• Nenhum resultado encontrado

Neurogênese adulta

No documento Tópicos em Fisiologia Comparativa (páginas 98-103)

Lívia Clemente Motta Teixeira liviaclemente@gmail.com

A neurogênese no sistema nervoso de mamíferos foi, durante muitos anos, considerada um fenômeno restrito ao início do desenvolvimento encefálico. Entretanto, contrariamente a esse dogma, pesquisas realizadas nas últimas décadas estabeleceram que o encéfalo adulto possui células progenitoras indiferenciadas capazes de gerar novos neurônios.

O termo neurogênese pós-natal refere-se ao processo que envolve a proliferação, sobrevivência, migração e diferenciação de células progenitoras ou tronco-neurais (Figura 1) sendo cada uma dessas etapas passíveis de identificação por marcadores específicos e características de desenvolvimento (CHRISTIE; CAMERON, 2006; KEMPERMANN et al., 2004; PIATTI et al., 2006; SERI et al., 2004; VON BOHLEN; HALBACH, 2007).

Em mamíferos adultos, a neurogênese ocorre primariamente em pelo menos duas regiões do cérebro, no sistema olfativo e no hipocampo. Embora existam evidências de produção de novos neurônios em outras áreas do encéfalo adulto, incluindo o neocortéx (GOULD et al., 1999; DAYER et al., 2005), estriado, amígdala e hipotálamo (FOWLER et al., 2002), há controvérsias sobre sua real existência (EHNINGER; KEMPERMANN, 2003). No sistema olfativo, as células precursoras localizam-se na porção anterior da zona subventricular na parede dos ventrículos laterais (ZSV), de onde migram através da via de migração rostral (do inglês- rostral migratory stream ou RMS) até o bulbo olfatório onde são incorporadas (RAMIREZ-AMAYA et al., 2006). Na região hipocampal, as células progenitoras encontram-se na zona subgranular do giro denteado (ZSG), local em que iniciam sua diferenciação e de onde, ao longo da primeira semana, migram para a camada granular onde passam pelo processo de maturação dando origem as células granulares propriamente ditas, com sinapses funcionais (GAGE, 2002; KEMPERMANN et al., 2004; SERI et al., 2004; DUAN et al., 2008; DENG et al., 2010).

Imagens

São gerados cerca de 9000 novos neurônios por dia no giro denteado de roedores, o que contribuiria para a adição de aproximadamente 3,3% neurônios por mês na população de células granulares (CAMERON et al., 2001). Entretanto, esse número parece declinar com a idade (CAMERON; MCKAY, 1999).

A frequência com que as células progenitoras originam novos neurônios, bem como os processos de proliferação, diferenciação, maturação e sobrevivência são modulados por uma imensa gama de fatores, tais como exercício voluntário (VAN PRAAG et al., 1999; VAN PRAAG et al., 2005), enriquecimento ambiental (KEMPERMANN et al., 1997;), idade (KUHN et al., 1996), fatores de crescimento como BDNF (Brain-derived neurotropic fator) (ZIGOVA et al., 1998) e IGF-1 (insulin growth factor 1) (ABERG at al., 2000), níveis de certos neurotransmissores como serotonina (MALBERG et al., 2000), e agentes farmacológicos como antidepressivos (DUMAN, 2004; DAVID et al., 2009).

A função desses novos neurônios no encéfalo adulto é um tópico em intensa investigação e discussão. É frequentemente assumido que esses novos neurônios exercem apoio às funções das regiões nervosas em que se desenvolvem. Acredita-se, portanto, que quando produzidos no hipocampo adulto esse novos neurônios teriam um papel central na regulação da função cognitiva e emocional, sendo sua integridade necessária para o aprendizado e processamento de memória. Modificações permanentes na expressão de genes codificam memórias de longo prazo, de tal forma que a aquisição destas memórias seria uma etapa final e irreversível da diferenciação celular. Se assim for, então o neurônio inteiro, não apenas a sinapse, é a unidade de aprendizagem e o número de neurônios disponível para o armazenamento de novas memórias de longo prazo seria inversamente relacionado com o número de memórias previamente adquiridas. Nesse contexto, a incorporação de novos neurônios corresponderia a um mecanismo de expansão da capacidade de armazenamento de informações no encéfalo adulto.

A restrição ao desenvolvimento de novos neurônios tem um impacto negativo sobre aspectos distintos da função hipocampal. Por exemplo, redução ou bloqueio da neurogênese prejudica o desempenho de várias formas de aprendizado e memória dependentes do hipocampo (CLELLAND et al., 2009; DUPRET et al., 2008; GARTHE et al., 2009; HERNANDEZ-RABAZA et al., 2009; JESSEBERG et al., 2009 ; IMAYOSHI et al., 2008; SAXE et al., 2006; SHORS et al., 2001). Entretanto, há relatos de que o bloqueio da neurogênese não tem qualquer impacto sobre a aprendizagem (MESHI et al., 2006; SHORS et al., 2002; LEUNER et al., 2006; SAXE et al., 2007; JAHOLKOWSKI et al., 2009).

