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Epidemiologia da Infecção VIH e da Sida

3. VIH/Sida

3.7. Epidemiologia da Infecção VIH e da Sida

Epidemiologia é o estudo da doença em relação à população. É desenvolvida como um instrumento para monitorizar o desenvolvimento da doença, predizer como é que a epidemia crescerá e quem será maioritariamente afectado por ela. A epidemiologia explica-nos como é que a epidemia se desenvolveu, onde é que a epidemia existe, como é que ela se vai desenvolver. Permite-nos analisar como é que o VIH é transmitido, quem é que a epidemia afecta, no passado, presente e futuro.

Já passaram aproximadamente 20 anos desde o relato clínico dos primeiros casos de Sida. Foi o Centro de Prevenção e Controle de Doenças de Atlanta (CDC) que reconheceu esta nova e devastadora doença. Nesse tempo ignorava-se os meandros clínicos da infecção, tal como a sua evolução epidemiológica. Actualmente esta pandemia assume um dos grandes problemas de saúde pública e graças a sistemas de vigilância epidemiológica sabemos que esta doença afecta todo o mundo de uma forma devastadora e aterradora. (Fieldhouse, 2003)

O VIH caracteriza-se por uma incrível heterogeneidade e variabilidade, que o torna praticamente incontrolável, os subtipos são um dos exemplos de tal. De acordo com estes factores os padrões epidemiológicos mundiais tornam-se assustadores. Entretanto surgiram os sistemas de vigilância epidemiológica de segunda geração, propostos pela Organização Mundial de Saúde, no sentido de melhor caracterizar tal epidemia, sem escamotear os factores sociais e comportamentais. (Paixão, 2001)

De acordo com Paixão, (2001) podemos caracterizar as epidemias em três padrões distintos: Epidemia em fase inicial, refere-se uma infecção recente, há menos de 5 anos, inclui os casos sintomáticos e assintomáticos, assumindo uma prevalência ainda bastante baixa, menos de 5%, em grupos particulares associados a comportamentos de risco. Nesta fase encontra-se a Austrália e Ásia ocidental; Epidemia concentrada surge num sub grupo populacional, o qual associa-se a situações económicas e sociais desfavorecidas. Com uma prevalência superior a 5%. Nestas circunstâncias encontramos a União Europeia, e América do Sul; Epidemia generalizada, a infecção encontra-se altamente disseminada pela população em geral, estando esta associada a contactos heterossexuais. A este nível epidemiológico encontra-se o continente africano, particularmente a África subsariana e austral, tal como sudoeste asiático.

É de salientar que cada continente ou país apresenta padrões epidemiológicos específicos. Tais diferenças devem-se a aspectos comportamentais e sociais, administração da terapêutica antiretroviral, profilaxia das infecções oportunistas, critérios de classificação epidemiológica, vias de transmissão, tipo de VIH predominante, data da introdução da infecção. ( Paixão, 2001)

As diferenças epidemiológicas que ocorrem relativamente à infecção pelo VIH, nos diferentes países e continentes, têm por base além dos factores já apontados, implicações relativas ao desenvolvimento económico e social de cada país. Então os países em desenvolvimento apresentam, desigualdades de acesso aos programas de prevenção e serviços de saúde, recursos limitados para as terapêuticas e para a profilaxia de infecções, grande incidência de doenças infecciosas, elevada diversidade vírica, diversas epidemias de VIH. Os países desenvolvidos tendem a apresentar co- infecção de vírus hepatotrópicos, aumento de casos assintomáticos devido um maior tempo de sobrevida, profilaxia das infecções oportunistas e diminuição da sua incidência, uso de antiretrovirais o que delimita a progressão da infecção. ( Paixão, 2001)

Os valores mundiais relativos a mortes são devastadores, sabe-se que nos E.U.A. e em África já existem mais de 40 milhões de indivíduos infectados com VIH, tendo perto de metade já falecido. Do mesmo modo em todos os países já ocorreram casos de infecção por VIH, o que significa que ninguém está ileso. Por conseguinte, cada país apresenta padrões epidemiológicos particulares, que se articulam com características dos subgrupos, vias de transmissão, administração terapêutica e toda

uma panóplia de condicionalismos sociais e comportamentais. É obvio que as condições desenvolvimentais de cada país também assumem uma posição importante, nos países desenvolvidos verifica-se uma diminuição da incidência da doença. Tal deve-se não só a campanhas de prevenção, como facilitismo no uso da terapêutica antiretroviral mais sofisticada, a profilaxia das infecções oportunistas e logo maior longevidade. Esta posição contrasta com os países pouco desenvolvidos, como alguns países africanos, onde a transmissão do VIH contínua, a diversidade viral é alta, com fraca profilaxia das infecções oportunistas, pouco terapêutica antiretroviral e programas de prevenção. (Paixão, 2001).

