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O Complexo de Édipo e a sexualidade infantil

No documento MATERNIDADE Experiências traumáticas (páginas 50-57)

4 SOBRE A SEXUALIDADE INFANTIL

4.1 O Complexo de Édipo e a sexualidade infantil

Na carta 71 à Fliess, de 1897, Freud afirma ter descoberto através de si mesmo e de seus pacientes, o fenômeno da paixão pela mãe e do ciúme do pai. Impressionado com a influência que a tragédia grega de Édipo pode realizar em cada sujeito, Freud reconhece o parricídio e o incesto com a mãe como situação universal e estrutural de todo ser humano. Verifiquei, também no meu caso, a paixão pela mãe e o ciúme do pai, e agora considero isso como um evento universal do início da infância, mesmo que não tão precoce como nas crianças que se tornam histéricas.” (FREUD, 1897b, p. 316).

Na mitologia grega, Édipo é filho de Laio e Jocasta, rei e rainha de Tebas. Para evitar que se realiza o oráculo de Apolo, que previra que seria morto pelo filho, Laio entrega Édipo, com os pés transpassados por um prego para que não se movesse (daí o seu nome que significa pés inchados), a um pastor para que o matasse. Ao invés de matá-lo, o pastor o entrega à Pôlibo e à Mérope, rei e rainha de Corinto, que o criaram como filho. Desconfiado da sua origem, Édipo consulta o

oráculo que lhe revela seu destino que seria ele assassinar o seu próprio pai e desposar sua mãe. Horrorizado com essa previsão, Édipo foge. No seu caminho encontra Laio e sem saber de quem se tratava o mata após uma briga. Édipo estava em Tebas e conseguiu decifrar o enigma da aterrorizante Esfinge, que ela propunha sobre a essência do homem. Após esse feito, a Esfinge se mata e Édipo como recompensa desposa de Jocasta, sem saber que era sua mãe. Anos mais tarde, a peste e a fome caem sobre Tebas e o oráculo declara que a crise passará após a expulsão do assassino de Laio da cidade. Édipo pede que todos se manifestem sobre isso e, por fim é informado por um mensageiro de Corinto que, antes de sua morte, Pôlibo confessa a origem de seu filho adotivo. Ao saber da verdade, Jocasta se enforca e Édipo vaza os próprios olhos.

Mas a lenda grega capta uma compulsão que toda pessoa reconhece porque sente sua presença dentro de si mesma. Cada pessoa da plateia foi, um dia, em germe ou na fantasia, exatamente um Édipo como esse, e cada qual recua, horrorizada, diante da realização aqui transposta para a realidade, com toda a carga de recalcamento que separa seu estado infantil do seu estado atual. (FREUD, 1987b, p. 316).

P r Teresinh Cost (2010) Freud no texto “Sobre s teori s sexu is d s cri nç s” de 1908, firm que s teori s sexu is que cri nç el bor , qu ndo se depara com o enigma da vida e da diferenciação sexual, embora falsas, contém um núcleo de verdade correspondente às correntes pulsionais, conferindo as c r cterístic s d sexu lid de inf ntil “ verd de tem estrutur de ficção”, como reafirma Lacan (COSTA, p. 20). No plano do coletivo o mito é uma ferramenta potente para explicar o que não pode ser transmitido. Não há verdade material, mas o mito é uma ferramenta do fenômeno observado. Os mitos podem explicar uma ciênci , cuj verd de não é bsolut Já o termo “complexo” diz respeito o conteúdo psíquico separado do consciente e que tem um funcionamento autônomo no inconsciente, de onde podem exercer influência sobre o consciente (ROUDINESCO; PLON, 1997). O Complexo de Édipo formaliza, então, a verdade histórica da Psicanálise para dar conta cientificamente do complexo de cada um de nós.

O psicanalista Nasio (2007) reafirma a validade do Complexo de Édipo da teoria freudiana, na medida em que reconhece a ligação entre a tragédia de Édipo e as pulsões como formas de analisar a sexualidade. Apoiou-se em Freud, que, além

de ter criado uma metapsicologia, utilizou-se da narrativa do mito para descrever a sexualidade infantil.

