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3 DA SITUAÇÃO PROBLEMÁTICA À QUESTÃO DE PESQUISA

3.1 PARADOXO DA CONCENTRAÇÃO DE RENDA: AUMENTAM A RIQUEZA E

3.1.4 Duas Representações Sociais, um mesmo alvo

Na década de 1970 marcou época a expressão utilizada pelo então Ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto: “fazer o bolo crescer para depois repartir”. Empregava-se a expressão para reforçar a opressão aos cidadãos menos favorecidos, que além de não se beneficiarem com o crescimento econômico eram vítimas da repressão da ditadura militar. As entidades sindicais e estudantis eram rigidamente monitoradas pelo Governo; a imprensa era censurada; os movimentos sociais, duramente reprimidos. Objetivava-se assegurar condições para o crescimento da riqueza de alguns, mesmo que em detrimento das liberdades individuais e da justiça social, evitando-se a divisão do “bolo”.

Neste ano de 2005, após mais de duas décadas de estagnação econômica e do agravamento da iníqua concentração da riqueza nacional em mãos de poucos, o mesmo ex-ministro passa a empregar outra expressão, que vem sendo acolhida e propagada pelas entidades representativas dos banqueiros e empresários: “O Estado não cabe no PIB brasileiro” (DELFIM NETTO, 2005). Em artigo publicado na Folha de São Paulo, edição de

14 set 2005, Delfim Netto reafirma que “o Estado não cabe no PIB brasileiro” e arrola os mesmos argumentos utilizados na reunião sobre a “Agenda da Transformação”, durante a instalação do Conselho de Planejamento Estratégico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, ocorrida no dia 05 set 2005 (FECOMÉRCIO SP, 2005):

o país atrasou-se dramaticamente em relação aos seus parceiros internacionais que souberam resolver seus problemas (de crise, de inflação e de crescimento) de forma muito mais eficiente. A maioria deles tem hoje inflação menor do que a nossa e está crescendo, em média, com o dobro da nossa velocidade. O imaginoso Plano Real reduziu a inflação de forma brilhante, mas deixou uma armadilha da qual até agora não nos desvencilhamos: 1) a enorme carga tributária; 2) a imensa dívida do Estado; 3) o mito de que não podemos crescer mais do que 3,5% ao ano sem termos de volta a inflação e 4) uma política monetária que inibe o crédito de longo prazo.

O tamanho do Estado resulta da gama maior ou menor de necessidades coletivas públicas asseguradas aos cidadãos. A discussão sobre a redução do Estado em favor do crescimento econômico, tende a reforçar a política de contenção dos gastos em saúde, educação, previdência e assistência, agravando o déficit social. Medeiros (2003), na pesquisa “O que faz os Ricos ricos: um estudo sobre fatores que determinam a riqueza”, premiada em 2004 como a melhor tese do Brasil pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), constata que “que, embora os ricos constituam um grupo bastante peculiar, suas características demográficas, a intensidade do uso da mão-de-obra em suas famílias, seus atributos educacionais e os efeitos da discriminação no mercado de trabalho não bastam para explicar as origens da riqueza”. Conforme o estudo, “a riqueza se origina, ou ao menos é perpetuada, por políticas de infra-estrutura, de investimento e políticas sociais que não possuem caráter redistributivo”.

Criando uma linha da riqueza correspondente à renda mensal per capita de R$ 3.500,00, equivalente à renda de R$ 14.000,00 mensais para uma família de quatro pessoas, Medeiros constata que há no Brasil hoje aproximadamente 1.800.000 ricos. Esta parcela de 1 % da população detém 11% da renda nacional e mais de 50% do patrimônio declarado. Na tese Medeiros (2003) demonstra que:

a. menos de um terço dos recursos do governo federal é aplicado em atividades sociais; dois terços são gastos com atividades financeiras;

b. a estrutura tributária é injusta, incidindo fortemente sobre o consumo, o sistema industrial e os trabalhadores e sendo quase nula sobre o sistema financeiro;

c. o Brasil paga a título de juros em torno 4,7 % do PIB a cada ano, totalizando mais de R$ 1,3 trilhão desde 1983: mais da metade dos juros pagos pelo Governo foi auferida pelos 2% mais ricos da população;

d. os ricos (1% da população) auferem mais de trinta por cento dos aluguéis pagos; e. a segunda maior despesa pública, depois dos juros, é a Previdência Social: em 2004

foram R$ 173 milhões, pagando-se aos 2% mais ricos o equivalente ao que se paga aos 60% mais pobres;

f. só 3% das famílias brasileiras tem mais do que três filhos com menos de 10 anos de idade.

A superação da miséria em que sobrevive 15% da população e da pobreza em que se encontram 30% dos brasileiros não pode se dar apenas pelo crescimento econômico, pelo controle de natalidade ou pela qualificação da educação. Há que se redefinir prioridades e adotar políticas redistributivas, sugere Medeiros.

Para ilustrar a desigualdade social no Brasil, reproduz-se da tese de Medeiros o gráfico da renda familiar per capita dos centis da população. Medeiros utiliza a metáfora da Parada de Pen, originalmente desenvolvida para ilustrar a distribuição de renda no Reino Unido. Sugere-se ler o gráfico como repreSugere-sentativo de uma parada em que as pessoas desfilam com altura proporcional a suas rendas:

Figura 31 Renda familiar per capita dos centis da população – Brasil – 1997/1999

Nos termos da metáfora de Pen, a sociedade brasileira é caracterizada por um pequeno grupo de gigantes de altura descomunal marchando ao fim de uma longa parada de nanicos. A afirmação de que a sociedade brasileira é extremamente desigual deve, portanto, ser mais bem qualificada. O que realmente ocorre é que a população brasileira é segmentada entre uma grande massa relativamente homogênea em torno da pobreza e uma pequena, porém muito rica, elite. (MEDEIROS, 2003, p. 30)

Na implementação das políticas públicas há, pois, que se dotar de maior eficácia as ações governamentais, a fim de conferir benefícios efetivos aos mais necessitados. Para isto poderiam contribuir os novos instrumentos de participação popular na formulação das políticas públicas e os novos mecanismos de controle social sobre a gestão pública. Entretanto, o que se observa é a disseminação e a banalização da corrupção. No dizer de Da Matta (2005, p. 6), “o caso do Brasil é singular porque, entre nós, a desonestidade é um programa, um projeto, um valor. E isso se deve à total ausência de punição para certos crimes”. Este paradoxo ético-fiscal é abordado a seguir.