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1.4 Plano Diretor politicamente neutro?

José de Oliveira Reis, que irá elaborar uma peça urbanística para Ribeirão Preto, também teve que lidar com as nuances do poder político oligárquico, não só na esfera da Câmara Municipal da brasileiro. A sua carreira se insere num outro contexto político e econômico, principalmente durante a Era Vargas, quando o país atravessava um período de desenvolvimento urbano e industrial sob um processo de centralização estatal.9 Vemos Oliveira Reis às voltas com as administrações

municipais, adotando posturas semelhantes às de Anhaia Mello num movimento pela modernização defender a desvinculação das questões do urbanismo da política local.

De certo modo, há uma lógica no planejamento municipal condicionado a prescrição constitucional que estabelece a autonomia do município. E, ainda que assim não fosse, bastava à conceituação do município

9 Ver RESENDE, V.; Ribeiro, F. de A. A arquitetura e o urbanismo modernos no Distrito Federal, escolha ou docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/004.pdf).

como unidade política primária”

A ideia do planejamento de área inicia-se por essa “unidade política primaria” e se amplia por toda uma região. (REIS, 1955: 3)

Essa atuação ocorre no âmbito da defesa das Comissões de Plano da Cidade e dos Departamentos de Urbanismo como órgãos por excelência das questões de urbanismo, da mesma forma que propunham alguns autores norte-americanos. Era imprescindível aos órgãos de planejamento urbano, segundo os estadunidenses, uma total autonomia das instituições de poder do executivo e legislativo, constituindo o que Anhaia Mello chamava de o quarto poder da administração municipal.10 Nesse sentido, é possível enxergar na elaboração do projeto do Plano

Diretor de Ribeirão Preto de 1945 e na palestra proferida por José de Oliveira Reis na Câmara Municipal da cidade, a visão de planejamento desse urbanista fundada no entendimento do que “planejamento, como qualquer técnica, é politicamente neutro; há um processo, pois, que deve ser seguido por todos, para acertar”. Está visão de planejamento que procura imprimir ao setor de tecnocrática para resolução dos problemas urbanos. Ou seja, denota a crença de que um corpo de técnicos com validade universal, independentes dos sistemas político e social local, se aplicadas corretamente, têm o poder de atender ao interesse público, mais que qualquer outro mecanismo. (FELDMAN: 2005: 49)

José de Oliveira Reis, apesar de egresso do curso de engenharia civil da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, possuía, sem dúvida, contato com as publicações de Anhaia Mello, enquanto este República nos anos de 1920. Apesar de Anhaia Mello considerar o urbanismo como uma ciência para a penetração de suas ideias e concepções de organização no setor de urbanismo paulistano. São Paulo, pelo patriarca da família Prado e ex-prefeito dessa cidade, Antônio Prado.

do Partido Republicano Paulista (PRP), ainda bastante dominado por fazendeiros de oligarquias rurais. A partir dos anos de 1930, o PD se associa ao movimento de incorporação do planejamento como função de governo, tendo integrado a Aliança Liberal de apoio à candidatura de Getúlio Vargas contra o candidato do PRP, Júlio Prestes, que sairia vencedor das eleições presidenciais.

Desse modo, o trânsito político institucional de Anhaia Mello se dá durante a Era Vargas, como prefeito em 1931, ainda no Governo Provisório, e como secretário do estado de São Paulo, durante o Estado Novo. As suas ideias e concepções de urbanismo na administração municipal paulistana, consequentemente, são absorvidas em virtude da presença de Abrão Ribeiro, membro 10 Ver o primeiro capítulo do livro de FELDMAN, S. Planejamento e Zoneamento, São Paulo (1947-1972). São Paulo: Edusp/Fapesp, 2005.

