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1.1 Dois profissionais do urbanismo.

Com o intuito de criar uma chave de entendimento que conecte os dois períodos de transformações urbanas do município de Ribeirão Preto recortados pela pesquisa. Sem perder de vista as particularidades históricas da cidade, procuramos situá-las através de uma abordagem metade do século XX. Na linha de Marcus André B. C. de Melo (1993) essa abordagem pode ser feita tomando as ambiguidades da trajetória do municipalismo nesse período. Segundo o autor, o municipalismo se constituiu como uma das construções discursivo-programáticas mais antigas e resilientes da cultura política brasileira, adquirindo o status de “leito de procusto” de diferentes vertentes ideológicas nacionais. O municipalismo teria servido desde a crítica dos liberais à centralização imperial do Segundo Reinado, passando pela defesa por mais autonomia municipal durante a Primeira República, até chegar aos desdobramentos institucionais do Estado Novo e da redemocratização, quando a partir da criação de órgãos federais, como a ABM e o IBAM , o municipalismo se converte num instrumento de racionalização da moderna política no país.

O municipalismo, através da história brasileira, informou ideológica e pragmaticamente agrarista ao sistema sócio-político da República Velha que, no Estado Novo, enxergou no município o representada pela criação da ABM e uma vertente tecnocrata associada ao IBAM. Na primeira dessas vertentes o municipalismo perde seu caráter militante e se transforma numa frente nacional de políticos provincianos. Na segunda, o municipalismo perde seu caráter militante e se transforma numa frente nacional de políticos provincianos. (MELO: 1993: 11).

Nesse sentido, como teria acontecido o movimento de institucionalização do urbanismo brasileiro nesse espectro dos dilemas entre a autonomia e a centralização das administrações municipais brasileiras? Nesse primeiro capítulo procuramos recortar algumas passagens históricas que envolveram os dois urbanistas escolhidos para o estudo no sentido de esclarecer suas posições no que toca a política nacional. Em outras palavras, qual foi o embasamento do republicanismo de Saturnino de Brito, expresso em cartas escritas a diferentes correspondentes? Algo que o fez pegar em armas para sustentar durante a Revolta da Armada a defesa do Governo de Floriano Peixoto na véspera da sucessão eleitoral? Do mesmo modo, o que teria alimentado o esforço de José de Oliveira Reis pela institucionalização do urbanismo brasileiro? Qual o sentido da elaboração de

suas críticas e elogios aos prefeitos e interventores do Distrito Federal?

urbano enquanto campo de intervenção do Estado esteve, num primeiro momento, associada a intervenções urbanísticas de remodelação urbana e a ideologias estéticas e de higiene em grandes cidades. Em um segundo momento, a estruturação desse campo de intervenção estatal está associada à questão

reforma municipal americana da Progressive Era (1900-1912). O projeto de reforma de gestão nos um comitê de vereadores das machines. A reforma, portanto, buscava revolucionar a cultura política americana do século XIX, dominada, como a brasileira, por forte clientelismo e patronagem. A reforma foi fundamental na construção da esfera pública e da “capacidade de Estado” nos EUA. O caso brasileiro se diferencia do americano, porque a reforma administrativa nos EUA teve mais sucesso nos níveis estadual e municipal do que no federal. O projeto do DASP, como assinalado, se restringiu, em larga medida, à área federal (MELO:1993: 10)

Ambos os engenheiros – Saturnino de Brito e José de Oliveira Reis - assumiram posições políticas que lidavam com esse moviemento pendular entre a cenralização fedral e o poder de oligarquias estaduais, como no caso do Partido Republicano Paulista, particularmente no apoio de Brito a candidatura de Prudente de Morais e, também no caso do Partido Democrático nos elogios de Oliveira Reis a família Prado. A sucessão presidencial de 1894 esteve ameaçada na ocasião, tanto por correntes que defendiam uma Ditadura Militar, quanto pela revolta monarquista da marinha que pretendia a restauração de Gabinetes desapossados com o advento da República. José de Oliveira Reis elogia Antônio Prado Junior pela contratação do urbanista Alfred Agache em 1928, durante a última gestão da Prefeitura do Distrito Federal nomeada por um presidente eleito pela máquina eleitoral da Política dos Governadores.

