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A dor nos faculta a energia divina, que esquecemos de acumular pelas virtudes. A dor é verdadeiramente um anjo, mas que nos aparece vestido de capa negra. Ela é a dinamite que esmigalha as pedras, para serem mais úteis à comunidade; é o recurso do progresso, quando alguém esmorece no avançar.

Mas, quem gosta da dor? Ninguém, a não ser o grande místico, que retira dela a força que educa os seus meios de trabalhar pela coletividade. Quem não gosta de ter ao lado, nos afazeres da vida, um instrutor? Pois ela, a dor, representa um guia seguro, desde quando percebemos a sua lição no silêncio que lhe é peculiar. Tirar a dor da humanidade, de uma vez, é deixá-la sem proteção espiritual.

A dor se manifesta em variadas modalidades, em todos os reinos da natureza. A pedra sofre reações interatômicas ao ser desprendida do agregado que lhe serve de ninho. O vegetal se contorce nas suas fibras mais íntimas, ao ser arrancado ou decepado pelas mãos que o progresso toma como instrumento. O animal geme e é tomado de pavor, diante dos que o perseguem e requerem seu concurso como alimentação. E o homem lamenta, chora e, por vezes, se revolta, quando a dor bate em sua porta, levando uma mensagem de renovação dos sentimentos.

Deus, como benfeitor universal, enviou os recursos para todos os reinos da vida, pelas mãos luminosas do Cristo: o Evangelho, que se vivido pelas criaturas, refletirá sua luz em toda criação. Quando o discípulo está pronto, aparece o mestre interno, em forma de conscientização da vida espiritual, e aí começamos a encontrar nos preceitos de Jesus, as leis que regulam a vida, dando harmonia a todos. Por enquanto, todos nós tratamos dos efeitos dos distúrbios mentais e físicos e nos esquecemos das causas que os geraram no turbilhão do tempo.

Mesmo que a dor venha como processo de evolução, se aprendermos a andar com ela, ouvindo os seus ensinamentos do fundo da consciência, ela se toma amiga, e quase não sentimos a sua disciplina, pela facilidade de aprendizado. O amor é o princípio e o meio que proporciona maior possibilidade de enfrentarmos os sofrimentos e vencê- los. O dever cumprido nos modela o ser para que possamos dar os primeiros passos no reino da felicidade.

Muitos encarnados que sofrem e aos quais os meios humanos não garantem a saúde, se desesperam e pensam em por termo à vida física. Alguns o fazem, como se isso fosse o caminho para a liberdade. Como se engana essa gente! A dor, meus irmãos, alcança muitas dimensões da vida, atingindo até os Espíritos do bem, buscando-os na intimidade dos seus centros emotivos, para que o amor frutifique em seu coração espiritual com exuberância.

Também o sexo nos acompanha, sem que o túmulo sirva de barreira para a sua expansão. Ele passa a agir em outra faixa de sentimentos, mas, ainda é a força poderosa que move mundos e sóis, homens, Espíritos e coisas.

O sofrimento da coletividade tem a sagrada missão de despertar todos os seres que não escutaram os apelos do amor, nem o convite da caridade. Agora, o cerco apertou. Antes, a dor falava por parábolas de difícil entendimento; entretanto, com a chegada dos tempos, ela vai falar abertamente todas as verdades que a nossa evolução comportar, dia e noite, noite e dia, porque o Senhor nos chama pela voz do progresso.

Nós afirmamos que nos umbrais que pertencem à Terra, os sofrimentos são maiores, bem maiores do que juntando todos os sofrimentos da matéria e multiplicando- os centenas de vezes, por serem, essas regiões, o mundo da realidade. O que pensamos e vivemos é o que somos. A carne constitui uma proteção, como esponja, aliviando a mente e abrandando os impulsos inferiores. Uma reencarnação é bênção de Deus, não se deve esquecer esta verdade.

Estamos falando da necessidade da dor e, se tivéssemos espaço suficiente, poderíamos discorrer muito mais sobre ela, que tantos benefícios traz para a humanidade. Se não fosse o aviso desse anjo mensageiro, como poderíamos cuidar da saúde? Quando as colmeias celulares começam a desagregar-se em determinado órgão do corpo físico, a dor se manifesta como aviso inteligente, para que cuidemos de colocar em ordem o reino das pequenas vidas. A dor é, por assim dizer, um socorro, é a mais hábil vigilante do agregado fisiológico. Ela grita pela renovação dos tecidos, e até mesmo o inconsciente a socorre, enviando os seus recursos em forma de sugestões para o consciente, ou a comanda diretamente, por processos que escapam ao raciocínio humano. Inúmeras vezes, dentre os seres carnais, criaturas adoecem e se curam, sem que tomem remédios para isso. O organismo tem esta grande capacidade de autorrenovar-se pelos processos da respiração, da água e da alimentação, no comando de agentes secretos altamente dotados de renovação orgânica. São, por enquanto, segredos da fisiologia muito ligada às sensibilidades espirituais.

