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Economia solidária – surgimento e características

CAPÍTULO 3 – A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E AS INCUBADORAS

3.3 Economia solidária – surgimento e características

“O capitalismo se tornou dominante há tanto tempo que tendemos a tomá-lo como

normal ou natural” e, assim, a competitividade acontece em todos os sentidos, no trabalho, no

supermercado, na faculdade, na política etc. (SINGER, 2002, p.7).

As empresas que não conseguem satisfazer os consumidores fecham as portas. Esta

competitividade na economia é criticada por causa de seus efeitos sociais, sendo que “os

ganhadores acumulam vantagens e os perdedores acumulam desvantagens nas competições

futuras” (SINGER, 2002, p.8). Este é o ciclo da economia capitalista produzindo

desigualdades.

Para deixarmos de ter uma sociedade tão desigual, é necessário que predomine na

sociedade a solidariedade em vez da competitividade, o que significa dizer que os indivíduos

que participam na atividade econômica deveriam estar cooperando entre si ao invés de estar

competindo. Destarte, para ocorrer solidariedade na economia, os indivíduos devem se

“organizar igualitariamente” para “produzir, comerciar, consumir ou poupar”, o que para

Singer (2002, p.09) significa dizer, que o caminho para que isto ocorra é a associação entre

iguais ao invés do contrato entre desiguais.

A economia solidária é uma nova forma de organização econômica e de prática social

relativamente recente no Brasil, que difere do capitalismo. É um tema recente, portanto em

desenvolvimento e se firmando como uma nova área do conhecimento científico,

genuinamente multidisciplinar.

Para Arroyo e Schuch (2006, p. 20) “economia solidária é o ‘projeto’ de economia

organizada a partir do trabalho, e não do capital”. Nesta economia a estruturação parte de

“empreendimentos que operam em qualquer dimensão de alguma forma associativa, como

cooperativa ou como associação, fórum, grupo, rede etc”. Por meio da articulação em redes

destes empreendimentos é que “surgem os mercados solidários: clubes de troca, atacadão

solidário, moeda social (cartão de crédito popular) e outras intervenções econômicas

solidárias”.

Segundo a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), a economia

solidária é um conjunto de atividades econômicas – produção, distribuição, consumo,

poupança e crédito, organizadas sob a forma de autogestão

7

. Apesar de se apresentar de

diferentes modos, tais como cooperativas, bancos e feiras de trocas, os princípios da

organização são comuns. “A economia solidária, com uma nova técnica de organização do

trabalho, permite que o trabalhador ganhe poder, passando a ter a mão de quem faz e o

cérebro que pensa e controla, inversamente ao taylorismo

8

” (MELLO, 2008, p.20).

As raízes históricas da economia solidária encontram-se nos primórdios do capitalismo

industrial, momento no qual surgem as primeiras cooperativas numa tentativa da classe

operária de recuperar trabalho e autonomia econômica, fatores prejudicados em decorrência

da Primeira Revolução Industrial. De acordo com Arroyo e Schuch (2006, p.25), “estes

7 Autogestão entendida como propriedade coletiva, ou o controle dos meios de produção de bens ou prestação de serviços, na qual existe a participação democrática dos membros nas decisões sobre a organização do empreendimento e a distribuição equitativa dos resultados obtidos.

8 Taylorismo corresponde ao movimento de gerência científica iniciado por Frederick Winslow Taylor (1856- 1915) nas últimas décadas do século XIX. “Com o intuito de dinamizar a produção capitalista, Taylor aponta as seguintes medidas: criação da idéia de gerência, que passa a ditar o que é feito e como é feito, controlando o tempo e os movimentos necessários dos trabalhadores para a realização das tarefas durante a produção”; “negociação individual com os trabalhadores ao invés da negociação coletiva, o que diminui a força de barganha dos trabalhadores na defesa de seus interesses; e defende que seja pago para o trabalhador somente o necessário para a reprodução da força de trabalho, pois, se ele ganha muito, não produz adequadamente” (OLIVEIRA FILHO, 2010, p.65).

primeiros focos de pensamento da economia solidária” surgiram “no início do século XIX na

Europa, com grande ênfase na França”, e na Inglaterra.