Todas as crianças, sejam quais forem suas condições familiares e socioculturais, vivem essa fantasia universal que é o complexo de Édipo. Seja abandonada, órfã ou adotada pela sociedade, nenhuma criança escapa do Édipo! Por quê? Porque nenhuma criança escapa à torrente das pulsões nela desencadeadas entre os três ou quatro anos de idade, e porque nenhum adulto de seu círculo imediato consegue evitar desempenhar o papel de alvo das pulsões e de canal para drená-las. (NASIO, 2007, p. 131).

A verdade edipiana se estrutura para cada um de nós, como um sustentáculo das relações desenvolvidas entre as crianças e os adultos que a circundam. Essa complexa relação foi percebida por Freud, a partir do relato de cenas de sedução que seus pacientes adultos acreditavam ter vivido na infância. É dessa forma que o complexo de Édipo se apresenta; chega na lembrança dos pacientes, por exemplo, um gesto excessivamente carinhoso aplicado pelo adulto que incita a fantasia de sedução, forjando uma recordação de uma situação de sedução. De fato, as pacientes histéricas que chegavam ao consultório de Freud, levaram-no a aplicar a teoria da sedução nesses casos com o embasamento da história de Édipo, o que o levou a entender melhor a complexa interação dentro do triângulo pai-mãe-filho. Portanto, o apoio no mito edipiano ajuda a entender a estrutura do desejo criminoso articulado à sua interdição e cisão do sujeito. Antônio Quinet reflete a respeito da divisão do sujeito na vivência edipiana:

Assim, Édipo fornece a Freud a estrutura do desejo criminoso articulado à sua interdição e ao impossível de ser suportado. Diante do desejo o sujeito se divide: ele o rejeita e o conserva. Divisão entre consciente e inconsciente; entre não querer saber e um saber que não cessa de se escrever. (QUINET, 2015, p. 17).

Para a Psicanálise o amor edipiano é explicado pelo amor da criança pelo progenitor do sexo oposto, em contrapartida a uma rivalidade pelo outro do mesmo sexo. A história de Édipo se encaixa muito bem quando abordamos o psiquismo do menino. O primeiro amor objetal é a mãe que o amamenta e o enche de cuidados, proporcionando o fluxo das pulsões eróticas pelo seu corpo. Ao mesmo tempo, ele deve nutrir um ódio rival pelo pai que o interdita e o proíbe de realizar o seu desejo de amor pela mãe. A estrutura edípica, proposta por Freud, portanto, indica a condição do desejo, que é incitado a partir de um terceiro que entra em cena, sendo

este sempre um ser prejudicado. É a partir da falta e da necessidade que o desejo se apresenta. Na tríade edípica, portanto, existirá sempre um insatisfeito, para que emerja o desejo. É o “Nebenmensch” promovendo a formação do sujeito.

Nos meninos, a situação do complexo de Édipo é o primeiro estádio possível de ser identificado com certeza. É fácil compreender, de vez que nesse estádio a criança retém o mesmo objeto que previamente investiu com sua libido – não ainda um objeto genital – durante o período precedente, enquanto estava sendo amamentada e cuidada. Também o fato de que, nessa situação, encare o pai como um rival perturbador e goste de se ver livre dele e tomar-lhe o lugar, é consequência direta do estado real das coisas. (FREUD, 1925, p. 278).

No texto “O Estr nho” (1919), Freud já h vi rticul do, segundo Quinet, o complexo de Édipo com a castração, quando cita a peça de Sófocles no trecho do autocegamento, o castigo infringido ao herói mítico e o considera o correspondente da angústia de castração. “ ngústi ocul r é o ângulo pelo qu l Freud propõe angústia de castração e a articula com o assassinato do pai [...] O olho por olho é o paradigma da punição feroz da lei e a castração é o resgate do pai morto ” (QUINET, 2015, p. 17).

Podemos retom r, então, os nálogos textos “Totem e T bu” (1913) e “O homem oisés e religião monoteíst : três ens ios” (1937/1939), cujo o assassinato do pai é determinante da emergência da lei como resgate desse pai morto. Essa morte institui a lei simbólica, impossível de ser destruída e está referida na psicanálise como fundadora das leis sociais: a lei da interdição do incesto. O pai interdita o gozo que o sujeito aspira através da relação incestuosa mãe-filho. Portanto, é o pai simbólico que instaura a Lei. No mito do Édipo é o gozo da mãe que está interditado, já no mito do pai da horda a interdição está relacionada ao parricídio. Assim o papel desempenhado pelo totem nas tribos primitivas (ou em qualquer sociedade), ou seja, o pai morto tratado como lei da interdição do incesto, é o mesmo papel desempenhado pelo pai no complexo de Édipo e de castração em cada um de nós.

