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4 DIÁRIOS DE VIAGEM: AS NARRATIVAS DOS ENCONTROS DO

4.1 CONHECENDO UM POUCO SOBRE A GRÉCIA QUE QUEREMOS

4.2.5 O reencontro com Paulo Freire

No dia 21 de junho de 2017, ocorreu o quinto momento do GEPS. Passou-se quase um mês desde o último encontro e, nesse tempo, novamente, mergulhei na organização do encontro. A autonomia exigia certa fluidez, e eu precisava me desprender do árduo papel de professor... ou não?

Recordo-me da Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, especialmente em relação ao silêncio e à impossibilidade de neutralidade, no meu caso, na busca pelo equilíbrio entre os dois. O primeiro, no sentido de que meu silêncio, por muitas vezes, faz-se necessário, não para buscar a neutralidade, mas para entender que ele é fundamental no espaço de comunicação.

Nesta perspectiva, o silêncio proporciona a escuta como sujeito e não como objeto (FREIRE, 2018). O segundo elemento, por sua vez, no sentido da reflexividade inerente ao meu estudo. Afinal, “ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros, de forma neutra” (FREIRE, 2018, p. 75), e minha “prática exige de mim uma definição, uma tomada de posição, uma ruptura” (FREIRE, 2018, p. 100).

Com esta reflexão, fui ao quinto encontro do grupo. Ao chegar à Unidade Básica de Saúde, a médica questionou-me sobre o grupo, relatando ter percebido maior adesão dos participantes às consultas e, inclusive, a curiosidade de muitas pessoas sobre como ele acontecia.

Ela estava, naquele momento, com dois acadêmicos de medicina, sob preceptoria, e questionou-me se eles poderiam acompanhar o encontro. Pensei: “Excelente oportunidade!” Tratei de reunir-me com os acadêmicos, além de minha pesquisadora auxiliar, para explicar como aconteceria o encontro naquele dia e identificar de que forma eles poderiam contribuir.

O encontro foi pensado de modo a subdividir o grupo em dois. Cada grupo ficou responsável por um tema, devendo debatê-lo livremente, compartilhando as vivências sobre ele.

Tema 1: Direitos e Responsabilidades em relação à Diabetes; Tema 2: Como eu percebo minha autonomia no dia a dia;

Os novos colaboradores foram apresentados e acolhidos pelo grupo. Em seguida, relembramos como havia ocorrido o encontro anterior por meio da narrativa, assim como foram acrescentadas as contribuições. Neste dia, compareceram 11 pessoas ao encontro. Orientei como seria a dinâmica daquele dia, e os próprios participantes se dividiram em dois espaços. Cada pesquisador ficou responsável por facilitar um subgrupo, enquanto os acadêmicos receberam a responsabilidade de observar. Nos subgrupos, os participantes deveriam eleger um relator para que, posteriormente, em grupo maior, pudesse compartilhar os principais pontos discutidos no grupo menor.

O debate iniciou com a pactuação de quem seriam os relatores, ao mesmo tempo em que observei certa preocupação dos participantes em elegê-los. Entretanto, ocorreu a manifestação voluntária, com o requisito de que todos participantes colaborariam no momento de compartilhar as discussões do grupo.

Pela primeira vez em todos os encontros, reconheci que eu, enquanto pesquisador, pouco precisei influenciar na condução do grupo. Minha participação foi mais no sentido de conversar sobre o tempo nos diálogos e no estímulo aos participantes menos comunicativos, visando à participação deles no debate. O exercício da escuta estava ocorrendo na prática.

No segundo subgrupo, acompanhado pela colaboradora, resultaram as seguintes observações: Para iniciarmos, ocorreu um momento de “tensão” sobre a escolha de quem ficaria responsável por repassar para o grupo o que fora discutido e conduzir essa reprodução no grupo maior, questão superada quando foi explicado pelo pesquisador e, inclusive, entre eles próprios, que se apoiariam no momento da condução como uma forma de “lembrar”, uns aos outros, o que foi conversado.

Neste contexto, o subgrupo teve uma característica de proatividade, pois conseguiu conduzir o discurso sem que o pesquisador necessitasse intervir. Algo bem interessante observado foi que os próprios participantes sempre explicavam sobre o tema para alguém que

estava com dúvida; tentavam, de uma maneira simples e de fácil compreensão, esclarecer conceitos e incluir todos ao debate.

Após 60 minutos de discussão no grupo menor, reencontramo-nos no grupo maior para compartilhar. A princípio, o grupo dialogou sobre qual dos subgrupos deveria começar o relato e, após essa definição, o grupo responsável pela temática “Direitos e Responsabilidades” expressou os principais pontos debatidos. Em alguns casos, acrescentaram novas experiências que não haviam sido relatadas no grupo menor. Talvez por, agora, sentirem-se mais à vontade com a dinâmica adotada.

Neste momento, os participantes do segundo subgrupo também imergiram no debate e relataram diversas experiências e sentimentos em relação aos direitos não garantidos e à corresponsabilidade dos sujeitos em relação à diabetes. Assim, o segundo subgrupo foi convidado a relatar o debate, e foi interessante, principalmente em relação a compreender a diferença entre independência e autonomia. Afinal, a dependência faz parte da existência humana. Dependemos uns dos outros e, por isto mesmo, conformamo-nos em redes de apoio. Ademais, o exercício da autonomia não nos torna, necessariamente, seres independentes.

No meu reencontro com Paulo Freire, trouxe para a reflexão, nesta narrativa, que “ninguém é autônomo antes para decidir depois; (...) ninguém é sujeito da autonomia de ninguém; (...) a autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser” (FREIRE, 2018, p. 105).

O debate sobre autonomia também se estendeu ao segundo grupo que, agora, era único. Quando alcançamos o horário das 16h 30, sugeri que o grupo avaliasse este tipo de organização do encontro. Alguns participantes relataram satisfação, pois, no grupo menor, o debate fica mais fácil. Em contrapartida, uma participante relatou sentir a falta de todos juntos durante todo o encontro.

Antes de encerrar o momento, perguntei ao grupo sobre o que poderíamos conversar no encontro seguinte. E, diante dos temas previamente estabelecidos, surgiu então a ideia de continuar a trocar experiências como forma de potencializar a autonomia. Experiências, inclusive, de outras pessoas.

Lembrei-me, então, do documentário “Bicha Braba”, dirigido por Soraya Fleischer (2015), e resumi para o grupo de que se tratava. Eles demonstraram interesse em assisti-lo. Logo, pactuamos a data do próximo encontro e encerramos o dia, cheios de encontros e reencontros.