Na União Europeia, é o Centro Europeu para a Monitorização Epidemiológica da Sida, que promove o estudo da vigilância Epidemiológica, também conhecido por Euro HIV, situado em Paris. Cada país desenvolve a sua vigilância a partir dos casos notificados, registando assim, todos os casos infectados por VIH, os quais são posteriormente enviados para Paris. Sabe-se que cada país conhece padrões epidemiológicos específicos, caracterizados por grupos populacionais com características próprias, associando-se a factores de risco também específicos, os quais estão inevitavelmente associados a questões de natureza cultural, política, socioeconómica. Até a via de transmissão é maioritariamente diferente entre países, no sul da Europa esta aconteceu por uso de drogas injectáveis no sub grupo de toxicodependentes 36,5% e no norte da Europa a via sexual, particularmente homossexual, foi a que assumiu uma forte expressão, com 30,4%, isto para 2000. (Paixão, M., 2001) Contudo convém salientar que a via de transmissão heterossexual assume actualmente a forma principal de transmissão da infecção VIH, neste sentido verifica-se uma importante alteração epidemiológica na União Europeia. (Paixão, 2001).

Não nos podemos esquecer das limitações associadas aos dados epidemiológicos, pois só se tem conhecimento dos números de indivíduos infectados, que se predispuseram a realizar o teste. Logo, os números associados à prevalência do VIH na população geral não se tornam totalmente representativos da população geral infectada pelo VIH. (Fieldhause, 2003) Por outro lado, estudos realizados no seio de populações homossexuais sugerem que a prevalência da infecção é unicamente realizada em função daqueles que pediram para ser testados, os quais assumem uma percentagem significativamente baixa. Como tal, só uma porção dos indivíduos VIH positivos procuram realizar o teste. Logo esta proporção pode ser diferentes nos vários

grupos de risco. Outra questão refere-se à possibilidade da pessoa escolher fazer o teste dos anticorpos para o VIH, um mês depois da infecção, ou uma série de anos depois, ou até quando surgem os sintomas das primeiras infecções oportunistas. Desta forma, as estatísticas referentes ao VIH só podem revelar uma aproximação perante os níveis cumulativos da epidemia. (Fieldhause, 2003)

Os epidemiologistas usam o termo “grupos de risco”, para se referirem a pessoas que podem ser vulneráveis a uma condição particular, social ou médica. Contudo, sabe-se que todas as pessoas são biologicamente susceptíveis de infecção pelo VIH, se forem expostas ao vírus, isto não significa que toda a gente está igualmente em risco perante o vírus. Porém, considera-se que os grupos de risco estão em proporção estatística mais próximos da infecção pelo VIH. (Fieldhause, 2003)

O estudo relativo à distribuição mundial das infecções pelo VIH demonstra que África assume a existência de todos os grupos e subtipos de VIH-1, tal como a presença de VIH-2. O VIH-2 apresenta, tal como o VIH-1, subtipos diferentes, porém existem poucos dados relativos à prevalência dos diferentes subtipos. Sabe-se que estes subtipos estão praticamente todos presentes no continente africano. (Fieldhause, 2003) As estripes africanas de VIH-1 apresentam uma elevada diversidade, o que estás na base da duração e agravamento da infecção nesse continente, porém encontramos uma distribuição dos subtipos por áreas geográficas particulares, o que provoca prevalências e incidência diferentes. (Martins, 2001) África tem ainda outra palavra a dizer quanto ao aparecimento das primeiras estripes de VIH-2, estas foram primeiramente isoladas em indivíduos de África ocidental. Este vírus também assume uma maior proximidade genética e filogenética com o vírus da imunodeficiência do símio, do que com o VIH-1. Foi em África ocidental que se organizou o epicentro da infecção VIH-2, a qual atingiu países como Guiné-bissau, Senegal, Gambia, Ghana e Costa do Marfim. Assumindo maior preponderância a Guiné-bissau, com 10% da população geral infectada, enquanto os outros países revelam entre 1 a 2% de infecção. Esta transmissão aconteceu maioritariamente por via sexual, heterossexual e caracteriza-se por períodos assintomáticos longos com mortalidade baixa. Em África ocidental é a actividade sexual (heterossexual) a grande causa da disseminação do vírus. (Martins, 2001)

De acordo com Martins, (2001) África ocidental apresentou nos anos 80 o início da epidemia de VIH-2, a qual parecia estar unicamente circunscrita a essa zona, surgindo porém alguns casos muito pontuais de infecção por VIH-2 em África central.

