• Nenhum resultado encontrado

O nascimento do urbanismo no Brasil, enquanto uma chave de leitura urbana, esteve relacionado ao aparecimento de ciências técnicas que a partir do crescimento das cidades se debruçaram sobre diversos problemas sociais. A disciplina se associa, nesse sentido, ao surgimento do solo urbano, tanto no desenvolvimento de projetos de abastecimento d´água e rede de esgoto, quanto na elaboração dos zoneamentos típicas de Planos Diretores. Dessa maneira, procuramos nos de questões associadas ao novo arranjo estrutural e institucional das cidades brasileiras durante o Ambos os engenheiros urbanistas, Saturnino de Brito e José de Oliveira Reis, ao se debruçarem sobre as questões propostas pela municipalidade de Ribeirão Preto, traziam para cidade difusão da urbanística moderna, traziam em suas bagagens a experiência de planos, projetos e relatórios, sistematizados frente aos dilemas do planejamento dos municípios brasileiros.

Ao desembarcar na estação de trens da Cia. Mogiana, em 1912, às margens do Ribeirão Preto, o engenheiro Saturnino de Brito manifestaria suas observações sobre o planejamento urbano da cidade, ressaltando, além de suas considerações técnicas, também o seu posicionamento político: Antes de passar ao assunto principal, permiti que não perca mais esta oportunidade de dizer o que venho propagando, há annos, em favor da execução e da exploração por administração dos serviços sanitários. Em o nº 11 (10 de abril de 1912) da Revista de Engenharia, ainda uma vez tratei da questão pedindo para ella a attenção que merece. (BRITO: 1912: 1)

Em seu artigo na Revista de Engenharia, Brito se apresenta como um modesto engenheiro que há anos vinha dedicando seus esforços para que se seguisse no Brasil um roteiro seguro aos trabalhos que intensamente interessavam à vida dos habitantes das cidades do país. Dessa maneira, termos de sua constituição como uma ciência urbanísitca. No capítulo do livro , ele diz, que apesar dos inúmeros estudos com orientação orgânica, sob todas as dimensões - estética, racional e prática -, ainda não se havia chegado às soluções de todos os problemas urbanos. O organismo cidade seria comparável ao organismo homem, sendo, entretanto, algo ainda mais complexo, pois abrangia todos aqueles em seu desenvolvimento devendo

A ArtedeseconstruircidAdesemmeioàpolíticAlocAl

considerar as condições de cada indivíduo em seu meio ambiente. Em suma, ao urbanismo se impunha o trabalho hercúleo de harmonizar o convívio entre os cidadãos e o seu espaço. A busca nova arte de se construir cidades.

José de Oliveira Reis, mais tarde, em 1955, ao também desembarcar em Ribeirão Preto quando retornava ao município após dez anos da elaboração de seu Plano Diretor, retomará, numa palestra na Câmara Municipal, as questões urbanísticas que haviam sido sugeridas por Saturnino de

urbanístico que ele havia elaborado, assim ele inicia sua palestra:

Preto) e de muitas outras.

Essa fase primaria do urbanismo evoluiu expandindo-se alem dos limites da cidade, para o

circulação e fomentando o bem estar geral”. (REIS: 1955: 1).

Apesar de Oliveira Reis se demonstrar diferente de um urbanismo das Luzes, praticado central da organização de seus Planos56, ele transparecia algo exposto no capítulo de Brito,

. Ou seja, as interveções urbanas não se desobrigariam de consequências sociais, tanto para o bem quanto para o mal, e as ações práticas deveriam sempres estar imbuídas de uma intenção conciliadora. Porém, sem medir os sacrifícios extraordinários para se chegar a um ideal na relação entre o homem e a cidade: la ville peut rester longtemps malade, assim diante da impossibilidade de se alcançar a harmonia entre a materialidade da cidade e os desejos de seus habitantes, os urbanistas, ao escolher entre ambos - o homem e a cidade -, não poderiam se esquecer que la ville

est immortelle e sempre terá um futuro pela frente.

que ainda faltariam estudos sob o ponto de vista utilitário, social e artístico para se chegar a um novo

pois se a planta de Belo Horizonte era composta pela sobreposição de duas malhas em xadrez - uma quadriculada e outra em diagonal -, Reis propõe um traçado viário diferente para quebrar a 56 Ver SALGUEIRO, H. A. Revisando Haussmann. Revista USP. São Paulo (26): 195-205, junho/agosto, 1995.

rigidez ortodoxa da malha de Ribeirão Preto. O desenho de seu Plano Diretor era mais sinuoso, com as avenidas parkways que acompanhavam as deambulações dos rios pela cidade, além de ruas que evitavam as reticulas em terrenos com grandes declives, o aproximando das concepções de traçado sanitário de Saturnino de Brito.

