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Dos estudos sobre a histeria à interpretação dos sonhos

No documento MATERNIDADE Experiências traumáticas (páginas 38-42)

3 ESTUDOS SOBRE TRAUMA

3.4 Dos estudos sobre a histeria à interpretação dos sonhos

Para a concepção do conceito de trauma psíquico, Freud se valeu dos estudos com as histéricas através da experiência vivida com Charcot e Breuer no final do século XIX. Ele definia que as cenas traumáticas são de origem sexual e foram vivenciadas na mais tenra infância e que este cenário seria a base etiológica de toda psiconeurose. A fantasia de experiências infantis aparecerá, posteriormente, na puberdade em forma de sintoma histérico. Portanto, as reminiscências do trauma vivido no passado, seriam o substrato para o desenvolvimento da histeria.

Em “Sobre o mec nismo psíquico dos fenômenos histéricos” de 1893, Freud fez uma alusão forte entre os fatores externos e o aparecimento dos ataques histéricos.

Nossas experiências, porém, têm demonstrado que os mais variados sintomas, que são ostensivamente espontâneos e, como se poderia dizer, produtos idiopáticos da histeria, estão tão estritamente relacionados com o trauma desencadeador quanto os fenômenos que acabamos de aludir e que exibem a conexão causal de maneira bem clara. (FREUD, 1893, p. 40).

Porém em outros casos a conexão causal não era tão simples, o que foi denomin do como um rel ção “simbólic ” entre c us precipit nte e o fenômeno patológico. Desde então, Freud e Breuer já levavam em consideração a noção de despreparo psíquico daquele que sofreu o choque traumático. A terapêutica desenvolvida por eles à época, a ab-reação que, consistia na dissociação entre afeto e ideia, não poderia ser completa em alguns casos. Não era possível a liberação total do afeto ligado à ideia desagradável. Na ab-reação essa dissociação era necessária porque a memória do acontecimento traumático causava angústia, na medida em que entrava em conflito com os desejos do sujeito.

Era prevalente, portanto, a essa época, a ideia de que o trauma poderia fixar-se no sujeito como um corpo estr nho “C rt 56” à Fliess, de 1897, descreve esse aspecto quando Freud compara a ideia de corpo estranho (trauma) à teoria medieval sobre possessão demoníaca. Como se o trauma fosse um agente violentador e estrangeiro, que invade o interior do sujeito e desorganiza a sua lógica psíquica. Para Freud e Breuer o trauma psíquico não se resumia a um acontecimento, mas a ocasião em que houve a cisão psíquica com a entrada de um corpo estranho no psiquismo. A técnica psicanalítica ainda estava em busca do agente causador do trauma e consequentemente dos sintomas histéricos. No texto “ etiologi d histeri ” (1896a), Freud revela a sua incansável busca pela cena traumática inicial que cada vez mais vai se tornando difícil de definir, quando a suposta cena descoberta não apresenta o que chama de adequação determinante além de força traumática suficiente para o surgimento de ataques histéricos. Essas cenas estariam encobrindo outras anteriores que teriam mais apelo traumático e estariam como se fossem cadeias associativas formando elos que se ligam de forma complexa até chegar à sua origem real.

As cenas traumáticas não formam uma corrente simples, como um fio de pérolas, mas antes se ramificam e se interligam como árvores genealógicas, de modo que a cada nova experiência, duas ou mais experiências anteriores entram em operação como lembranças. (FREUD, 1896, p. 194).

Nesse momento o pai da psicanálise afirmava que o trauma era de origem sexual precoce e mais ainda, surgia depois da sedução imposta pelo adulto na criança. Gradativamente, essa concepção vai cedendo lugar à noção de conflito psíquico. O núcleo patógeno derivado desse conflito psíquico poderia não ser encontrado e extirpado. Este deveria ser elaborado pelo processo terapêutico, por via da tomada de consciência do material traumático. Isso levou Freud a desenvolver posteriormente a teoria do recalque, na medida em que, esse material psíquico traumático deveria ser relacionado às representações inconscientes.

Conforme já mencionado, Freud defendia uma noção particular de temporalidade, ou seja, a posteriori (Nachträglich), em que a memória da sedução não se mostrava traumática durante o acontecimento, mas sim após a puberdade. Já era entendida uma ação retroativa do presente sobre o passado distante. A proposta da sedução real foi posteriormente abandonada, quando surgiu a concepção da fantasia infantil e da realidade psíquica, porém a ideia da temporalidade permaneceu todo o tempo ao longo da teorização psicanalítica. Ana Maria Rudge explica melhor o a posteriori quando diz que os sintomas são produções que se dão na interseção entre presente e passado, como cristalizações pontuais em que as experiências recentes e infantis se encontram a partir de alguma analogia ou ponte (RUDGE, 2004, p. 22). Também nesse sentido, fica clara a relação com o traço mnêmico, que, inscrito numa representação pode ser argumento para as lembranças encobridoras pertencentes ao período de amnésia infantil (período de latência).