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do PD, prefeito em 1945, e do arquiteto Christiano Stockler, também como prefeito em 1947, momento da criação do Departamento de Urbanismo. A proximidade de Jânio Quadros ao municipalismo também facilita, posteriormente, a penetração das propostas de Anhaia Mello em diversos momentos da administração municipal paulistana.11

Dessa forma, apesar da bandeira sobre os Planos Diretores politicamente neutros, os contatos políticos de Oliveira Reis, num movimento semelhante ao de Anhaia Mello, serão fundamentais para a sua carreira e a penetração de suas ideias no âmbito da administração pública. A formação de José de Oliveira Reis enquanto urbanista, segundo Rodrigo Faria (2007), também ocorrerá principalmente nesse percurso da institucionalização do urbanismo pelas administrações durante a Era Vargas, ao ingressar como engenheiro na administração municipal por concurso público realizado na gestão de Pedro Ernesto. Essa gestão é decisiva para estruturação da Comissão

Desse modo, durante um período de recrudescimento da autonomia municipal durante o Estado Novo com a nomeação pela esfera federal aos cargos de prefeitos, a relação entre José de

elaboração de um plano urbano e de obras para Capital Federal, que estava sob sua responsabilidade. Dodsworth, partidário e amparado do pelo Estado Novo, que legitimava e garantia a autonomia da neutra, distanciada do campo político-partidário (FARIA: 2007: 161)

Ao longo desses anos, numa articulação entre a Comissão do Plano da Cidade e a Secretaria de Viação e Obras Públicas, representada por Edison Passos, Oliveira Reis consegue importantes encaminhamentos no campo administrativo para as realizações urbanísticas. Em 1941 organizará no Rio de Janeiro o I Congresso Brasileiro de Urbanismo, e depois ainda participa da transformação da Comissão do Plano da Cidade em Departamento de Urbanismo da Capital Federal em 1945, já na prefeitura de Filadelfo de Barros Azevedo.12

Neste ano, José de Oliveira Reis é convidado a elaborar o Plano Diretor de Ribeirão Preto, tendo ainda de voltar ao município em 1955, em virtude da criação na Câmara Municipal da cidade de sua Comissão Especial do Plano Diretor, ocasião em que profere a palestra “O urbanismo e sua

a importância da gestão municipal de Antonio Prado Junior para o urbanismo, principalmente em função de ter contratado o urbanista francês Alfred Agache para a elaboração do Plano de

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ciência técnica e politicamente neutra, o que José de Oliveira Reis na realidade realiza ao rememorar a evolução do urbanismo em cada uma das gestões administrativas do Rio de Janeiro é a construção de uma narrativa que evidencia os prefeitos que, segundo ele, contribuíram para a formação de uma “cultura urbanística”. E, particularmente, aqueles que favoreceram a estruturação da Comissão do Plano da Cidade em torno da discussão sobre o Plano de Alfred Agache e posteriormente durante o Estado Novo na gestão do interventor federal. Dessa forma, numa linha evolutiva, Oliveira Reis

torna o chefe da Comissão do Plano da Cidade.

Antônio Prado Junior, paulista, oriundo de tradicional família (...) foi o Prefeito do Distrito Uma de suas mais notáveis iniciativas foi a de entregar a Alfred Agache, o estudo do primeiro plano reconhecidos. O livro, dele resultante, representou o primeiro estudo sério dos problemas urbanísticos da importante do Plano Agache foi o de alertar os engenheiros e arquitetos municipais e despertar interesse problemas de ordem local e atraindo para os mesmos a atenção dos munícipes (REIS: 1965 apud FARIA: 2007: 17)

Nos elogios aos trabalhos realizados à gestão de Antônio Prado Junior transparece, portanto,

das Diretorias de Obras Públicas, das Comissões de Plano da Cidade e do Departamento de Urbanismo do Distrito Federal. Todavia, seus comentários demonstram também as nuances e da Primeira República. Oliveira Reis apoia um político de uma oligarquia dissidente da Política dos Governadores liderada pelo PRP, percebendo que a institucionalização do urbanismo integraria a plataforma de partidos políticos mais arraigados ao mundo urbano como no caso do Partido Democrático.

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O Plano do urbanista Alfred Agache seria então contratado pelo prefeito nomeado pelo último presidente eleito na esteira de poder da Política dos Governadores. Washington Luís havia nomeado Antônio Prado Junior como prefeito do Distrito Federal numa tentativa de reconciliação com o seu pai, já octogenário, em virtude das desavenças que o levara a fundar o reformista Partido Democrático. Antônio Prado Junior, por sua vez, como prefeito, de forma semelhante ao que seu pai havia feito em São Paulo, dirige sua atenção à modernização física e ao embelezamento urbano do Rio de Janeiro.