Os dois urbanistas, portanto, elaboraram suas propostas de intervenções urbanas diante de leituras conjecturais da situação política federal. Ambos procuraram estabelecer um planejamento urbano segundo suas concepções e ideologias políticas, o que possibilita tratar as suas peças com Christian Topalov (1991), a possibilidade de se abordar o que se produziu em urbanismo

uma terminologia de ‘crise’ para enunciar a urgência de uma ‘questão urbana’ (TOPALOV: 1991: 28)

Segundo Topalov (1991), a cidade já há um tempo se tornou objeto da ciência, o que não Todavia, desde a segunda metade do século XVIII, para além de saberes parciais sobre sociedades global, ou como um sistema orgânico. Portanto, o inglês, ou urbanisme francês, além do urbanismo brasileiro, estariam marcados pela procura de meios para remediar uma desordem aparente aos urbanistas. A relação entre a apreensão do real e a projeção de sua transformação seria o elemento constitutivo da disciplina urbanística e justamente o que permite a constituição da historicidade de suas fronteiras e variáveis, ou do tempo e do espaço de seus paradigmas e

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aproximação entre ciência e ideologia, ou do lugar político e social dos urbanistas:

Um modelo de sociedade (...) não é arbitrário e não depende de uma pura história das ideias. história do próprio mundo da ciência em si e de suas relações com a sociedade. É com esta hipótese que retorno a “ciência da cidade” e que gostaria de ao mesmo tempo lembrar nossas origens, a fonte de todas as nossas alegrias e de todos os nossos problemas (TOPALOV: 1991: 30).

Os conceitos e a metodologia do planejamento urbano se constituíram como uma disciplina de origem, as quais estavam subordinados por seus estatutos. Entretanto, essa emancipação não foi feita sem um desligamento estanque de suas formações originais, ou melhor, para esta nova social que será disputada pelos urbanistas numa aproximação a grupos dominantes ou dentro de

Como enquadrar, portanto, a relação entre lugar social, leituras de crise, planos de uma nova ordem espacial e o desdobramento histórico da cidade? O município de Ribeirão Preto se torna o laboratório para tais questões. Em poucas décadas a cidade sofreu grandes transformações para a grande monocultura do café, e chegando ao meio do século XX a uma economia já bastante urbanizada e baseada num composto de indústria, comércio e serviços. Nesse período passariam pela cidade dois importantes personagens da história do urbanismo brasileiro. Quais as chaves de entendimento da política moderna brasileira que permitiria enxergar as leituras da cidade realizadas por aqueles dois urbanistas no momento em que enfrentaram os interesses de políticos locais?

la gestión urbana no depende exclusivamente de la autoridad municipal, sino que recibe de

Tal problemática, grosso modo, se associa ao nascimento do Estado Moderno num O Estado nesse percurso não suprime em absoluto a organização municipal, mas a absorve como um elemento de sua capilaridade reduzindo o seu campo de ação através da regulamentação de suas normas de funcionamento. No Brasil, entretanto, existia a singularidade apontada por Victor Nunes Leal (2012) sobre o poder das oligarquias locais ainda como resquício do patriarcado sobre o qual se instaurou o novo arranjo institucional do Estado Republicano. Nesse movimento, as intituições políticas da Primeira República, num percurso já conhecido, arregimentaram o velho poder do latifúndio para constituir a representatividade e organizar a capilaridade do novo regime.

Chegamos, assim, ao ponto que nos parece nuclear para conceituação do “coronelismo”: este sistema político é dominado por uma relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido.

portanto, do poser público. Mas, na Primeira República - quando o termo “coronelismo” se incorporou ao vocabulário corrente para designar as particularidades da nossa política do interior -, o aparelhamento rebeldia do poder privado. É preciso, pois, descobrir a espécie de debilidade que forçou o poder público a estabelecer o compromisso “coronelista” (LEAL: 2012: 252).

procuraram organizar o poder municipal, criando um jogo institucional de novas responsabilidades e prerrogativas, como: a Poor Law

o Bürgmeister na Alemanha, criando um agente administrativo nomeado por um conselho, ou o

manager nos EUA para governar as pequenas cidades. As instituições municipais tornam-se locos de

diversas ações públicas geridas pelos Estados Nacionais e a sua função se multiplica acompanhando o aumento de responsabilidades relacionadas a serviços como água, gás, eletricidade, transportes, educação e medidas de controle e regulação sanitária.

Diante desse fenômeno, como teria ocorrido o trânsito político e institucional dos planos urbanos elaborados por Saturnino de Brito e José de Oliveira Reis para a Câmara Municipal de Ribeirão Preto? Como tais urbanistas circularam numa instituição local de poder frente ao dilema e as nuances da política moderna brasileira? Para abordar tais questões em vista da defesa pela centralização política de Saturnino de Brito e do trabalho institucional de José de Oliveira Reis, enfraquecimento do poder central, com o aumento da autonomia dos municípios, ou a atenuação do poder local, num movimento de centralização.