Freud em “Org niz ção genit l inf ntil”, de 1923, ao desenvolver um pensamento sobre a aproximação da sexualidade da criança e do adulto, mostra que a escolha do objeto não é o ponto em comum, ou seja, a criança não se limita simplesmente a essa escolha. Na verdade, a criança tem um enorme interesse pelos órgãos genitais, o que consequentemente a impulsiona para uma organização

genital infantil sob a primazia do falo. Para ambos os sexos entra em consideração apenas um órgão genital, o pênis. Porém, não como um acidente anatômico, mas como um objeto imaginado pela criança – o falo atribuído aos meninos e às meninas, o falo imaginário. Portanto, a ameaça da perda ou a constatação da sua insignificância promove na criança o sentido da castração. “O signific do, port nto, do complexo de castração só pode ser corretamente apreciado se sua origem na fase da primazia fálica for também levada em consideração ” (FREUD, 1923, p. 159).

Em 1923 a teoria freudiana ainda não era clara sobre a influência do complexo de Édipo e de castração nas meninas, porém já se considerava que a falta do falo é o resultado delas terem sido castradas como punição.

Um no depois, no texto “ dissolução do complexo de Édipo” Freud (1924) afirma que a destruição da fase edípica ocorre pela total falta de sucesso da mesma, ou seja, pela sua impossibilidade interna. É a ameaça de castração que ocasiona a destruição da organização genital fálica da criança. Para o menino, a visualização dos órgãos genitais femininos, e o medo da castração o introduz num conflito entre seu interesse narcísico por essa parte do corpo e o investimento libidinal direcionado para seus pais, sendo, o desfecho desse conflito, fatal para a manutenção do desejo instalado. Para tanto, o investimento nos objetos parentais é abandonado e substituído por identificações. A autoridade dos pais é absorvida no sujeito, formando aí o núcleo para o supereu que assume a severidade do pai, perpetuando a proibição do incesto e defendendo o eu de ser novamente inundado pelo amor libidinal parental. O que ocorre, em outras palavras é o recalque do complexo de Édipo, que persiste no inconsciente, podendo a posteriori manifestar-se de forma patológica.

Nos meninos, o complexo não é simplesmente recalcado; é literalmente feito em pedaços pelo choque da castração ameaçada. Seus investimentos libidinais são abandonados, dessexualizados, e, em parte, sublimados; seus objetos são incorporados ao ego, onde formam o núcleo do superego e fornecem a essa nova estrutura suas qualidades características. Em casos normais, ou melhor, em casos ideais, o complexo de Édipo não existe mais, nem mesmo no inconsciente; o superego se tornou seu herdeiro. (FREUD, 1925a, p. 285).

Para explicar o declínio do complexo de Édipo nas meninas, Freud defendeu a ideia de que para elas haveria uma esperança de desenvolvimento posterior de

um pênis, promovendo em concomitância a inveja do falo e a aceitação da castração como fato consumado.

Em “ lgum s consequênci s psíquic s d distinção n tômic entre os sexos” de 1925, lgum ênf se m ior é d d diferenci ção do complexo de Édipo nas meninas. O menino retém o mesmo objeto, a mãe, que previamente direcionou sua libido desde os momentos mais primitivos relacionados aos cuidados e à amamentação. Encara o pai, nessa fase, como um rival e a destruição desse amor materno é ocasionada pelo temor da castração, pois seu interesse narcísico se volta para o falo. Na menina o objeto original, mãe, tem de ser abandonado para depois iniciar ligação com o pai. Em sua fase fálica, ao perceber a pequenez do seu órgão, cai vítima da inveja do pênis, servindo de base para o seu afastamento da mãe considerada a causadora da sua castração. Instaura-se um sentimento narcísico de humilhação ligado a inveja do pênis.

