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Lacan e o Complexo de Édipo

No documento MATERNIDADE Experiências traumáticas (páginas 57-62)

4 SOBRE A SEXUALIDADE INFANTIL

4.2 Lacan e o Complexo de Édipo

Depois de Freud, muitos autores desviaram os postulados originais da teoria psicanalítica, investindo unicamente na relação mãe-filho a gênese do psiquismo e suas consequências patológicas. Lacan, entretanto, reincluiu, de forma definitiva, na subjetividade do bebê as respostas que ele poderá dar as demandas do Outro, dentro da tríade mãe, pai e filho.

Considerando a história de Moisés também como um mito, e reunindo com o mito do pai da horda, Lacan situou-os como sustentáculos de toda a teoria psicanalítica, sendo o ponto em comum dessas histórias, a presença do pai, do assassinato do mesmo e a lei instituída a partir desse acontecimento. Dessa forma, fundam a lei social, e estão em sinergia com a tragédia de Édipo que aborda a inscrição da castração e da lei simbólica no psiquismo de cada indivíduo.

Não passa de um artifício invocar, nessa ocasião, um legado amnésico hereditário, não só porque este é em si discutível, mas porque deixa intacto o problema: qual o vínculo entre o assassinato do pai e o pacto da lei primordial, se nele está implícito que a castração consiste na punição pelo incesto? (LACAN, 1959, p. 693). Teresinha Costa afirma que para Lacan o mito é uma forma de semidizer a verd de “Os mitos se referem rel ção do homem com os enigm s de sua existência, que são em suma, as questões sobre a vida, a morte, o nascimento, o sexo” (COSTA, 2010, p. 19).

Porém, uma das maiores contribuições de Lacan para a teoria edipiana foi inserção da noção do inconsciente como um campo da linguagem. Em meio a várias discordâncias em relação aos caminhos que a Psicanálise pós freudiana estaria seguindo, introduz o valor do simbólico, sua força e importância na constituição do sujeito Isto foi muito bem explicit do no texto “Função e c mpo d f l e d lingu gem” de 1953, m is comumente conhecido como “O discurso de Rom ”, que foi proferido em meio à crise da Sociedade Psicanalítica de Paris, culminando definitivamente com uma secessão e consequente fundação da Sociedade Francesa de Psicanálise (SALES, 2004). Nesse discurso Lacan se dedica ao retorno à Freud,

acrescentando novas ferramentas vindas da Filosofia, Antropologia e Linguística. Em aproximação ao estruturalismo faz uma reflexão sobre a clínica psicanalítica apresentada por Freud destacando o papel da linguagem. “O homem f l , pois, m s porque o símbolo o fez homem ” (L C N, 1953, p 278).

Em todo o texto, Lacan enfatiza que o inconsciente está submetido à linguagem, levando em consideração a linguística de Saussure e o que se tinha em vista dos conceitos da antropologia de Lévi-Strauss da época. Com isso pretendia denunciar o que considerava uma desordem na Psicanálise.

Mas, parece-nos que esses termos só podem esclarecer-se ao estabelecermos sua equivalência com a linguagem atual da antropologia ou com os mais recentes problemas da filosofia, onde, muitas vezes a psicanálise só tem a se beneficiar. (LACAN, 1953, p. 241).

No uso da linguagem como ferramenta da Psicanálise, Lacan dá ênfase a metáfora e a metonímia. Com a metáfora paterna institui o Nome-do-Pai como significante da lei que se confirma como o pai totêmico morto. Com a metonímia do desejo ele reordena a teoria da técnica analítica, dando poder unicamente à palavra (QUINET, 2015).

O Nome-do-Pai adquire relevante importância, pois, como um significante fundamental, permite identificar as posições feminina e masculina estruturando o inconsciente pela linguagem. A metáfora paterna é, pois, uma operação significante que corresponde ao complexo de édipo freudiano, situando-o sob uma perspectiva evolucionista e atemporal. Um outro significante introduzido nessa cadeia será o Desejo da Mãe que se desdobra em desejo por ela e um desejo dela. Num primeiro tempo lógico o bebê se depara com o desejo da mãe em sua alienação a ela. É o “che vuoi” ou o “que queres de mim”, que a mãe suscita no filho como uma incógnita que ele precisa decifrar. Num segundo momento instaura-se o desejo da mulher propriamente que aponta para outro significante, qual seja, o Nome-do-Pai que será metaforizado por algo, considerando este como uma função. A incógnita a ser desvelada terá, então, o seu significado como valor fálico, porém, dessa vez como um significante simbólico produto da operação da metáfora paterna. Portanto, distingue-se do falo imaginário freudiano por não estar relacionado com a inveja/desejo de pênis (Penisneid).

