seja, essa relação não dependeria da vontade do falante, pois é uma convenção desse sistema em uso e sua ocorrência é uma extensão linear que permite a sucessividade desses elementos. Ao usar o termo impressão para definir o significante, Saussure mostra não se tratar do fonema, nem do morfema e nem da palavra. Mas, do efeito de língua sobre o falante e que interessará a Lacan. Assim sendo, pensar na relação da constituição do sujeito em relação ao significante é pensar nesse efeito de linguagem, em que uma impressão advinda da língua do Outro deixará uma inscrição no pequeno ser, em seu corpo.

3.1.1 A língua como valor

Ainda em suas elaborações sobre a natureza de seu objeto, a língua, ao tratar da questão da significação, Saussure (1916/1995) chama a atenção para o fato de que o signo linguístico não tem características intrínsecas que lhe dariam significado, conceito ou sentido. Saussure vai, no Curso, falar em valor do signo linguístico. Esse valor é determinado pela diferença entre os elementos da cadeia em sucessão e, também, determinado por um elemento que o antecede e um que o precede. Nessa relação, são necessários dois elementos (significantes) para ter efeito de um terceiro, no entre aquele que antecede e aquele que precede, pressupondo aí um vazio na cadeia para a ocorrência desse significante. Esse funcionamento instaura uma ausência nessa linearidade em que há a possibilidade de emergência de um outro significante, como efeito. Desse modo, existe a hiância na própria estrutura da língua e esta, como a parte formal da linguagem, contempla a dualidade da linguagem. Precisamente, nessas elaborações de Saussure, é possível ler que o que coloca a cadeia significante em funcionamento é o vazio instaurado pela oposição entre os significantes. Portanto, o vazio, é parte do sistema fechado da língua.

Não obstante, em seus Escritos, Saussure (2004) apresenta alguns aspectos a mais para o valor do signo linguístico. A saber, de acordo com suas palavras:

Nós não estabelecemos nenhuma diferença séria entre os termos valor,

sentido, significação, função ou emprego de uma forma, nem mesmo com a

ideia ou conteúdo de uma forma; esses termos são sinônimos. Entretanto, é preciso reconhecer que valor exprime, melhor do que qualquer outra palavra, a essência do fato, que é também a essência da língua, a saber, que uma

forma não significa, mas vale: esse é o ponto cardeal. Ela vale, por conseguinte ela implica a existência de outros valores.

Ora, no momento em que se fala em valores em geral, em vez de se falar, ao acaso, do valor de uma forma (que depende absolutamente dos valores gerais), percebe-se que é a mesma coisa colocar-se no mundo dos signos ou no mundo das significações, que não há o menor limite definível entre o que as formas valem em virtude de sua diferença recíproca e material, e aquilo que elas valem em virtude do sentido que nós atribuímos a essas diferenças. É uma disputa de palavras. (SAUSSURE, 2004, p.30)

Nessas palavras do linguista, três pontos são fundamentais para a relação que empreendo entre linguagem da criança e a constituição do sujeito: primeiro, o termo valor para exprimir a significação na linguagem; segundo, a diferença implica a existência de outros valores que antecede determinado significante; e, terceiro, é uma disputa de palavras. E, novamente, todos esses pontos são perpassados pela ideia de que a relação que faz a língua funcionar é entre palavras e definida pela diferença de onde se tem um efeito.

O primeiro ponto é sobre o uso do temo valor. Nessa tese de Saussure, usar o termo valor para definir o que é um elemento linguístico – no caso, seu significante em relação ao significado–, é conferir importância indelével a esse elemento, de tal modo que o sistema não possa prescindir desse elemento. Trata-se, na linguagem, de fincar tal elemento nessa estrutura ressaltando sua função primordial no funcionamento da língua. Ou seja, sem determinado elemento teríamos outro sistema. Portanto, pode-se considerar esse valor distintivo em termos de uma qualidade desse elemento pensando no funcionamento da linguagem em seus vários níveis. Por exemplo, na sentença Francisco é um grande homem, em termos de sintaxe (posição que os elementos ocupam no eixo sintagmático) a simples substituição por inversão muda a relação nessa sentença e, desse modo, sua significação: Francisco é um homem grande, em que a palavra homem assume outro valor em relação a grande que o antecede e a grande que o precede. Assim, o significante passa a outro efeito de significação, sendo justamente essa determinação de um elemento sobre o outro que dá ao significante um lugar distintivo primordial quando sustento que o sujeito do inconsciente nasce na linguagem: esse é valor que dirá sobre o sujeito.