Por outro lado, condições que aumentam a neurogênese, como enriquecimento ambiental e atividade física, tendem a melhorar o desempenho em tarefas dependentes do hipocampo, como o labirinto aquático de Morris e a tarefa de medo condicionado ao contexto (KEMPERMANN et al., 1997; GOBBO; O´MARA, 2004; VAN PRAAG et al., 1999, 2005; RHODES et al., 2008). O aprendizado de tarefas dependentes do hipocampo

também parece contribuir para o aumento da neurogênese e da sobrevivência desses novos neurônios (AMBROGINI et al., 2000; DÖBRÖSSY et al., 2003; DUPRET et al., 2007; GOULD et al., 1999; HAIRSTON et al., 2005; LEMAIRE et al., 2000; LEUNER et al., 2006; OLARIU et al., 2005), enquanto aprendizagem de tarefas independentes do hipocampo não alterariam o número de novos neurônios (GOULD et al.,1999; VAN DER BORGHT et al., 2005).

A neurogênese adulta foi sugerida pela primeira vez para a comunidade científica a 40 anos, desde que foi devidamente reconhecida, muito progresso tem sido feito no entendimento de sua regulação e suas funções. Esses estudos são necessários para que possamos buscar o próximo estágio de pesquisa: o manejo terapêutico desse fenômeno.

Há um grande interesse na possibilidade de uma terapia de reposição neuronal em casos de danos cerebrais ou doenças neurogenerativas como Alzheimer, no entanto, muito ainda deve ser estudado para que possamos algum dia usar esse conhecimento em nosso benefício.

Referências:

ABERG et al. Peripheral infusion of IGF-I selectively induces neurogenesis in the adult rathippocampus. J. Neurosci., v. 20, p. 2896– 2903, 2000.

AMBROGINI et al. Spatial learning affects immature granule cell survival in the adult dentate gyrus. Neurosci. Lett. v. 286, p. 21– 24. 2000.

AMBROGINI et al.. Learning may reduce neurogenesis in the adult rat dentate gyrus.

Neurosci. Lett. V 359, p.13–16, 2004.

CAMERON et al. Adult neurogenesis produces a large pool of new granule cells in the dentate gyrus. J Comp Neurol. v. 435, n. 4, p. 406-17, 2001.

CHRISTIE, B. R.; CAMERON, H. A. Neurogenesis in the adult hippocampus.

Hippocampus, v. 16, p. 199–1207, 2006.

CLELLAND et al. A functional role for adult hippocampal neurogenesis in spatial pattern separation. Sci. v. 325, p. 210–13, 2009. DAVID et al. Neurogenesis-dependent and

independent effects of fluoxetine in an animalmodel of anxiety/ depression. Neuron, v. 62, p. 479–493, 2009.

DUMAN, R.S. Depression: a case of neuronal life and death? Biol. Psychiatry, v. 56, p. 140– 145, 2004.

DAYER et al. New GABAergic interneurons in the adult neocortex and striatum are generated from different precursors. J Cell Biol. v. 168, p. 415–427, 2005.

DENG, W.; AIMONE, J. B.; GAGE, F. H. New neurons and new memories : how does adult hippocampal neurogenesis affect learning and memory ? Nat. v. 11, n. 5, p. 339-350, 2010. DÖBRÖSSY et al. Differential effects of learning

on neurogenesis: learning increases or decreases the number of newly born cells depending on their birth date. Mol.

Psychiatry, v. 8, p. 974–82, 2003.

DUPRET et al. Spatial learning depends on both the addition and removal of new hippocampal neurons. PLoS Biol. v. 5, e214, 2007. DUPRET et al. Spatial relational memory requires

hippocampal adult neurogenesis. PLoS ONE, v.3, n. 4 , e1959, 2008.

EHNINGER; KEMPERMANN. Regional effects of wheel running and environmental enrichment on cell genesis and microglia proliferation in the adult murine neocortex.

Cerebral Cortex, v. 13, p. 845–51, 2003.

GARTHE et al. Adult-generated hippocampal neurons allow the flexible use of spatially precise learning strategies. PLoS One, v.5, e5464, 2009.

GAGE, F.H. Mammalian neural stem cells. Sci, v. 287, p. 1433–1438, 2002.

GOBBO, O.L.; O’MARA, S.M. Impact of enriched-environment housing on brain- derived neurotrophic factor and on cognitive performance after a transient global ischemia.

Behav. Brain Res. v. 152, p. 231–241, 2004.

GOULD et al. Neurogenesis in adulthood: a possible role in learning. Trends Cogn Sci. v. 3, p. 186–192, 1999.