O cooperativismo foi inspirado pelos chamados clássicos do socialismo utópico,

dentre eles Owen, Fourier, Proudhon e Saint-Simon, abrindo caminho para os “praticantes da

economia solidária […] pelo único método disponível no laboratório da história: o da tentativa

e erro” (SINGER, 2002, p.38). Estes pensadores “elaboraram modelos de sociedade

mutualista, cooperativista e solidária”, e, embora recebam a alcunha de “socialistas utópicos”

9

e seus principais projetos para a sociedade sejam considerados inalcançáveis, suas ideias não

devem ser desmerecidas, pois “foram eles os precursores e idealizadores de processos

econômicos como resultados de articulação solidária” (ARROYO; SCHUCH, 2006, p.25).

Os socialistas utópicos desenvolveram suas ideias na Europa, no início do século XIX,

com o desenrolar da Primeira Revolução Industrial. Esta acabou culminando no capitalismo

10

industrial, que propiciou a formação de um quadro de miséria para os trabalhadores,

explorados com altas jornadas de trabalho em condições insalubres, além da larga utilização

de mão-de-obra infantil e do aumento crescente da desocupação (ARROYO; SCHUCH,

2006).

Desde que surgiu, o movimento cooperativista não parou de crescer. Em 1844, ano

considerado como sendo o marco do movimento cooperativista, surge, inspirada pelo

cooperativismo de consumo, a “famosa cooperativa dos Pioneiros Equitativos de Rochdale

11

,

considerada a mãe de todas as cooperativas” (SINGER, 2002, p.39). Os princípios adotados

por Rochdale se figuram, ainda hoje, como os princípios universais do cooperativismo

12

. Em

9 Karl Marx (1818-1883) os denominou de utópicos uma vez que estes pensavam que o socialismo, entendido como a superação da luta de classes, poderia ser instaurado na sociedade por meio de um acordo entre as classes (encaminhado por meio da “boa vontade” da classe dominante). Marx, que queria estabelecer o socialismo científico (por isso denominou o socialismo deles de utópico), demonstrando que os interesses das classes dominantes e das classes subalternas são categoricamente antagônicos, teorizou que este conflito nunca seria resolvido, a não ser com o fim das classes, que se daria por meio de uma ruptura ao invés de um acordo. Marx demonstrou, por meio da análise científica do capitalismo, que o socialismo estaria latente dentro deste, que as próprias bases do capitalismo permitiriam o desenvolvimento do socialismo. Há, no entanto, uma força política por parte da burguesia que procura impedir o devir socialista, pois esta quer garantir os seus privilégios agindo de forma reacionária, cabendo à classe subalterna (operariado) lutar para estabelecer uma nova sociedade. 10 Segundo Giddens (1991, p.61) “o capitalismo é um sistema de produção de mercadorias, centrado sobre a relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse da propriedade, esta relação formando o eixo principal de um sistema de classes”

11 A Cooperativa, criada em 1844 na cidade de Rochdale (um centro têxtil situado próximo à Manchester), embora não tenha sido a primeira, foi uma das mais marcantes para o movimento cooperativista, em particular pela formulação de um conjunto de princípios que foram adotados por cooperativas pelo mundo afora e ratificados pela Aliança Cooperativa Internacional (OLIVEIRA FILHO, 2010).

12 De acordo com Singer (2002, p.39), são estes os princípios: “1º que nas decisões a serem tomadas cada membro teria direito a um voto, independentemente de quanto investiu na cooperativa; 2º o número de membros da cooperativa era aberto, sendo em principio aceito quem deseja se aderir; 3º sobre capital emprestado a cooperativa pagaria uma taxa de juros fixa; 4º as sobras seriam divididas entre os membros em proporção às

1895 estes princípios foram readequados e instituídos como princípios universais do

cooperativismo pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI).

E assim as experiências cooperativas seguiram florescendo ao longo do século XIX e

início do século XX, perdendo seu relevo nos anos subsequentes. Em meados do século XX, a

conquista paulatina do sufrágio universal, o aumento dos salários reais, as conquistas no

reconhecimento de direito à organização sindical e à greve, fizeram com que os trabalhadores,

reconciliados com o assalariamento, perdessem, em sua grande maioria, o entusiasmo e o

interesse pelo trabalho em cooperativas. De acordo com Singer (2003), a reconciliação do

trabalhador com o trabalho assalariado marca uma passagem de época do movimento

socialista, que passa a enxergar no Estado o único instrumento institucional para realizar seu

programa.