Uma outra contribuição de Lacan extremamente importante para a teoria, é o conceito de gozo. Com base na brincadeira da criança diante da ausência da mãe, o Fort-Da, citado por Freud em 1920, jogo que fundamenta a criança como um ser inserido na linguagem, capaz de simbolizar situações de prazer e não prazer, Lacan, mostra que a criança vivencia uma situação de desprazer, mas tem prazer ao mesmo tempo, o gozo. Ao representar o seu sofrimento, o sujeito infantil tem o controle da situação, é um sujeito da ação, portanto sujeito do gozo. Lembramos que esse mesmo gozo, Freud observou nos expectadores das tragédias, e no caso de Sófocles, com o édipo de cada um.

Lacan considera que a linguagem preexiste ao sujeito. O ser humano é um ser da linguagem, sem ela não seria humano, portanto, há um discurso que precede esse ser. E, além disso, esse ser falante, esse sujeito do inconsciente nasce na dependência de um outro, nasce no campo de um grande Outro.

Os símbolos efetivamente envolvem a vida do homem numa rede tão total que conjugam antes que ele venha ao mundo, aqueles que irão gerá-lo em carne e osso; trazem em seu nascimento, com os dons dos astros, senão com os dons das fadas, o traçado de seu destino; fornecem as palavras que farão dele um fiel ou um renegado, a lei dos atos que o seguirão até ali onde ele ainda não está e para além de sua própria morte; e, através deles, seu fim encontra sentido no juízo final, onde o verbo absolve seu ser ou o condena – a menos que ele atinja a realização subjetiva do ser-para-a-morte ” (LACAN, 1953, p. 280).

constituição do sujeito p ss , pois, pel f l , “l língu ” do bebê, tr vés da linguagem. O sujeito não existe sozinho, necessita de um outro. A mãe seria o primeiro ser a encarnar esse outro. A criança se aliena a mãe ou seus substitutos, para mais tarde se separar e destituí-la desse lugar poderoso. Nesse processo de alienação e separação, incide a lei do pai que freia esse poder absoluto do outro materno e impede que a criança permaneça para sempre como objeto da mãe.

Seguindo Freud, Lacan reforça que o pai é uma entidade simbólica que ordena uma função, que possibilita o sujeito se posicionar sexualmente. A força da lingu gem no uso d metáfor conceitu o “Nome-do-P i”, pois não diz respeito à pessoa, mas sim a importância que a mãe dá à sua autoridade. Isso confirma a sua função signific nte O “Nome-do-P i” diz “não” o filho pel interdição do incesto e, o nomeia introduzindo-o n série de ger ções Ele diz “não” mãe e “não” o filho pelo desejo de um pelo outro. São pelos efeitos da presença do inconsciente do

signific nte “Nome-do-P i”, que, ele intervém no complexo de Édipo tr zendo su norma fálica. O pai é, portanto, o pai do desejo da mãe. Mas para que o complexo de castração seja vivido pelo sujeito, é preciso que o pai real assuma sua função de c str dor, c so contrário esse p i “não represent Lei, pen s presentific ” (COSTA, 2010, p. 56).

L c n no “O Seminário, livro 5: Sobre s form ções do inconsciente” (1957), confirmou a teoria sobre o complexo de Édipo através de três tempos lógicos. Nesse esquem , demonstr do por Quinet em seu livro “‟Édipo o pé d letr ”, de 2015, entendemos que no primeiro tempo de Édipo, L c n di log com o “ser ou não ser o f lo”; cri nç lien d à mãe, pertence a ela e quer se constituir, ela mesma, como falo materno. Sua existência depende não só dos cuidados maternos, mas, essencialmente, de que ela ocupe um lugar no desejo do Outro que a acolhe. A relação, na verdade é triangular: criança-mãe-falo. Lacan estabelece, portanto, que o f lo é o objeto de desejo d mãe Freud já h vi postul do idei de “f lo=bebê”, e esse falo em questão, é o mesmo da história da infância dessa mulher. É o seu Édipo que ressurge, à medida que seu filho vem substituir o falo que não recebeu da sua própria mãe e que foi buscar no seu pai. É a falta que (re)surge para a mãe sendo “ m ns d ” pelo bebê que se converte em f lo P r L c n, o f lo represent para ambos, mãe e filho, a falta que cabe a cada um, não constituindo um todo, nem a mãe e nem a criança. Nesse primeiro tempo edipiano, a criança está à mercê dos caprichos do outro materno. Está em pleno domínio do ser, como objeto fálico desejado pela mãe. A criança busca ser o objeto que satisfaz a mãe e, sendo esse um objeto imaginário, a identificação fálica nesse período é também estritamente imaginária. Corresponde nesse momento a formação narcísica do eu por intermédio d im gem do semelh nte, o ch m do “estádio do espelho”, que será melhor descrito posteriormente.