Para além de África ocidental, Angola e Moçambique assumem uma representação importante na infecção causada por VIH-2, a partir de redes de ligação com a zona ocidental. Contudo este vírus foi transmitido para outras partes do mundo, particularmente para países que estabeleciam relações coloniais com a África ocidental, estes países são: a Guiné-bissau e mais distante, Portugal, França, Alemanha e Suécia. Por sua vez, a África ocidental portuguesa, que mantinha relações importantes com outros países como Portugal, Guiné-Bissau organizava-se como ponte para ligações com a Europa, com uma rede particular entre Portugal e Suíça o que permitiu que os interpostos comerciais e relacionais veiculassem entre outras coisas o VIH-2, entre as gentes. Outro foco de disseminação foi a África ocidental francesa, com o Senegal, Costa do Marfim e Mali, como estes países estão fortemente infectados, a França constituiu um importante intermediário para a transmissão da doença pelo resto da Europa. A África inglesa, também assumiu particular importância, no decurso das suas relações com as colónias de Gambia e Gana. Outras ligações tiveram lugar, como a Alemanha e a Serra Leoa, a Holanda e a Guiné-bissau, a Suíça e a Costa do Marfim. Estes foram os grandes focos africanos responsáveis pela disseminação do VIH-2 pelos países da Europa, é interessante pensar que as transacções económicas entre os diferentes países fazem-se acompanhar por contactos humanos, definidos por relações de particular proximidade e intimidade, sendo provavelmente a via sexual o modo de extrapolação do vírus para outras zonas do mundo. (Martins, 2001)

Enquanto que a África oriental e central apresenta uma elevada prevalência de VIH-1, na África ocidental domina a infecção VIH-2. Também é patente em algumas zonas africanas a existência de duplas infecções de VIH-1 e VIH-2, uma vez que os dois vírus coexistem entre as populações, tal está maioritariamente descrito na Costa do Marfim, e algumas zonas da África ocidental. Contudo, sabe-se que a longo prazo a infecção VIH-1, deve dominar a infecção geral de VIH em detrimento do VIH-2. (Martins, 2001)

Nos Estados Unidos da América, a infecção por VIH, diz respeito particularmente ao tipo VIH-1 e ao subtipo B, apesar de ser esta a variante que domina, já se identificaram outras variantes como a O e o VIH-2. Na Europa, particularmente nos países da União Europeia, é o vírus VIH-1 que domina a epidemia, com o subtipo B. Porém também estão identificados casos de infecção pelo VIH-2 e VIH-1 do subtipo não B e grupo O. A Europa do Leste está a apresentar um

crescente aumento de infecções pelo VIH-1, particularmente do subtipo não-B. (Fieldhause, 2003)

Na Ásia, encontramos países com prevalência de infecção VIH elevada e baixa. No primeiro caso encontram-se países como a Tailândia, Camboja e Myanmar, e no segundo caso Mongólia. A Tailândia, devido às grandes taxas de prostituição e droga adicção apresenta altos índices de infecção, particularmente de VIH-1, subtipo B. A China e a Índia, como países extremamente populosos assumem particular preponderância na infecção VIH. Na China a infecção pelo VIH, continua a crescer, dominando o VIH-1, com sub tipo C e B, neste último caso, devido aos consumidores de drogas injectáveis, o tipo CRF01-AE, tem apresentado alguma expressão e prende- se com a transmissão por via heterossexual. A Índia apresenta a existência de VIH-1, de subtipo C, surgindo já alguns casos de subtipos A, B e D, a via de transmissão primordial é a sexual, também estão identificados alguns casos de VIH-2. (Martins, 2001)

No que se refere às crianças infectadas pelo VIH, sabe-se que a transmissão de mãe para filho, ou vertical é a via de infecção primordial, particularmente em indivíduos com idade inferior a 15 anos. Esta categoria de infecção ocorre apôs numa fase de doença avançada da grávida e o contacto da criança fluidos corporais maternos infectados. Porém, a grande prevalência de crianças infectadas situa-se no continente africano, estando a Índia e Ásia a demonstrar fortes índices de infecção a este nível. O impacto da infecção vertical em países menos desenvolvidos deve-se a dificuldade no acesso ao tratamento antiretroviral, falta de meios para fazer face às infecções oportunistas, no tratamento e prevenção e a inexistência de estratégias de prevenção perante a eventualidade da transmissão vertical. (Paixão, & Pádua, 2001)

Por outro lado, na infecção causada por VIH-2, a possibilidade de transmissão vertical é muito menos frequente, comparativamente com o VIH-1. (Paixão, & Pádua, 2001) É de salientar que a execução de rastreio de anti-corpos anti-VIH nas mulheres grávidas produziu um controle e declínio da transmissão vertical do VIH. Uma vez que um tratamento precoce antiretroviral , associado a cuidados especiais de saúde permite o decréscimo de infecção VIH ao feto. (Paixão, & Pádua, 2001)

Para além do contínuo aumento de novos casos de infecção pelo VIH nos países africanos e Caraíbas, a epidemia está a devastar de forma explosiva a Rússia e os países da Ásia Central e do Sul, que em breve ultrapassarão os índices africanos. A ignorância e a pobreza associadas à toxicodependência e a prostituição tornaram os

países de leste num centro de cultura para a proliferação de VIH e outras doenças sexualmente transmissíveis. Estes países carecem de estratégias de prevenção e ao acesso de terapêutica para os cuidados de saúde básicos. (Fieldhouse, 2003)

A Conferência de Barcelona em 2003 salientou “zonas vermelhas” no mundo com maior prevalência parta o VIH, zonas que infelizmente Portugal pertence como o pior da União Europeia e o segundo a nível da Europa, a seguir à Ucrânia. (Mendonça, 2002)