A mente, seja consciente ou inconsciente, é um segredo da vida, no seio das vidas que se agregam em torno dela. Se queres fazer uma experiência, podes começar hoje mesmo, caso estejas necessitado. Conversa com o teu corpo mormente com as partes assomadas pela enfermidade. As células são altamente obedientes ao comando central, bem como a outras divisões, uma das quais é o inconsciente. Os dois, em trabalho, proporcionarão milagres ao mundo físico.

É bom que se compreenda que não estamos aqui incentivando as pessoas a procurarem a dor, nem tampouco a miséria humana. Nós estamos estudando e proporcionando ensejo aos homens de boa vontade, para que juntos possamos compreender melhor as leis naturais, que sustentam toda a criação, porque elas, descobertas e respeitadas, são um indício de que já pisamos no caminho da felicidade. A dor se manifesta no mundo onde existe a ignorância, e a coletividade paga por essa ignorância em conjunto.

Estávamos em um grande salão, denominado Salão da Música, onde refazíamos as forças e buscávamos a inspiração, para que os trabalhos se harmonizassem e a alegria permanecesse nos nossos corações, como forca divina ao encontro das necessidades humanas.

As notas ali, vibravam na atmosfera espiritual em uma dimensão agradável. Existem melodias para todas as situações, na nossa esfera: música para nos dar coragem, que nos imanta de alegria pura, para o amor universal, para o perdão sem condições, para a paz, enfim para todas as necessidades. Porém, isso não significa que recolhemos virtudes ao ouvir músicas; não é bem isso que queremos dizer, mas que elas abrem em nós um campo favorável para aquisição das qualidades em referência. A música é como o sol, que despeja em toda a humanidade os seus raios ricos em vida e, no entanto, pode provocar a morte, se a razão esquecer as leis que regulam o equilíbrio, ou se a própria natureza deixar de filtrar os seus benéficos filamentos luminosos. Tudo requer inteligência e discernimento do beneficiado.

*

Projetamo-nos no espaço imensurável, em busca de novos trabalhos que Vontade Divina nos mostrasse, pelos meios de que dispõe. Renovados pelos momentos no Salão da Música, todos vibrávamos na mesma frequência de suavidade mental. A mente satisfeita atrai, por lei, o móvel da sua satisfação. A natureza está cheia de preciosidades, dependendo de quem aprendeu a encontrá-las. Tudo se encontra ao toque das nossas mãos; entretanto, para quem não sabe, a felicidade se recolhe em distâncias indizíveis. A música que agora ouvíamos era como que uma oração da mais alta harmonia; era uma verdadeira glória para quem tivesse ouvidos de ouvir, e Miramez nos ensinando sempre:

— Quando estamos irradiando um bem-estar como o que desfrutamos agora, é nosso dever primordial reparti-lo com a humanidade, com todos os que sofrem em todas as dimensões da vida, e isso o fazemos pelos nossos sentimentos de Amor. O amor visita, pelo impulso do coração, todo o universo, pelo processo da vontade. Aqui no mundo espiritual, pelo menos onde estamos, o trabalho com amor é o próprio céu em nós, acumulando energia superior em nossos corações.

Descemos em uma região de Minas Gerais, em pequeno município cultivado, onde a lavoura e a pecuária nos davam, ao chegar, uma visão encantadora, sob o clarão da pálida luz da lua. Manadas de gado bovino se dividiam aqui e ali nas pastagens, remoendo o alimento natural que a natureza lhes facultava. O sereno parecia, na atmosfera, um vaporizador em função permanente. Não sei por que nos abeiramos de uma das manadas e sentimos de imediato aquele calor agradável dos animais, envolvidos em seu magnetismo. O bafo do gado me fez lembrar a velha França, nos meus tempos de jovem.

Admirando os animais, pelas suas posturas e por tudo o que fazem pelos homens, por vezes sem retribuições, Miramez lembrou-se, com emoção, de Nosso Senhor ao chegar ao mundo entre os animais. Francisco de Assis, igualmente, nasceu em um estábulo, por ter inspirado a sua mãe e a sua ama para tal. Nós, ali em torno dos

animais, cantávamos de alegria. Daí a instantes, aproximou-se de nós, como sendo velhos amigos de Miramez, Kahena e Padre Galeno, um grupo de Espíritos que nos abraçaram fraternalmente, colocando-nos à vontade naquela área onde trabalhavam. Senti a mente inquieta para saber. Aproximei-me de Miramez, interrogando baixinho:

— Quem são eles? Parece que eles são donos daqui! O nosso guia espiritual sorriu e esclareceu:

— Não, Lancellin! Eles são, igualmente, trabalhadores do Cristo com nós e a eles foi entregue, pelo Mais Alto, esse município, para que lhe pudessem dar assistência pelos meios possíveis, nos variados campos da natureza. Além deles, existem muitas divisões de assistência, que mais tarde poderás conhecer com mais detalhes. Vê quantos estão ao lado deles, a fim de receberem ordens de trabalho!