O segundo ponto a ser considerado, refere-se à diferença entre esses elementos que determinará o valor: é preciso a alteridade e a distinção para que seja possível ir de um ao outro, para que se instaure uma espécie de ausência nessa cadeia devido a esse desencontro.

E, por fim, o terceiro ponto que é sobre a disputa das palavras: de fato, o que se tem são as posições na linguagem a serem assumidas, a sobreposição de um sobre o outro

impediria a linguagem, a relação e a diferença, e assim, não há como dois elementos assumirem a mesma posição na cadeia. Essa disputa é uma disputa rigorosa no sentido que não se prescindiria da força de cada elemento distinto.

Conforme exposto, esses aspectos do valor de um elemento significante correspondem ao valor que se instaura nas relações entre esses significantes e seus pares na cadeia da língua e que estabelecem a natureza distintiva do significante. No próximo item, abordarei o fato de que essas relações são coerentes com a dualidade da língua, pois existem aquelas que ocorrem na estrutura da língua e as que se estabelecem com o que está além dessa estrutura.

3.1.2 As relações associativas e sintagmáticas

Mais uma vez, de acordo com Saussure (1916/1995; 2002) o fato semântico do signo linguístico comporta uma significação e um valor. Essa significação é resultado da relação entre os elementos que constituem o signo (significado/significante) e esse valor é tomado em relação aos outros signos do sistema.

Com base nisso, ao estabelecer o valor do signo linguístico, Saussure (1916/1995) fixa dois fatores como necessários para a existência desse valor: a dessemelhança e a semelhança e que mesmo fora da língua os valores estão regidos por esses fatores. Nessa circunstância, o importante é Saussure reconhecendo o valor distintivo como do campo da linguagem e que se refere à sua existência de um fora da língua. Segundo Saussure (1916/1995, p. 134), esses fatores determinantes do valor são:

1º por uma coisa dessemelhante, suscetível de ser trocada por outra cujo valor resta determinar;

2º por coisas semelhantes que se podem comparar com aquela cujo valor está em causa.

Também, vale ressaltar que essas relações que determinam o valor do signo linguístico dependem das relações que existem no sistema e que são as relações associativas e as relações sintagmáticas, aquelas que se dão nos eixos paradigmáticos (in absentia) e sintagmáticos (in praesentia) da língua, respectivamente. Precisamente, as associações, por semelhança, no eixo paradigmático do sistema são conceituais ou sonoras do tipo significante/significante e

significante/significado. Por exemplo: o signo gato estabelece relações de semelhança de significado com outros elementos como leão e lince e, ainda, relações de semelhança sonora com elementos como pato, tato e rato. Essa semelhança é estabelecida de fora da língua, no discurso. De modo diferente, nas relações sintagmáticas os signos se relacionam na cadeia linear, por diferença ou oposição sonora e são as relações por dessemelhança. Como exemplo disso: O meu coelho sumiu, em que tomando o signo coelho e sua posição na cadeia (núcleo nominal) seu valor é estabelecido a partir da diferença entre O meu e sumiu, que o antecede e o precede, um determinante artigo, um termo nominal e o verbo, respectivamente.

Diante disso, pode-se constatar que nessas relações as trocas entre os elementos são fundamentais das quais decorrerão os funcionamentos metafóricos e metonímicos da língua como operações constitutivas da língua por semelhança e dessemelhança em substituições e continuidade nesse sistema de valor. De fato, são essas relações, sempre marcadas pela distinção, marcadas na linguagem da criança e naquilo que se tem de sua língua, que possibilitam acompanhar seu percurso constitutivo e suas amarrações sintomáticas com a língua. Por ora, é suficiente esse breve esclarecimento sobre essas relações, pois estas serão retomadas em referência ao funcionamento da língua de Cadu.