Dessa maneira, é curioso notar que o urbanista José de Oliveira Reis assim como Anhaia plataforma de modernização que escapasse da política oligárquica dos partidos republicanos. O

Partido Democrático a comporem alianças com outras dissidências estaduais, como no caso do Partido Libertador no Rio Grande do Sul, que antecede a Aliança Liberal que leva Getúlio Vargas ao poder em 1930.14

Já os elogios a Washington Luís passavam pela posição deste político a favor do municipalismo na Assembleia Constituinte de 1905 e, posteriormente, ao longo de sua trajetória Luís faz sua carreira política no estado de São Paulo, onde atua como deputado estadual, prefeito da capital, governador do estado e, após o seu mandato no senado, como presidente da República do PRP eleito com larga vantagem sobre seus opositores.

A nomeação de Antônio Prado Junior à prefeitura do Distrito Federal também possui relação com a aproximação de ambos durante suas trajetórias políticas pelo estado Paulista. Antônio Prado Junior era conhecido pela ousadia de ter viajado junto a Albert Santos Dumont no balão Lutéce pelos arredores de Paris. Ambas as famílias, Prado e Dumont, possuíam companhias de fazendas de café na região de Ribeirão Preto, cidade bastante próxima a Batatais, onde Washington Luís havia iniciado sua carreira como advogado. Algo curioso na relação entre Washington Luís e Antônio Prado Junior era a coincidência pelo entusiasmo aos veículos automotores e estradas de rodagem. Washington Luís foi ao longo de sua trajetória política um dos principais patrocinadores de congressos e associações pelo desenvolvimento da malha rodoviária paulista, posição que também era defendida Antônio Prado Junior em suas referências ao desenvolvimento dos Estados Unidos, o que por sua vez os aproximavam também de Anhaia Mello.

Antônio Prado Junior protagoniza a primeira travessia automobilística entre a capital paulista e a cidade de Santos com o veículo francês Motobloc. Em 1908, possivelmente, o futuro presidente da República o encontra na Grande Corrida realizada em São Paulo pelos integrantes do Automóvel Club da cidade. Na época, Washington Luís era Secretário de Justiça e Segurança Pública, o que o permitiu reivindicar a realização da corrida junto ao prefeito municipal Barão 14 Ver LEVI, D. A família Prado. 1977 p. 304.

Raimundo Duprat. Os colegas do secretário realizavam as reuniões do Automóvel Club na casa de outro integrante da família, Martinico Prado, no antigo Largo do Rosário e devem ter sido calorosamente cumprimentados pelo prefeito e secretário no banquete de confraternização da primeira prova automobilística da América do Sul.

Segundo Faria (2007), as rememorações de José de Oliveira Reis a respeito da contração de Agache pelo prefeito Antônio Prado Junior compõem uma construção discursiva em relação à institucionalização do urbanismo na administração pública brasileira. Dessa forma, o urbanista importantes para a consolidação daquela disciplina em esferas estatais:

do velho e conceituado Conselheiro Antônio Prado era apenas dedicado à vida particular e social nos

período mais ou menos tranquilo, equilibrado da administração Alaor Prata, sucedeu a deoutro prefeito de características dinâmicas incansável trabalhador, revolvendo tudo, agitando problemas e deixando marcado, de modo indelével, a sua passagem pela prefeitura do Distrito Federal. (...) O Governo Junior, cuja personalidade marcante e austeridade no trato dos negócios publicados eram bem uma continuação do Presidente da Republica. . (REIS: 1965: 89 apud FARIA: 2007: 21)

Reis também era oriundo da região de Ribeirão Preto. Filho de um menos próspero produtor de café, conhecia os integrantes da tradicional família paulista em virtude da presença das celebres fazendas na região de Ribeirão Preto – São Martinho e Guatapará. Curiosos são os comentários positivos de Saturnino de Brito em relação aos progressos da administração de Antônio Prado no que se refere à continuidade das ações de reformas na prefeitura da cidade de São Paulo. No estudo que o engenheiro realiza sobre o abastecimento d’água da capital paulista, contemporâneo ao período do governo municipal do conselheiro, também aparecerá opiniões favoráveis à família Prado em virtude de sua dissidência a Política dos Governadores:

Na capital do Estado de S. Paulo o prefeito tem sido eleito, mas, por excepção, o bom senso e o patriotismo tem escolhido, independentemente do Governo, durante quatriennios sucessivos, o sr. dr. mesmo. (BRITO: 1912: 309)

Tanto Saturnino de Brito quanto José de Oliveira Reis se aproximam de Antônio Prado em função do seu papel como crítico aos partidos republicanos estaduais. Para o conselheiro do Partido Democrático os Partidos Republicanos seriam simples agrupamentos de políticos sem uma plataforma nacional e modernizante. Uma plataforma política que Getúlio Vargas tentará absorver Sul - São Paulo através das ideias políticas cafeeiras que vinham sendo ignoradas pelos políticos do PRP.

Plano DiretorPoliticamenteneutro?

Nesse sentido, para ambos os engenheiros – Saturnino de Brito e José de Oliveira Reis – a condição de existência do urbanismo enquanto uma ciência autônoma dependia de sua independência da política praticada, principalmente no âmbito do poder das oligarquias estaduais da Primeira República. Segundo Darrell Levi (1977), durante os anos em que Antônio Prado fora prefeito de São Paulo, entre 1889-1910, se revelou o seu desinteresse pela política republicana, relutando em aceitar o novo jogo clientelístico das indicações do PRP, estando mais inclinado à restauração da estabilidade política monárquica:

O que Antônio Prado parecia querer era uma República que tendesse à suposta estabilidade da Monarquia. Em particular, achava o tempo de mandato do presidente muito curto: um novo presidente gastava o primeiro ano estabelecendo sua política; o segundo servia ao inicio de sua implementação; o terceiro era ocupado pela preparação para próxima eleição; e o quarto ano, presumivelmente, era ocupado com as eleições mesmas (LEVI: 1977: 297)

A prefeitura da cidade de São Paulo era um cargo menor que Antônio Prado ocupava procurando evitar as alianças políticas para candidaturas maiores. A sua gestão no município, numa atmosfera de desenvolvimento material. As referências de Brito a Antônio Prado, e mesmo as de José de Oliveira Reis em relação a essa família, estão associadas à notoriedade que ele adquiriu ao levar para administração pública as técnicas comerciais que haviam conquistado nos seus prósperos negócios particulares.

Seu programa diário como prefeito consistia em rápidas visitas às obras municipais, ao curtume da Água Branca, à vidraria Santa Marina, ao Banco do Comércio e Indústria, e à Paulista. Um de seus primeiros projetos foi supervisionar a pavimentação das principais ruas da cidade. A 7 de maio de 1900, inaugurou pessoalmente a primeira linha de tróleis elétricos da cidade, dirigindo o primeiro parques e praças da cidade, e a praça da República permanece ainda hoje como um dos marcos de sua administração. (LEVI: 1977: 298)

As aproximações de Brito e Oliveira Reis aos prefeitos municipais da família Prado estavam vinculadas a distinções que os integrantes da família haviam recebido como uma elite modernizada engenheiro da cidade de São Paulo, Victor da Silva Freire, que assim a expressa no caso da vigorosa

establishment

Brito e Oliveira Reis associam a um modelo administrativo desvinculado tanto da politicagem das institucional “politicamente neutro” ao planejamento urbano.

Portanto, quais os ideais dos autores urbanistas ao realizarem os seus trabalhos no âmbito Ribeirão Preto.15? Mas, quais seriam as clivagens ou diálogos, neste caso particular, entre os planos

ou concepções urbanísticas e a história da cidade de Ribeirão Preto no período que abrange as duas elaborações?

cidade de Campinas, modelo no âmbito da Comissão e das cidades do interior paulista. A sua trajetória pelo interior paulista é fundamental para a elaboração de sua concepção sobre a necessidade de Planos de Conjuntos, inclusive, com o sistema de abastecimento de água e coleta de esgoto como um dos elementos centrais do que Brito considerava como o Conjunto das obras para a cidade.

A ocupAçãodAbAciAhidrográficAdo ribeirão preto