Após período de estagnação, o interesse das classes trabalhadoras e do movimento

socialista pelo cooperativismo ressurge somente na década de 1970, quando o desemprego em

massa começou o seu retorno com a ascensão do neoliberalismo e a reestruturação produtiva.

Com o fim dos “anos dourados” do capitalismo, fase em que estiveram em vigor os Estados

de Bem-Estar-Social e que durou cerca de trinta anos, um quadro de crise instaurou-se no

sistema capitalista.

Essa situação de crise, marcada pela emergência do desemprego e aumento do trabalho

precarizado, fez ressurgir o interesse pelo cooperativismo nos círculos operários e nas

correntes socialistas, que passaram a recuperar o cooperativismo sob o paradigma da

economia solidária com o objetivo de dar continuidade à luta por uma sociedade mais

igualitária, no novo contexto da sociedade capitalista. Com o fechamento de empresas, muitos

trabalhadores passam a gerir estas empresas pelo processo cooperativista/associativista

(ARROYO; SCHUCH, 2006). “O que distingue este ‘novo cooperativismo’ é a volta aos

princípios, o grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos empreendimentos,

a insistência na autogestão e o repúdio ao assalariamento” (SINGER, 2002, p.111).

Com as mudanças ocorridas na organização do trabalho nas últimas décadas, no

entanto, começa a ser utilizado de forma mais recorrente “o trabalho por conta própria, o

individual, o coletivo/solidário (cooperativas e associações), o assalariamento informal e a

volta acentuada do trabalho escravo e da exploração do trabalho infantil” (ARROYO;

compras de cada um na cooperativa; 5º as vendas feitas pela cooperativa seriam sempre feitas à vista; 6º os produtos vendidos pela cooperativa seriam sempre puros (isto é, não adulterados); 7º a cooperativa se empenharia na educação cooperativa; 8º a cooperativa manter-se-ia sempre neutra em questões religiosas e políticas”.

SCHUCH, 2006, p.33). De acordo com Singer e Machado

13

(apud ARROYO; SCHUCH,

2006, p.33), as empresas capitalistas, ao adotarem novas técnicas e tecnologias de trabalho,

reduziram “seus quadros de mão-de-obra”, subcontratando “serviços autônomos e

cooperativos”. A flexibilidade característica do capitalismo contemporâneo, na qual a

subcontratação e a terceirização são utilizadas enquanto condições de diminuir custos e

aumentar a competitividade das empresas, impulsionou a criação das falsas cooperativas

(também chamadas coopergatos ou cooperfraudes), que funcionam terceirizadas para

empresas e, em geral, foram organizadas por essas mesmas empresas (OLIVEIRA FILHO,

2010).

Neste novo contexto, a economia solidária, ao recuperar o debate do século XIX em

busca de uma sociedade mais justa e solidária passa a contar, de igual modo, com a influência

dos movimentos contraculturais do final da década de 1960, nos quais inúmeros movimentos

sociais e étnicos trazem “uma nova visão social das questões econômicas, políticas e da

relação do homem com o meio ambiente” (ARROYO; SCHUCH, 2006, p.31). Tanto no

Brasil como nos Estados Unidos e nos países europeus, a economia solidária ressurgiu a partir

da década de 80 “como forma e alternativa de defesa da classe trabalhadora contra o processo

neoliberal de aniquilamento de milhões de postos de trabalho formal” e frente às privatizações

do governo do então presidente Fernando Collor de Mello que persistiram nos mandatos de

Fernando Henrique Cardoso, “levando a pobreza a se multiplicar em proporções até então

jamais vistas” (ARROYO; SCHUCH, 2006, p.34).

Para Vechia et al. (2009, p.57) o próprio capitalismo entende a economia solidária

como uma alternativa, uma “tábua de salvação” para os momentos de crise, que após seu

término, as pessoas buscam novamente postos de trabalho formal.

Neste caso, a economia solidária é compreendida como uma forma complementar ao

capitalismo, capaz de amenizar as desigualdades e corrigir distorções imanentes deste sistema.

