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Doenças associadas à perda do ritmo circadiano

No documento Tópicos em Fisiologia Comparativa (páginas 39-43)

Eliana Paula Pereira

elianappereira@yahoo.com.br

Os seres vivos se adaptaram ao ciclo claro/escuro resultante do movimento de rotação que a terra faz, desenvolvendo ritmos circadianos ( circa = cerca de ; dianos = dia), os quais se repetem, aproximadamente a cada 24 horas. Os ritmos são gerados endogenamente e estão alinhados com fatores ambientais e fatores exógenos. É sabido que em mamíferos, os ritmos circadianos são regulados por um relógio biológico localizado no núcleo supraquiasmático (NSQ) do hipotálamo do cérebro. Pistas ambientais podem ajustar e sincronizar o NSQ diariamente, assegurando que o ritmo comportamental e psicológico do organismo esteja em sincronia com os ritmos diários em seu ambiente. O ciclo claro /escuro é o principal sincronizador do NSQ ao dia solar. A informação claro/escuro é recebida pelo olho e chega ao NSQ via trato retinohipotalâmico. .

As oscilações circadianas na maioria das células humanas resultam de um pequeno grupo de genes relógios no interior do núcleo celular. Estes osciladores celulares estão sincronizados ao relógio biológico localizado no NSQ. Estímulos neuronais e hormonais transmitem informações temporais do relógio central aos periféricos, mas estes também são influenciados por outros sinalizadores. O NSQ controla a liberação de melatonina através do sistema nervoso autônomo. A melatonina é um hormônio produzido apenas à noite pela glândula pineal sob condições de escuridão. Acredita-se que a melatonina age como o principal sincronizador interno dos relógios periféricos com o NSQ e entre eles, transmitindo a informação de tempo do relógio biológico central para os periféricos. Exemplificando, o ciclo de expressão gênica no trato gastrointestinal , assegura que os ácidos e enzimas digestivas sejam produzidas nos horários das refeições.

A desincronização crônica entre o relógio biológico central e os periféricos, ou seja, o rompimento do ritmo circadiano tem um grande impacto na saúde e no bem estar do ser humano. Pesquisadores da universidade de Tóquio , estimularam o jet lag em ratos e descobriram que o NSQ se ajusta ao horário local num prazo de um dia baseando-se em sinais luminosos, enquanto que os relógios periféricos podem levar mais de uma semana para se ajustarem. Esta interrupção é sentida por profissionais que precisam trabalhar em turnos noturnos, tais como médicos, enfermeiros, policiais, bombeiros, pilotos de avião, hoteleiros, entre outros funcionários que exercem serviço essenciais que precisam estar disponíveis vinte e quatro horas por dia. Existe também, a desincronização temporária a

qual pode ser vivida por passageiros que fazem viagens transatlânticas ( jet lag) , por adolescentes em consecutivas festas noturnas, por mães com filhos recém nascidos e até mesmo por passar muito tempo enclausurado.

Tanto a temporária quanto a crônica, podem acarretar além da fadiga, distúrbios do humor, desordens do sono, como a insônia e a sonolência, sintomas gastrointestinais como diarréia, constipação e náuseas, além de aumentar o risco de acidentes, diminuir a produtividade e a qualidade de vida.

Porém, a perda do ritmo circadiano crônico está associada a um aumento no risco de incidência de doenças cardíacas, de acidentes vasculares cerebrais, depressão, diabetes do tipo 2, obesidade, disfunção gastrointestinal, incidência de câncer e problemas hormonais e reprodutivos.

A fim de exemplificar os efeitos fisiopatológicos da perda do ritmo circadiano crônico, tomaremos como modelo, funcionários que trabalham em turnos noturnos :

Doenças cardiovasculares – Por décadas, pesquisadores tem atestado associação entre uma maior ocorrência de doenças e ataques cardíacos, sendo 40 % maior quando comparada com funcionários de turnos diurnos. Em geral, o risco parece aumentar a medida que o funcionário permanece no turno da noite. Sendo que nestes trabalhadores o risco de um derrame aumenta 5%para cada cinco anos desempenhando esta função. No entanto, o risco do derrame aumenta apenas depois de 15 anos neste turno de trabalho.