Fracassada a teoria da sedução, mas percebendo a importância do tema sexual na fala de seus pacientes envolvendo seus pais, Freud concluiu que isso se devia às fantasias expressas pelos desejos do sujeito. E ainda, o efeito a posteriori é uma determinação retroativa do presente sobre o passado, modulando o aparecimento dos sintomas.

Com “ interpret ção dos sonhos”, em 1900, Freud retoma os escritos do “Projeto” p r explic r melhor o sonho como um tr b lho de re liz ção de desejo, que lhe facilitou teorizar o conceito metapsicológico do recalque. Em 1895, ele dizia

que o aparelho psíquico funcionava segundo o processo primário e o processo secundário. No primeiro, existe um livre fluxo de Q que se liga às imagens mnêmicas, que investidas num objeto desagradável, provocará a liberação de desprazer devido à conexão entre essa imagem e uma experiência de dor. Para evitar o desprazer e fugir da dor, o aparelho impede que o fluxo de excitação se ligue nas imagens mnêmicas, o chamado processo secundário. O que se inaugura no texto de 1900 é o trabalho com a noção de ideias investidas, e não com neurônios investidos, ampliando a teoria do funcionamento psíquico. Nesse sentido, a ideia apresentada não dispõe de qualidade suficiente para despertar a consciência e, portanto, para atrair um novo investimento (FREUD, 1900, p. 600). Todo esse processo ocorre abaixo do nível da consciência não conseguindo um sobreinvestimento na ideia e afastando a sensação dolorosa e desprazerosa, que Freud definiu como rejeição normal e sem esforço da recordação conceituando, consequentemente, o recalque.

Em relação ao processo primário, vale ressaltar que essa denominação se refere ao momento primitivo que o desprazer é desencadeado, nos primórdios da vida psíquica. Essa função primária corresponde à maneira mais ampla de funcionamento do aparato psíquico, ou seja, a libertação de toda a excitação pelo princípio da inércia. Já o processo secundário segue o princípio da constância quando, no curso da vida posterior, o aparato implanta o recalque, ocorrido em função de um excesso de energia pulsional inassimilável pelo indivíduo, sendo este constituído pelo material psíquico traumático investido de representações inconscientes que se afastam da consciência aliviando a tensão no aparelho psíquico. Citando novamente a Carta 52, seriam os traços que, sob o princípio do prazer sofrerão o recalque, podendo reaparecer posteriormente como retorno do recalcado dentro da esfera representativa (ANTONELLO; GONDAR, 2012; ANTONELLO; HERZOG DE OLIVEIRA, 2012). “O rec lque é pedr ngul r sobre a qual repousa toda a estrutur d Psic nálise” (FREUD, 1914, p. 26).

Em “Estudos sobre histeri ” (1893/1895) observ -se que Freud utiliza o termo “Spaltung” para designar a dissociação da consciência na histeria. Freud explic nesse texto que h veri form ção de um “segund consciênci ” como um abrigo para determinados conteúdos representativos que foram expulsos. O próprio uso da hipnose confirmava a presença dessa cisão do psiquismo, quando se conseguia acesso ao inconsciente. A divisão da consciência resultante de conflitos

entre forças psíquicas contrárias (desejo de um lado e defesa de outro) produz o recalque, sendo, pois, a cisão psíquica e o recalque constitutivo do sujeito. Portanto, o trauma e o consequente recalque, são características mentais estruturantes tornando os eventos traumáticos inerentes ao processo de subjetivação do sujeito. O recalque cinde o psiquismo e inaugura a linha divisória entre os sistemas inconsciente, pré-consciente e consciente, ensejando a primeira tópica freudiana. (MELLO, 2012).

Nov mente cit ndo s m rc s d “C rt 52”, é possível, então, dizer que essas não estariam engajadas na trama de facilitações e, por isso, não sofreriam todo o processo de transcrição, mantendo-se fora do esquema de representação descritas na carta e, funcionando de acordo com o mecanismo de compulsão à repetição. De fato, essa engrenagem que mostra a ruptura com o Princípio do Prazer já nessa época, não será difícil de entender quando Freud a introduz na segunda tópica de 1920. É, portanto, a marca que não conseguindo ser domada, demonstrará uma nova forma de expressão dessa energia irrepresentável pelo aparelho psíquico. A segunda tópica nos leva ao entendimento da existência do não simbolizável que se apresentará como estranho ao eu, sendo impossível de se construir uma narrativa histórica e, que dará sentido a sua própria vivência.

Presenciei muitas mulheres no pós-parto com uma apatia importante. Revelavam uma tristeza e um medo de não conseguir serem boas mães; mães que pudessem dar tudo aquilo que seus filhos precisavam. Uma angustia as afligia como se esperassem pelo pior. Essa quantidade energética não ligada era concebida por Freud, ainda na primeira tópica, como angustia. A libido não ligada poderia apresentar-se livre ou fixar-se a determinadas representações ou sintomas somáticos. A angústia era, então, definida nessa época como a quantidade energética que escapou à ação do recalque.

No documento MATERNIDADE Experiências traumáticas (páginas 38-42)