• Nenhum resultado encontrado

Doença celíaca (DC): histórico, definição

CIONAL AMBULATORIAL DO ADULTO

CLARA GEMA PLASMA

1. Doença celíaca (DC): histórico, definição

A primeira alusão à doença celíaca (DC) remonta ao ano 200 da era cristã, mas foi só em 1888 que Samuel Gee a descreveu nos termos atuais (SGARBOSSA; TEO, 2011).

Nos últimos anos, o espectro epidemiológico da DC cresceu significativamente (NOBRE et al.,2007). Até pouco tempo a DC era considerada rara no Brasil e são poucos os estudos de prevalência da intolerância. Atualmente a prevalência DC varia entre 1 a 1,5 % na população mundial, sendo mais prevalente entre os caucasianos e também no sexo feminino (SGARBOSSA; TEO, 2011).

A prevalência da doença varia entre 1: 120 a 1: 300 em diferentes populações (SHAMIR et al., 2002). Patresi e Gaudolfil (2005) realizaram um estudo em Brasília, onde foi encontrada uma prevalência de 0,34% (1:294) para DC, o que demonstra a significância de estudos no Brasil.

A DC é uma doença autoimune que acomete indivíduos geneticamente predispostos e é provocada pela ingestão de glúten (ANDREOLI et al., 2013). Ela se caracteriza pela intolerância permanente ao glúten, uma proteína encontrada em alguns cereais, como trigo, cevada, centeio, malte e aveia (ROCHA; GANDOLFI & SANTOS, 2016).

A aveia se inclui nos cereais que contém glúten, porém os grãos são contaminados com a proteína no processamento, não sendo o glúten natural de sua constituição (SILVA; FURLANETTO, 2010). A contaminação pode ocorrer desde as técnicas de plantio, colheita, armazenamento, transporte, como na indústria onde há seleção e produção de seus derivados, pois onde houver contato com o trigo ou outro grão que contenha glúten, haverá ali risco de contaminação cruzada.

O glúten é uma proteína difícil de ser processada no organismo humano, ela não é totalmente digerida pelo trato gastrintestinal superior, é formada por uma composição particular de aminoácidos e a maior parte é de glutenina e gliadina, como afirmam Nascimento e Fiates (2013).

Essa composição do glúten mostra-se tóxica ao organismo e as substâncias responsáveis por tal toxicidade são a gliadina no trigo; a hordeina na cevada; e a secalina no centeio, esses peptídeos são todos capazes de desencadear a DC (NOBRE; SILVA; CABRAL, 2007; NASCIMENTO; FIATES, 2013).

Os peptídeos na fração gliadina contém em sua formação 33 aminoácidos e são altamente resistentes à degradação gástrica, pancreática e das proteases, isso os leva a permanecer muito tempo no lúmen intestinal (NASCIMENTO; FIATES, 2013).

Em indivíduos predispostos à DC, juntamente com outros fatores que agravam a permeabilidade intestinal, a presença do glúten no intestino irá provocar agressões e inflamações da mucosa intestinal.

Sua forma clássica é reconhecida quando iniciada nos primeiros anos de vida, após a introdução do trigo, cevada e centeio na dieta (SILVA, 2013).

A forma não clássica caracteriza-se por quadro assintomático, com manifestações digestivas praticamente ausentes, sendo encontrada tardiamente em crianças e em adultos com baixa estatura, anemia, constipação, alteração na composição óssea e osteoporose, esterilidade, dentre outros problemas (SILVA, 2013).

A DC não tratada manifesta-se frequentemente de forma monossintomática, através de anemia resistente ao tratamento, dermatite herpetiforme, que pode ser considerada a expressão dermatológica da doença, menarca tardia e menopausa precoce, infertilidade, abortos de repetição, hipertransaminasemia, depressão, sintomatologia neurológica progressiva, principalmente ataxia e epilepsia associadas a calcificações cerebrais, osteoporose e hipoplasia do esmalte dentário (PATRESI; GANDOLFI, 2005).

1.1 Fisiopatologia

Os efeitos provocados pela presença do glúten no organismo do celíaco são atribuídos principalmente à má absorção intestinal, devido à atrofia de vilosidades intestinais, como afirma Silva (2013).

Os efeitos provocados pelo glúten no organismo de indivíduos sensíveis podem estar ligados também a outros fatores. Cabrera-Chavez et al. (2008) listam os principais.

• Modificações genéticas do trigo;

• Processos industriais, como o uso de enzimas transglutaminases microbianas; • Elevado consumo de glúten, padrão dietético dos ocidentais.

O intestino humano é um dos maiores órgãos do corpo, tem cerca de 7 metros de comprimento, configurado em um padrão de dobras, depressões e projeções semelhantes a dedos, denominadas vilos (BEYER, 2013).

Os vilos ou vilosidades são invaginações da mucosa (epitélio e lâmina própria) que se projetam para o lúmen (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 1999); as vilosidades apresentam estruturas ainda menores, as células epiteliais e extensões cilíndricas chamadas microvilos ou microvilosidades, como descreve Beyer (2013).

As principais funções do revestimento epitelial da mucosa intestinal são descritas por Junqueira e Carneiro (1999).

• Prover uma barreira semipermeável entre o conteúdo do tubo digestivo (meio externo) e o meio interno;

• Sintetizar e secretar enzimas para a digestão dos alimentos; • Promover a absorção dos produtos dessa digestão;

• Secretar hormônios que participam da coordenação das atividade do aparelho digestivo; • Produzir muco para a lubrificação e proteção.

De acordo com estudos de Nascimento e Fiates (2013), a DC é uma reação inflamatória provocada por uma resposta imune que começa com infiltração da lâmina própria e, em seguida, do epitélio intestinal. Ocorre então uma resposta adaptativa do organismo, mediada por linfócitos T-CD4, que reconhecem os peptídeos de gliadina desaminados, chamados DGP, na lâmina própria e produzem citocinas pró-inflamatórias na tentativa de combater essas moléculas.

A partir daí se desenvolve uma cascata inflamatória que provoca danos às vilosidades. Há, então, hipertrofia e hiperplasia das criptas, aumento do infiltrado inflamatório da lâmina própria e aumento de linfócitos intraepiteliais (MOTA; PENNA; PERÉT-FILHO, 1994).

Salienta-se que uma das funções das vilosidades intestinais é sintetizar e secretar enzimas para a digestão dos alimentos (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 1999), daí a relação da DC com a intolerância à lactose, muito comum em celíacos; devido ao processo inflamatório as células perdem a capacidade de secretar enzimas, nesse caso a lactase.

Apesar de ocorrer no intestino delgado, a DC pode provocar extensa lista de sinais e sintomas, tanto gastrointestinais quanto extraintestinais.

As manifestações clínicas da DC podem não só envolver o trato gastrointestinal como também a pele, o sistema nervoso, o sistema reprodutivo, os ossos e o sistema endócrino (PAULA; CRUCINSKY; BENATI, 2014).

Quadro 1. Sintomas gastrointestinais e extraintestinais da doença celíaca.