Em sua palestra, Reis discorre sobre essa arte de se construir cidades:

Eis aí, em poucas palavras a enorme tarefa que nos cabe a todos, para que possamos, também, usufruir um pouco de uma vida melhor.

abranger todo o município e, ir além, estendendo-se por toda a região ecológica. (REIS: 1955: 2) progresso social, ou entre os saberes sobre a cidade e um projeto progressista de racionalização. A partir da percepção de desordem e caos, a ciência se ocupará de recolocar as coisas em seus lugares e instaurar uma nova ordem espacial, como meio e resultado de uma nova ordem social.

instituições estatais no momento daquela penetração é crucial para existência e efetividade dessa ciência urbanística.

no âmbito das instituições governamentais do município de Ribeirão Preto. A relação entre estes novos especialistas do espaço urbano e a tutela institucional da cidade ocorreu numa oscilação entre desenvolvimento desorganizado da cidade, e a apropriação pelos políticos locais de fragmentos dos planos e relatórios dos urbanistas, dotando decisões enviesadas pelos interesses oligarcas com as etiquetas de credibilidade que os nomes dos urbanistas conferiam.

Durante o ciclo cafeeiro, a utilização para o uso doméstico das “águas de fontes”, tidas como mais puras, se torna um signo de diferenciação aos fazendeiros, restando aos colonos a utilização de águas dos córregos mais próximos de suas habitações. A construção do abastecimento d’água no núcleo urbano, restrito à área central e mantida através da captação daqueles pequenos mananciais, faz com que persista na cidade um imaginário negativo em relação às águas dos rios, poluídos à vista de todos, sendo o manancial dos desfavorecidos que os dividiam com o uso predatório de indústrias e fábricas.

A ArtedeseconstruircidAdesemmeioàpolíticAlocAl

propondo outro modelo de abastecimento e a encampação da Empresa de Água e Esgotos, além dos pareceres de engenheiros sanitaristas alegando a possibilidade de captação de águas dos rios, não impedem a realização de um acordo que garantiu os negócios da família Silva Prado na região. O descarte da captação dessas águas demonstra uma aliança política entre a Empresa de Águas e Esgotos e o poder municipal, algo que desnuda os interesses econômicos de famílias aristocráticas por trás da apropriação de recursos hídricos transformados em serviços urbanos.

Durante a Era Vargas veremos, por sua vez, os interesses dos loteadores, que acumulavam capital através da especulação imobiliária, prevalecerem sobre a delimitação do Plano Diretor como um instrumento urbanístico de regulamentação do uso e ocupação do solo urbano. Um veto do prefeito interino, além de indícios de corrupção entre os funcionários do Departamento de Engenharia do município, promoveram o desmantelamento da Comissão Especial do Plano Diretor da Cidade.

Vemos, portanto, que as proposições de ambas as peças urbanísticas –

de Ribeirão Preto e Observações e -, não prevaleceram sobre os interesses locais no processo da produção material da cidade, sobrepondo a reiteração dos dois urbanistas em deixar à cidade um tratamento especial no que se refere à qualidade e a ocupação das águas e do solo do espaço urbano. Na medida do crescimento industrial

relação entre o homem e a natureza será, cada vez mais, mediado por saberes e equipamentos tecnológicos.

No Brasil, tais intervenções se inseriram nesse contexto de elaboração de planos urbanos

ocupação urbana. A água e a terra sempre foram elementos essenciais na relação do homem com a natureza, a sua localização e utilização, desde as civilizações mais antigas, esteve relacionada ao processo de assentamento humano durante a formação das primeiras cidades. Ao longo do tempo, se construíram diversas formas de apropriação desses recursos naturais por diferentes saberes relacionados ao planejamento urbano. Como aponta André Guillerme (1990), o território longo da história não foi dada como algo natural, mas sempre pensado como um artifício através de seus usos.57

A progressiva mediação tecnológica no cotidiano das pessoas favoreceu, entretanto, a um processo de distanciamento dessa relação entre o homem e a natureza. O legado desse planejamento foi a quase extinção da presença das águas de superfície urbana, além de uma ocupação irrestrita e mercadológica do solo não só das cidades, mas de territórios imensos. A criação de uma gama de artefatos diminuiu muito a percepção humana destes bens - terra e água - como recursos naturais 57 GUILLERME, André. Les temps de l´eau. La cité, l’eau et les techniques. Mâcon:Champ Vallon. 1990.