Diabetes e distúrbios metabólicos – Os ritmos circadianos são conhecidos por afetar as vias metabólicas mais básicas, incluindo a síntese protéica, glicólise e metabolismos de ácidos graxos, a sua ruptura acarreta na síndrome metabólica, uma combinação de problemas de saúde como pressão alta, obesidade, altos teores de açucares e colesterol no sangue, oferecendo um sério risco para diabetes , ataques cardíacos e derrames. Um estudo realizado em 2007, acompanhou por quatro anos, mais de 700 funcionários hospitalares saudáveis, e a incidência da síndrome metabólica foi três vezes maior naqueles que trabalhavam à noite. Uma pesquisa entre trabalhadores japoneses mostrou que a incidência de diabetes é 50 % maior nos funcionários do turno noturno.

Obesidade – Existe uma série de possíveis razões que associam obesidade e trabalho noturno. Dieta pobre, falta de exercício e o desequilíbrio hormonal parecem contribuir para o problema. O hormônio leptina desempenha um papel importante na regulação do apetite, contribuindo para a sensação de saciedade. Uma vez que o turno noturno diminui seus níveis, tal fato justifica a razão pela qual os funcionários noturnos sentem mais fome e comem mais do que os diurnos.

circadiano, dez trabalhadores adultos adotaram uma mudança constante no horário de comer e dormir. Depois de 10 dias, todos apresentaram um baixo nível de leptina, pressão alta e distúrbios do sono. O mais surpreendente resultado é que 30% apresentaram altos teores de açucares, valores suficientes para qualificá-los como pré diabéticos, sendo que esta alteração aconteceu muito rápido, não sendo necessários anos de rompimento do ritmo circadiano para obter estes efeitos nocivos.

Depressão e distúrbios do humor - A insônia ou a sonolência são características persistentes em funcionários que trabalham à noite. Um estudo revelou que a concentração dos níveis de serotonina, substância que apresenta um papel importante na regulação do humor, é 60% menor.

Problemas gastrointestinais – Funcionários noturnos apresentam um aumento no risco de úlceras peptídicas, o que contribui para sintomas como náuseas, diarréia, constipação e possivelmente alguns tipos de doenças intestinais funcionais (como a síndrome do intestino irritável.) Um estudo de 2008 descobriu evidências que correlacionam o trabalho por turnos com o aumento da azia crônica ou doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).

Problemas com fertilidade e gestação – Estudos mostraram que aeromoças que trabalharam durante a gravidez aumentaram a ocorrência de aborto espontâneo em duas vezes quando comparadas com as que não trabalham. O turno de trabalho desta funcionárias, também parece estar associado ao acréscimo de complicações durante o parto, acarretando em bebês prematuros, de baixo peso, além de infertilidade, endometriose, períodos irregulares e doloridos.

Câncer – Existem evidências contundentes, tanto de estudos realizados com animais quanto com humanos, que a interrupção do ritmo circadiano em funcionários noturnos aumenta o risco de câncer, levando em 2007, o sub comitê da Organização Mundial da Saúde a declarar que o trabalho noturno era “provavelmente carcinogênico”. Diversas análises de estudos distintos, atestam que o trabalho noturno aumenta em 50 % o risco de câncer de mama, sendo que este índice chega a 70 % em aeromoças. Há um aumento também no riscode câncer colorretal e de próstata. No entanto, evidências sugerem que o risco de câncer cresce após 20 anos de trabalhos em turnos noturnos. Um estudo nacional ocorrido na Dinamarca atestou que mulheres que trabalhavam principalmente à noite por pelo menos seis meses, aumentaram em uma vez e meia a chance de desenvolver câncer de mama do que aquelas que trabalharam em horários regulares. Pesquisadores sugerem que o aumento no risco de câncer pode ser porque as células destas pessoas começam a se dividir na hora errada e desgovernadamente, sendo esta hipótese embasada por alguns

estudos em culturas de células.

O tratamento da interrupção do ritmo circadiano, atualmente é realizada a partir da fototerapia ( terapia de luz) e a reposição farmacológica de melatonina ( Ramelteon®).

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A CÉLULA EM CULTURA COMO

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