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4 DIÁRIOS DE VIAGEM: AS NARRATIVAS DOS ENCONTROS DO

4.1 CONHECENDO UM POUCO SOBRE A GRÉCIA QUE QUEREMOS

4.2.4 O doce amargo do conhecimento

O quarto encontro foi realizado em 25 de maio de 2017. Neste dia, não havíamos feito pactuações sobre os temas, pois, no último encontro, o grupo não se reuniu ao mesmo tempo, já que teve como foco compreender a realização do teste de glicemia capilar. Não obstante, o planejamento partiu justamente da ideia de compartilhar como havia sido a experiência de realizar o teste de glicemia, agora com todos os participantes. Ao encontro, compareceram 14 sujeitos.

Iniciamos com o resgate da memória acerca do segundo encontro, por meio da leitura da narrativa anterior, antes de conversamos sobre o terceiro encontro. Assim, alguns participantes relataram e acrescentaram à narrativa o fato de nunca terem feito o exame

sozinhos, mostrando que a experiência foi importante para que possam realizar o teste sem a necessidade de outra pessoa.

Nesta perspectiva, apesar de terem feito o exame no dia do encontro, outros preferiram não realizá-lo sozinhos em outros momentos, recorrendo à Unidade de Saúde para fazê-lo. Houve, ainda, um caso em que o participante relatou não se alimentar direito no dia de fazer o exame para “ver se dá baixo” (ZAKYNTHOS). Este encontro levou-nos ao reencontro com Platão, em uma narrativa escrita entre 380-370 a.C.

A narrativa “O Mito da Caverna” (PLATÃO, 2000), embora antiga, em qualquer tempo, descreve a situação do conhecimento e da verdade. Mas, de qual verdade? Sem dúvidas, aquela que nos liberta. A narrativa se passa no diálogo entre Sócrates e Glauco sobre a natureza humana, em relação à ciência e à ignorância. Relata-se que homens, moradores de uma caverna desde a infância, eram presos por correntes. No entanto, um dos prisioneiros foi solto e obrigado a conhecer a luz e o mundo fora da caverna.

Obviamente, a representação do que seria real, para aquele prisioneiro, era a escuridão e não a luz. “Mas, ao cabo de tudo, decerto, estaria em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois, visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é” (PLATÃO, 2000, p. 287).

O Mito aqui apresentado fez-me refletir que, quando não se conhece o mundo lá fora, viver da maneira antiga é a forma mais cômoda e ideal. Contudo, para o prisioneiro, conhecer a luz e ter de retornar à caverna é como estar submerso nas trevas. Inclusive, é neste sentido que reflito sobre o ato de monitorar a glicose: “o querer” ou o “não querer” saber se tornou-se um “doce amargo do conhecimento”.

No entanto, é importante ressaltar o respeito mútuo que o grupo vem adquirindo ao longo dos encontros, assim como o diálogo entre os participantes e, cada vez menos, a necessidade de minha intervenção enquanto facilitador do grupo. Percebe-se, ainda, a satisfação em aprender com o outro, ouvindo atentamente o processo de automonitorização da glicose, também a não monitorização por parte de alguns. Afinal, a autonomia é também o “não querer fazer”, ou fazê-lo somente quando estiver confortável para tanto.

Para a condução deste encontro, perguntei aos participantes sobre o que desejavam conversar naquele momento, apresentando algumas sugestões, como: tipos de alimentos (zero, ligth, diet, orgânico e integral); diversos tipos de atividade física, uso da medicação, ou ainda outro tema que eu não tenha citado. Por unanimidade, decidiram que conversássemos novamente sobre os tipos de alimentos. Perguntei, então, sobre quem poderia compartilhar o

saber sobre a diferença entre os três alimentos. Apenas um participante disse: “O light tem a redução de alguma coisa” (CORFU).

Ninguém mais se manifestou. Então, adotou-se a metodologia de entregar cartazes com informações sobre quatro tipos de iogurte: integral, desnatado, ligth e diet, para que eles pudessem observar se havia alguma diferença. Então, qual destes tipos de iogurte seria o mais indicado para quem tem diabetes? Alguns participantes comentavam entre si algumas questões, mas olhavam-me como se, novamente, esperassem uma resposta. Todavia, alguns participantes compartilharam espontaneamente sua forma de identificar essas diferenças em um supermercado, levando a situação para uma experiência prática.

Na sequência, entregamos placas com as frases e os emojis: “Eu posso!” e “Eu quero, mas não posso”. Apresentei algumas imagens de alimentos e exibi a figura de um biscoito integral. Então, todos levantaram a placa: “Eu posso”. Mostrei bananas, e cinco participantes levantaram a placa “eu posso”. Mostrei o pão integral e, novamente, todos levantaram a placa “eu posso”. Mostro também o leite integral e, mais uma vez, todos levantam a placa, indicando poderem.

Por que emojis? O grupo está ganhando a conformação de uma rede social, uma configuração de “teias de relações que circundam o individuo e, desta forma, permitem que ocorra união, comutação, troca e transformação” (BRUSSAMARELLO et al., 2011, p. 34).