Lacan postula ainda que a partir da falta, o desejo se instala, sendo esse um momento igualmente determinante, pois, o falo adquire sentido no desejo do Outro. Para isso é necessária a chegada do pai como representante do lugar onde o falo se instala como significante do seu desejo. É a substituição de um significante por outro significante. Em outras palavras, é a substituição do Desejo da Mãe pelo Nome-do-Pai, a metáfora paterna, onde o Desejo da Mãe é barrado e, como resultado dessa operação, temos a inclusão do Nome-do-Pai, como significante da Lei no Outro e da significação fálica, inscrevendo a castração. Portanto, ao mesmo tempo a mãe se

submete a palavra do pai, a criança está introduzida na lógica fálica compondo, de fato, a metáfora paterna. Se o pai não desempenha um papel real no triângulo mãe-criança-falo imaginário, a criança permanece ligada ao desejo do falo imaginário.

O segundo tempo de Édipo, o “ter ou não ter o f lo”, se c r cteriz pel efetiva ação do pai que barra o desejo do binômio mãe-bebê. Ele interdita a criança à sua mãe e impede a mãe de considerar o bebê como objeto de seu gozo. Para a criança o pai entra com a lei da proibição do incesto. E, para a mãe, ele a priva do desejo de seu bebê, mostrando a ela que ele não é mais seu produto, não sendo possível reintegrá-lo. Nesse tempo a criança não será mais o falo, assim como também, não o terá, conforme sua mãe. É a imposição do complexo de castração. A mãe “bo ” deverá lev r em cont p l vr do p i no sentido de reconhecer su lei. Essa palavra também inaugura o efeito da linguagem no psiquismo do bebê, na medida em que a linguagem faz uma mediação na relação com a mãe. É o que Freud mostra, como dito anteriormente, na brincadeira do Fort-Da, onde o processo de simbolização se inaugura através da linguagem. Então, a Lei introduz a linguagem como simbólica tanto para a mãe quanto para o bebê.

O terceiro tempo de Édipo, o “ter ou não ter o dom”, corresponde à dissolução do complexo de Édipo de Freud. O pai agora é o detentor do falo, o objeto de desejo da mãe. É a simbolização da Lei, representada pela função paterna. A criança reconhece a castração dada pelo pai, tornando-o potente. Ele tem o falo e este tem valor de dom. A partir de agora entram em jogo as identificações tanto para o menino quanto para a menina. Para ele, ao renunciar ao falo da mãe, identifica-se com o pai por este deter o falo/dom. Para ela, a identificação é voltada para a mãe, aquela que não tem, mas sabe onde deve buscá-lo.

Constatamos, então, que a função paterna preserva a criança de ser tudo para mãe, sendo essa dividida entre mãe e mulher. A não-toda-fálica é a mulher dividida entre ser toda para seu filho e também desejar. A criança não pode ser tudo para a mãe, assim como a mãe deve também desejar outros além do filho. A maternidade coloca em jogo para a mulher seu desejo que, não conseguindo responder totalmente a seu filho, mostra a falta como um limite para a mãe que acaba de se formar. Do contrário, a criança poderá ocupar o lugar de sintoma da mãe, como objeto de gozo desta, e não no lugar de sujeito. “Não consigo parar de me preocupar com meu filho; retorno ao berço inúmeras vezes para ver se ele respira. Mas quando ele acorda o inferno se instala e ele me suga até não mais

aguentar. É desgastante demais [...].” (Relato de uma mãe no primeiro mês pós-parto).

No documento MATERNIDADE Experiências traumáticas (páginas 57-62)