HAIRSTON et al. Sleep restriction suppresses neurogenesis induced by hippocampus- dependent learning. J. Neurophysiol. v. 94, p. 4224–33, 2005.

HASTINGS, NB; GOULD, E. Rapid extension of axons into the CA3region by adult-generated granule cells. J. Comp. Neurol. v. 413, p. 146–54, 1999.

HERNANDEZ-RABAZA et al., 2009. Inhibition of adult hippocampal neurogenesis disrupts contextual learning but spares spatial working memory, long- term conditional rule retention and spatial reversal. Neurosci. v. 159, p. 59– 68, 1999.

IMAYOSHI et al. Roles of continuous

neurogenesis in the structural and functional integrity of the adult forebrain. Nat Neurosci. v. 11, n. 10, p. 1153-61, 2008.

JAHOLKOWSKI ,P. et al. New hippocampal neurons are not obligatory for memory formation; cyclin D2 knockout mice with no adult brain neurogenesis show learning. Learn

Mem. v. 16, p. 439–451, 2009.

JESSBERGER et al. Dentate gyrus-specific knock- down of adult neurogenesis impairs spatial and object recognition memory in adult rats.

Learn. Mem. v. 16, p. 147–154, 2009.

KEMPERMANN et al. 1997.More hippocampal neurons in adult mice living in an enriched environment. Nat. v. 386, p. 493-495, 1997. KEMPERMANN et al. 2004. Milestones of

neuronal development in the adult

hippocampus. Trends Neurosci. v. 27, n. 8, p. 447-52, 2004.

LEUNER et al. Is there a link between adult neurogenesis and learning? Hippocampus, v. 16, p. 216–24. 2004.

LEMAIRE et al. Prenatal stress produces learning deficits associated with an inhibition of neurogenesis in the hippocampus. Proc. Natl.

Acad. Sci. v. 97, p. 11032–37, 2000.

MALBERG et al. Chronic antidepressant treatment increases neurogenesis in adult

rathippocampus. J. Neurosci. v. 20, p. 9104– 10, 2000.

MESHI, D. et al. Hippocampal neurogenesis is not required for behavioral effects of

environmental enrichment. Nat Neurosci. v. 9, n. 6, p. 729-731, 2006.

OLARIU et al. A natural form of learning can increase and decrease the survival of new neurons in the dentate gyrus. Hippocampus, v. 15, p. 750–62, 2005.

PIATTI, V. C.; ESPOSITO M. S.; SCHINDER A. F. The timing of neuronal development in adult hippocampal neurogenesis. Neurosci. v. 12, n. 6, p. 463-8, 2006.

RAMIREZ-AMAYA, V. et al. Integration of new neurons into functional neural networks. J.

Neurosci. v. 26, p. 12237–12241, 2006.

RHODES, J. S. et al. Exercise increases

hippocampal neurogenesis to high levels but does not improve spatial learning in mice bred for increased voluntary wheel running. Behav

Neurosci. v. 117, p. 1006–1016, 2008.

SAXE, M. D. et al. Ablation of hippocampal neurogenesis impairs contex- tual fear conditioning and synaptic plasticity in the

dentate gyrus. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. v. 103, p. 17501–17506, 2008.

SAXE, M. D. et al. Paradoxical influence of hippocampal neurogenesis on working memory. Proc Natl Acad Sci. v. 104, p. 4642– 4646, 2007.

SERI et al. Cell types, lineage, and architecture of the germinal zone in the adult dentate gyrus. J

Comp Neurol. v. 478, n. 4, p. 359-78, 2004.

SHORS et al. Neurogenesis in the adult is involved in the formation of trace memories. Nat. v. 410, n. 6826, p. 372-6, 2001.

SHORS et al. Neurogenesis may relate to some but not all types of hippocampal-dependent learning. Hippocampus, v. 12, p. 578–84, 2002.

VAN DER BORGHT et al. Effects of active shock avoidance learning on hippocampal

neurogenesis and plasma levels of

corticosterone. Behav. Brain Res. v. 157, p. 23–30, 2005.

VAN PRAAG, H. et al. Running enhances neurogenesis, learning and long-term potentiation in mice. Proc. Nat. Acad. Sci. v. 96, p. 13427–13431, 1999.

VAN PRAAG, H. et al. Exercise enhances learning and hippocampal neurogenesis in aged mice.

J. Neurosci. v. 25, p. 8680–8685, 2005.

VON BOHLEN; HALBACH O.

Immunohistological markers for staging neurogenesis in adult hippocampus. Cell

Tissue Res. v. 329, n.3, p. 409-20, 2007.

ZIGOVA et al. Intraventricular administration of BDNFincreases the number of newlygenerated neurons in the adult olfactory bulb. Mol. Cell.

No documento Tópicos em Fisiologia Comparativa (páginas 98-103)