Olhei e fiquei admirado ao ver tantos Espíritos trabalharem no silêncio, em benefício da natureza. Os diretores do município, sorrindo para nós, nos disseram com humor:

— Rogamos ao Criador que o trabalho desta noite seja abençoado por Ele e que os nossos irmãos em Cristo sejam confortados pelo tanto que merecem Que a bondade de Jesus modifique os corações endurecidos, nesta área onde trabalhamos em nome da vida!

Virou-se para Miramez com respeito e acrescentou:

— Quando precisar de nós, não reprimas o pedido de ajuda. Miramez, sorrindo, balançou a cabeça, retribuindo com gratidão:

— Sim!... Sim!... A vossa ajuda é imprescindível. Que Deus vos abençoe! Haja o que houver, nas horas de alegria ou de dor, de paz ou de aflição, Kahena está sempre trabalhando. Enquanto estávamos dando atenção aos diretores daquela comunidade rural, ela, Celes e Fernando estavam colhendo o magnetismo animal que se irradiava em torno do rebanho tranquilo, para ser aplicado onde houvesse necessidade. Ali estava um grande suprimento de energia, por isso várias entidades se mantinham em vigilância. Determinados tipos de Espíritos procuram se aproximar dos animais para sugar esse tesouro da natureza e, por vezes, conseguem o seu intento. No entanto, ali estava sendo dobrada a vigilância. O que me intrigou bastante foi ver uma tribo de índios, homenzarrões com mãos grossas que, quando foram chegando com os guias espirituais, montaram nos bois, nas vacas, com todo carinho, alisando-os com as mãos, naquela linguagem peculiar a eles, demonstrando aos animais amizade, com gritos animados e até beijando-os. Olhei para Miramez e solicitei sua opinião.

— Lancellin!. Esses são os recursos de Deus, em favor da criação. Esses índios que vemos não perceberam a nossa presença. A preocupação maior para eles é o dever, e foram adestrados para esse serviço de olhar as manadas contra os vampiros das trevas. Nesse campo eles são terríveis, mas obedientes ao comando.

E rematou:

— São peças da Vida Maior, que amamos muito.

Eu ainda estava com a sede de conhecer e manifestei novamente a minha dúvida Sobre o que Kahena estava fazendo, junto a Ceres e Fernando.

— Miramez... Que tipo de magnetismo é esse, que não pode ser colhido no espaço, ou preparado por mãos hábeis no nosso meio?

O nosso guia espiritual passou os olhos pelo rebanho que nos servia de festa, e disse mansamente:

— Meu filho, em todo lugar do universo a perfeição exige divisões em todos os aprendizados. Podemos buscar tudo isso no grande Suprimento da Vida. Acontece, porém, que o tempo para nós é sobremodo precioso, e o animal é como que um laboratório respeitável, que transforma o hálito divino em magnetismo animal, ou, para melhor entender, o éter cósmico em éter físico dos mais pesados. Isso, com uma rapidez incrível. São nossos colaboradores no terreno da cura, na área em que foram chamados a servir.

Ainda tinha muito a perguntar, todavia, o tempo estava esgotado. Fervia minha cabeça, pensando na maldade que os homens desenvolvem contra os animais.

Partimos para uma fazenda, onde reclamavam a nossa presença. Era casa de engenho dos tempos modernos, porém, com as mesmas características dos antigos engenhos. "Ainda existe a escravidão?" perguntei a mim mesmo, e eu mesmo pude responder-me: "E como existe!... Só que em outra modalidade. A vida transforma tudo, sem que o tudo desapareça, e os Espíritos, neste ínterim, ganham experiências e encontram a Verdade que os liberta definitivamente do Egoísmo".

A casa era grande e em torno dela estendia-se uma varanda, onde se viam várias redes com alguns dos capatazes deitados, conversando uns com os outros, esperando o patrão para darem notícias e receberem ordens.

Nos fundos, serenamente, corria um córrego e nele alguns patos deslizavam bicorando as margens. Os canaviais à vista mostravam um verde encantador. Era uma noite em que os próprios animais se esqueceram de dormir.

As estrelas emitiam luzes que, aos nossos olhos, apresentavam variados matizes. A lua parecia abrir-se ao abraço luminoso do Rei Sol, recebendo ondas de energias, que ela transmutava e despejava como elemento de vida, às vidas que pululam na Terra. Grande espetáculo na cosmografia do espaço!