Nesse texto Freud defende a ideia que a menina, após o reconhecimento da distinção anatômica dos sexos, força-se a um afastamento da masturbação, fato bastante desenvolvido na fase fálica do menino, e dirige-se para um novo desejo: o de ter um filho do pai, como substituto do falo castrado. Toma o pai como objeto de amor e a mãe como objeto de ciúme e rivalidade. Portanto, na menina o complexo de Édipo é uma formação secundária, pois o complexo de castração o precede e a prepara para o seu início. Também, era notório para Freud, que a menina permanecia um longo tempo ligada ao primeiro objeto original, a mãe, e que essa ligação libidinosa seria tanto mais intensa quanto o que demonstraria, após a entrada do complexo de Édipo, a aproximação com o pai. Dessa forma, a fase pré-edipiana nas mulheres obtém uma maior importância como acolhedora de fixações e recalques responsáveis pela origem das neuroses.

Já no texto “Sexu lid de feminin ” de 1931, observamos que nas meninas a atividade sexual deve ocorrer em duas fases: uma em relação ao clitóris, caracterizando uma regulação de caráter masculino, de atividade masturbatória, seguida de outra fase de característica feminina, caracteristicamente passiva. Freud ainda incluiria na teoria, complicando ainda mais o entendimento da feminilidade, o fato de que muitas mulheres continuariam com uma marca viril, ou seja, o clitóris permanecendo ativo na vida sexual feminina adulta. Para o alcance da feminilidade, então, a menina necessita percorrer caminhos diversos da trajetória dos meninos. Em primeiro lugar, a menina precisa abandonar seu primeiro objeto de amor, a mãe,

para que se encaminhe para a heterossexualidade. Também, é necessário que ela abandone a excitabilidade do clitóris e passe a perceber a vagina, dessa forma, abandonaria os fins sexuais ativos e passaria a suas funções ativas em fins sexuais passivos. A inveja do pênis perpetrada na menina, indica para ela algumas soluções possíveis. Uma delas, a renúncia, implica a neurose ou inibição sexual. A mãe é a culpada por não ter dado o falo a ela e a menina abandona a masturbação. Quinet (2015) ressalta o paralelo dessa insatisfação fálica com o desejo da histérica, que ao querer que se lhe recusem o que deseja, mantém seu desejo de falo insatisfeito. Quando não há renúncia da atividade masturbatória, a menina desliza para uma solução da masculinidade ou para a feminilidade. Para o complexo de masculinidade, a menina não reconhece a castração original, apega-se à atividade clitoridiana de forma intensa e desafiadora. Essa forma de atividade se constitui pela identificação com a mãe fálica ou com o pai castrador. A saída para a feminilidade implica numa forma passiva e não mais ativa e isso se estabelece, segundo Freud, se o desejo do pênis for substituído pelo desejo de um bebê com o pai. A posição feminina é, portanto, equivalente à posição de mãe. O desejo de um pênis se confunde com o desejo de ser mãe, e esse desejo é eminentemente feminino. A menina escolhe seu objeto em conformidade com o ideal narcísico, ou seja, que gostaria de ter-se tornado, e se identifica com a mãe.

A ideia de que o complexo de Édipo poderia se posicionar de forma positiva ou invertida, caracterizando a princípio a heterossexualidade e a homossexualidade, gradativamente se transforma, à medida em que Freud, percebendo a bissexualidade da criança, afirma que o menino também pode desejar tomar o lugar da mãe e desejar o amor de seu pai. Portanto, o menino apresenta uma atitude de ternura direcionada ao pai e a correspondente atitude ciumenta e hostil em relação à mãe. A menina, também, pode mostrar-se ciumenta e hostil em relação ao pai, disputando seu amor pela mãe. Conclui-se que há uma ambivalência das identificações e rivalidades que são corroboradas pela tendência bissexual de todo sujeito em formação. A. Quinet (2015) propõe o termo bissexualidade ideal, ao ponto no qual o indivíduo se posiciona em relação a sua ambivalência libidinal direcionada para o sexo oposto e para o sexo semelhante. O indivíduo pode apresentar traços ou vestígios femininos e ser um homem ou vice-versa, que seriam traços advindos de sua tendência homossexual como resquícios do complexo de Édipo. Seriam, por

fim, quatro disposições contidas no sujeito: desejar e odiar a mãe, assim como, desejar e odiar o pai.

No documento MATERNIDADE Experiências traumáticas (páginas 50-57)