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Droga e meio sócio-cultural

Temos de ter em conta que, na maior parte dos casos, no evoluir toxicómano, a adolescência apresenta-se como o período de vida em que os sujeitos iniciam o contacto com as drogas. Logo o grupo tem um papel determinante, uma vez que grande parte das identificações juvenis se fazem no e com o grupo. Até a simples procura da droga, é de forma geral feita em conformidade com um ou mais elementos

de um grupo. Sem dúvida que a introdução no mundo da droga, depende da iniciação através de um amigo, habitualmente um consumidor experiente, sendo por isso um acontecimento social. Sendo assim, o grupo tem um papel importante, pois não só pode fornecer a droga, como modelos para formas de comportamentos, hábitos e até uma linguagem nova, ao ponto de ser possível falarmos de novas culturas ou sub- culturas. A sub-cultura fornecida por um grupo, permite ao sujeito iniciar uma carreira desviante sem que o estigma social seja sentido por si, uma vez que no seio do grupo todos se assemelham neste código desviante. Esta sub-cultura organiza novos objectivos de vida que se adaptam à conformidade do grupo e promovem um importante papel de denegação. (Morel et al., 1998)

O poder do grupo e a facilidade de entrar em conformidade a este pode surgir devido a uma inadequada ou contraditória socialização, ligada a factores prévios de desorganização familiar e social. Então, se o indivíduo está particularmente fragilizado devido à perda de afecto familiar, por exemplo, tem mais facilidade em assumir a identidade toxicómana. O grupo fornece o que falta, o papel de um atributo social que promoverá comportamentos delinquentes. Pertencer ao grupo é pertencer a algo, a uma sub-cultura que lhe transmite a sensação de ter adquirido um Ideal do Eu, o grupo funciona como um modelo e reforço social, inovador e até fornecedor de prestígio. (Rosado, 1994)

Apesar de ser universal que todas as classes sociais são atingidas pelo fenómeno da droga, certos estudos apontam para uma particular incidência de toxicomania nas classes sociais mais desfavorecidas. Muitas vezes associados à degradação social, e familiar, e até alterações psicopatológicas. Alguns autores relacionam esta incidência com a existência de uma consciência intensa de pobreza social, nas classes mais baixas, a partir da qual a droga funcionaria como uma defesa contra o fosso existente, perante a fantasia e a realidade ambiental. (Costa, & Melo, 1994)

Por outro lado, as forças sociais, no seu conjunto, podem actuar sobre o indivíduo ou grupo, de uma forma facilitadora da erupção de comportamentos caracterizados pelo abuso de drogas. São exemplos os fenómenos ideológicos podemos enquadrar aqui o exemplo dos famosos anos 60. Onde o próprio consumo de substâncias significava a transição entre os valores formais e a exaltação de novos valores. Certas sub-culturas valorizam e estimulam o consumo de substâncias, como é

exemplo o caso de consumos pela satisfação de uma exploração cognitiva, relacionada até com formas de aspiração académica. (Agra, 1994)

Lazarus (1977) constatou, nos seus estudos que a proveniência social baixa é mais elevada entre toxicómanos de opiáceos, do que nos consumidores de outras drogas. Por outro lado, fenómenos de emigração, que por vezes condicionam o sujeito a grupos minoritários e desfavorecidos, associados a sentimentos de solidão, indiferença afectiva, insegurança, desvalorização, desilusão, promovem uma confluência de sentimentos negativos e baixa auto-estima, que podem aproximar o sujeito de comportamentos toxifílicos.

É ponto assente que o grupo joga um papel importante na entrada no mundo dos consumos, assim como a existência de drogas no mercado. Contudo estes factores não explicam por si só a totalidade do fenómeno. De toda esta revisão bibliográfica ficou-nos a ideia, que apesar destes serem factores importantes, o papel relacional com as figuras parentais assume um papel determinante, até porque é a falta de recursos a este nível que possibilita ao indivíduo estar mais susceptível ou não a aderir ao grupo. Queremos com isto dizer que, em parte, o grupo vem ocupar o lugar deixado pela abdicação ou insuficiência dos pais em suprir as necessidades identificatórias juvenis. Há uma relação directa de proporcionalidade entre a distorção do anel familiar e a vulnerabilidade do jovem ao uso abusivo de substâncias tóxicas. Quando esta distorção ocorre no campo do real, seja por morte ou ausência física de um dos pais, esta relação de proporcionalidade parece aumentar consideravelmente. Isto vai ao encontro do que afirma Dias (1988), sobre o papel organizador e contentor dos grupos em situações de ruptura no campo familiar. Sendo esta função organizadora, tanto maior, quanto o critério de inserção nos grupos, baseando-se na heterogeneidade de suas características formais e de funcionamento, factor que privilegia os processos de individuação e autonomização do jovem.

Além da importância que a influência do grupo pode ter no processo de toxicodependência, em particular com os jovens, é de salientar a existência de condicionalismos de ordem social que podem funcionar como facilitadores de desorganização, e eventualmente conjugados com características pessoais e familiares, sejam potenciadores de eclosão ao fenómeno da toxicodependência. (Tinoco, 1999)

Neste contexto o prolongamento da escolaridade aumentou o tempo de dependência familiar ajudando a manter artificialmente uma situação adolescente.

Tornando-se igualmente difícil aos estudantes fazerem projectos dadas as dificuldades de acesso ao ensino superior e também a qualquer profissão. Estes dados ajudam-nos a perceber melhor, por um lado, o desenvolvimento dos toxicodependentes na população estudantil, em que os seus aspectos de moda, de rito de passagem à idade adulta, de sinal de solidariedade entre os jovens são importantes, assim como as dificuldades manifestas no rendimento escolar quando um jovem fica dependente de drogas. Na maior parte das vezes demonstram um grande desinteresse pelo estudo e uma dificuldade ainda maior na frequência regular das aulas. Porém, ao contrário do que geralmente é considerado, grande parte dos toxicodependentes trabalha, conseguindo na sua maioria, manter o emprego sem grandes dificuldades embora sem grande interesse. As profissões mais frequentes são operários de indústria e empregados de escritório, na sua maioria com características rotineiras, o que permite ao toxicodependente a execução da sua tarefa sem se interessar muito por esta. (Rosado, 1994)

Baseando-nos nas teorias de Goffman (1988), convém referir que a nossa sociedade estigmatiza o indivíduo, possibilitando a este a aquisição de modelos de identidade, levando-o inevitavelmente a sentir alguma ambivalência em relação a si próprio. Este autor define estigma, como qualquer comportamento que pode desacreditar o indivíduo que o pratica, uma vez descoberto que alguém apresenta esse traço relativamente aos demais papéis desempenhados pelo indivíduo, a pessoa passa a ser desacreditada em todos os momentos. Passa-se, por isso a ser prostituta, homossexual, heroinómano, em vez de se ter uma identidade mais heterogénea. Esta descoberta social pode segregar o indivíduo de determinadas esferas normativas, retirando-lhe recursos, deixando-o com a única alternativa de se tornar mais desviante. Assistimos aqui à esfera individual da profecia que se auto-realiza. O toxicodependente enquanto sujeito distante dos padrões normativos da sociedade enquadra-se neste registo. Tornando-se facilmente um sujeito estigmatizado, como indivíduo em decadência. (Goffman 1988 cit. por Tinoco, 1999)