Evidentemente, na contemporaneidade, a rede social dá enfoque ao mundo virtual pela ideia da conexão. Trazendo a pesquisa para o mundo digital, os emojis são formas de representar diversos sentimentos, emoções e, por vezes, dão sentido aos diálogos.

Solicitamos, então, que as pessoas comentassem um pouco sobre o que pensavam dos alimentos integrais. Afinal, por ter o nome integral, não necessariamente representa poucas calorias. O leite integral, por exemplo, é bastante calórico.

Heraklion, Creta e Patras dizem:

“Tinha que ser desnatado!” (HERAKLION).

“Ah! É verdade. Leite integral não pode sempre” (CRETA).

“Querer, eu quero. O problema é esse. A dúvida é se realmente eu posso ou não. Poder ou não poder? Eis a questão!” (PATRAS).

Enquanto os participantes do grupo dialogavam entre si, observávamos as expressões corporais de alguns, mesmo de maneira sutil , sendo possível de perceber alguns emojis, agora no mundo real, como olhos franzidos, rosto de preocupação e pés nervosos.

Aos poucos, os participantes do grupo iam compreendendo, uns com os outros, sobre o que era importante de estar atentos no dia a dia. Muitas vezes, nossos medos impedem-nos

de tomar decisões mais acertadas em relação ao que podemos ou queremos. No entanto, se nem tudo é permitido, tampouco é proibido!

Desta maneira, apresentei uma figura com verduras e legumes. Para ela, todos levantaram a placa: eu posso! Por fim, mostrei a figura de uma batata doce. Neste momento, houve alvoroço entre os participantes, e mesmo o grupo parecendo estar dividido em suas opiniões, quase todos falaram: “doce! É doce!”. Patras disse: “A questão do nome. Batata DOCE, o doce!”. Novamente, olharam para mim como se esperassem uma resposta. O doce que não é doce?

Se estivéssemos revivendo “O Mito da Caverna”, certamente, este seria o momento em que o prisioneiro olharia para trás e pensaria se realmente seria importante de seguir em direção à luz, ou se seria melhor acomodar-se à caverna.

Novamente, deixei-me afetar com meus pensamentos. É impossível, em momentos como este, de o pesquisador não se posicionar. Neutralidade? Por que ser neutro? Estou mais para a reflexividade. Então, expliquei que a batata doce tem um tipo de carboidrato absorvido mais lentamente pelo corpo e, por isso, seria um dos carboidratos mais adequados para o consumo, seja por pessoas vivendo com diabetes ou não.

Moderei o momento relembrando que, no segundo encontro, havíamos combinado de que Véria participaria de um teste objetivando identificar alimentos diet com o paladar. Ela mencionou que não gostava das coisas diet por terem sabor diferente. Deste modo, iniciamos uma dinâmica simples, utilizando dois tipos de geleias, sendo dois diet e dois não diet, nos sabores de frutas vermelhas e amora.

Vendamos os olhos de Véria e, na sequência, solicitei a ajuda de qualquer participante para fixar a sequência em que a geleia seria oferecida. Assim, oferecemos na seguinte ordem: frutas vermelhas diet, frutas vermelhas orgânicas; depois, amora diet e amora orgânica. “Esse é o diet; Esse é com açúcar; Sem açúcar; Esse é com açúcar; (...) espero que eu tenha errado que é para eu passar a gostar do outro. Ah! Então esse é que é com açúcar, o outro é sem. Essa aqui está mais forte o sabor do açúcar... O sabor, com açúcar, é melhor; mas o outro, dá pra comer também!” (VÉRIA).

De fato, Véria acertou todos os sabores, identificando rapidamente o “doce”. Perguntei se havia mais alguém interessado em fazer o teste, e Patras manifestou o interesse: “Esse é todo doce; Esse é normal; O natural, acho que é esse aqui, o outro é que é ... diet...” (PATRAS).

Patras acertou metade das tentativas. Acertou a geleia diet e a orgânica no sabor de frutas vermelhas, mas não acertou quando o sabor da geleia foi de amora. Véria diz: “O sabor

do natural é muito bom, é muito gostoso! Mas, o diet também é muito bom! A diferença é pequena, mas acho que a gente já implicou em dizer: não! Diet, eu não gosto, não é bom... já vem isso em mente! Mas, se você for se acostumando, já dá para se adaptar” (VÉRIA).

Neste contexto, encerramos mais um encontro do grupo após pactuarmos a data e o tema do próximo encontro. Apresentei os demais temas identificados na pesquisa anterior, então os participantes sugeriram que discutíssemos os direitos dos usuários e a autonomia pessoal. Também, combinamos de que todos trariam algo sobre diabetes para compartilhar, seja um saber popular ou outro conhecimento construído ao longo da vida, o qual desejassem compartilhar.

Senti que o dia havia começado com o “medo da agulha”, e se encerrou com um grupo estimulado a compartilhar seus sentimentos, emoções, experiências e perspectivas, doces ou amargas. Também senti, enquanto pesquisador, a dinâmica do campo, com idas e vindas, e o meu papel rumo à luz da reflexividade.