Aos olhos espirituais, podia-se notar, sob a luz de estrelas cintilantes, anjos descendo do infinito como astros de luz que, ao se aproximarem da nossa casa terrena, dividiam-se em missões diferentes, trazendo a mensagem de Deus e Cristo para todos os departamentos da vida. E o bem confundindo todos os ideais e transformando-os em uma só força: a força do amor e da caridade.

Quando a gente olha para a grandeza da vida, para a obra de Deus, sentimos no coração que desaparecemos, que perdemos a nossa personalidade, parecendo-nos que nada somos. A Via Láctea, como um gigantesco carro cósmico balouçando no ninho universal, carrega consigo mais ou menos 120 bilhões de astros, cantando em harmonia divina, desde o simples átomo ao conjunto esplendoroso do agregado de luzes que nos fascina. Incontáveis galáxias ocupam o espaço infinito, cada uma representando uma nota harmoniosa na sinfonia universal.

Alta madrugada. O patrão entrou riscando as esporas no assoalho sensível de madeira de lei. Acordou os guardas da fazenda, que se puseram à disposição do senhor. Ele, sorrindo para mostrar o zelo pelos seus servidores, ordenou:

— Tragam-me uma bebida! Estou com sede e fome!

morna estava chegando para banhar os seus pés, velho costume desde rapazola. Tinha um ventre volumoso, sempre faminto, e a alegria aflorava nas faces queimadas de sol, quando via a refeição servida. Conversaram muito à mesa e foram dadas ordens mais severas em relação aos trabalhadores que, de sol a sol, enfrentavam tarefas pesadas, para não serem advertidos ou convocados a serviços piores.

Em dois bancos que o tempo marcara com o brilho do uso, estavam descansando duas entidades de porte esquisito, cada uma delas armada, com cartucheiras e facões. Usavam alpargatas de couro cru, chapéus abanados e uma série de bugigangas que a ignorância faz reunir.

Fui em busca de Miramez, e logo ele me explicou:

— Essas entidades foram, quando na carne, donas desta fazenda, e ainda continuam na posição de mandatários, pai e filho. Espíritos terríveis, que nunca se lembraram do próximo, nem da própria família, tinham sempre em primeiro lugar a fazenda, o gado e a lavoura. O egoísmo, na vida deles, era o senhor que a tudo dominava, e o apego às coisas terrenas era de tal intensidade, que se esqueciam de si mesmos. Vê, Lancellin, o estado destes Espíritos! Eis aí a cópia do que foram no passado!

Deixou que eu pensasse um poucos e continuou:

— Esse senhor de engenho que ora descansa diante dos seus capangas, é um anjo, em comparação a esses dois infelizes que desconhecem o verdadeiro estado em que se encontram. Analisa a força do progresso, que ninguém domina, porque é Deus agindo pelo instrumento do tempo!

Meditei e vi que era verdade. Antes que eu perguntasse mais, o querido instrutor, lendo os meus pensamentos, já acrescentava:

— Graças a Deus os futuros donos desta fazenda serão melhores do que esse atual, sem que eles percebam. Dois dos seus filhos já se encontram em São Paulo estudando, e duas moças já formadas viajam para o exterior. Já têm uma nova mentalidade, sem querer expor para a família os seus ideais com relação aos bens materiais e os seus comportamentos diante da humanidade. O mal é, por natureza, transitório, meu filho. Somente o bem avança no tempo e no espaço, como sementes fecundantes de multiplicidade sem fim!

Fiquei olhando para Miramez, em êxtase. Voltei a mim dizendo que ele tinha razão, e essa razão destampou uma alegria intraduzível no meu coração. O nosso guia, na sua simplicidade rematou: Dize assim, Lancellin: Jesus tinha razão!…

Saímos pelos campos, onde a agricultura se estendia sem fim, florescendo na sua majestosa posição. Espíritos de várias naturezas transitavam na lavoura com afazeres múltiplos. Luzes riscavam o espaço, de vários pontos da fazenda. Em muitos casos, eram sinais de entidades para entidades, de quem a telepatia não era conhecida, ou os pensamentos não chegaram a desenvolvê-la.

Kahena estava encantada com o céu; gostava da natureza, e nós outros compartilhávamos com ela o deslumbramento de ver e sentir a vida festejando e se expressando em todos os reinos da Terra. Margeando uma grande lagoa que se encostava ao pé de um penhasco, enfileiravam-se muitas casinhas mal construídas, onde inúmeras famílias moravam, em condição de vida que se aproximava mais dos animais. Homens truculentos se esticavam em esteiras grossas, feitas de folhas de coqueiros,

No documento Iniciação - Viagem Astral - João Nunes Maia (páginas 195-200)