Este caráter funcional conferido à economia solidária é defendido por alguns teóricos que

acreditam que a oportunidade de trabalho e renda proporcionada à população que se encontra

às margens do sistema capitalista, presente nas formas organizativas de trabalho que esta outra

economia proporciona, se desenvolvem de forma mais consistente somente em situações de

crise econômica e social, vindo a se enfraquecer em momentos de recuperação da economia

capitalista.

Dentro ainda da visão de funcionalidade ao sistema capitalista, segundo Lima (2004),

o trabalho autogestionário, característica fundamental da economia solidária, tem sido

empregado em larga medida por empresas capitalistas no intuito de diminuir custos

empresariais por meio da flexibilidade que esta forma confere à força de trabalho, servindo,

portanto, para a valorização do capital. Uma vez que o regime de trabalho existente nos

empreendimentos econômicos solidários é considerado autônomo, sem contar com as

garantias e os direitos da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), presentes nos chamados

vínculos empregatícios, muitos empresários utilizam o trabalho de cooperativas com o

objetivo de economizar nos custos da mão-de-obra empregada, esquivando-se do pagamento

de direitos trabalhistas. Este fato corrobora na visão, por parte de alguns teóricos e operadores

do direito (juristas, advogados, promotores, magistrados etc.), que grande parte dos

empreendimentos autogestionários acaba por precarizar as relações de trabalho,

enfraquecendo as conquistas históricas do movimento operário no que diz respeito às leis de

proteção do trabalhador perante o capital.

Deste modo, o debate travado em torno dos empreendimentos de economia solidária

adquire no campo teórico, como uma de suas questões principais, o tema “precarização ou

emancipação”. A precarização é apontada uma vez que a situação dos trabalhadores nas

cooperativas prestadoras de serviços terceirizados utilizadas com a finalidade de diminuir

custos com mão-de-obra se torna mais precária com a eliminação de encargos trabalhistas e

com a permanência (quando não o acirramento) da exploração no trabalho. Por outro lado, de

acordo com o ponto de vista dos adeptos da economia solidária, os empreendimentos

econômicos solidários são apresentados como uma possibilidade de os trabalhadores

resistirem, de forma autônoma, à opressão do capital e ao desemprego, libertando-os da

alienação e da exploração do trabalho e possibilitando o vislumbre de um horizonte de maior

equidade e justiça social (OLIVEIRA FILHO, 2010).

No caso do Brasil, mesmo sendo reinvenção recente, a economia solidária apresenta

grande vigor e notável criatividade institucional (SINGER, 2002). Ainda de acordo com o

autor, os emigrantes europeus trouxeram o cooperativismo ao Brasil no início do século XX,

na forma de cooperativas agrícolas e de cooperativas de consumo. Mas é na década de 1980,

segundo Singer e Souza (2003), que a economia solidária começa a ressurgir de forma

esparsa, e a partir de 1990, ganha impulso crescente com a abertura do mercado às

importações.

Segundo Cortegoso, Cia e Lucas (2008, p.27):

Iniciativas de economia solidária no Brasil vêm sendo impulsionadas, nas duas últimas décadas, a partir de ações de diferentes atores sociais, particularmente organizações da sociedade civil (organizações não governamentais, movimentos sociais, igrejas, incubadoras de cooperativas populares, universidades, etc.), que apóiam iniciativas associativas comunitárias; constituição e articulação de cooperativas populares; redes de produção e comercialização e feiras de cooperativismo e economia solidária, entre outras.

Estes diferentes atores impulsionam o chamado “movimento da economia solidária”.

Este movimento questiona a lógica dominante, se fortalece a medida que seus atores

“mobilizam recursos associativos para problematizar questões” (SANTOS, 2010, p.133) de

interesse comuns, partilhando posições semelhantes. Cabe destacar que este movimento é

recente no Brasil e segundo Santos (2010, p.185), o Fórum Brasileiro de Economia Solidária

(FBES) é a maior expressão deste movimento e “representa um instrumento vigoroso para

fortalecer a sociedade civil e reivindicar as demandas, na medida em que articula identidades

plurais – com a aproximação de atores diversificados –, configurando um sujeito coletivo

plural”.

Para promover o fomento da economia solidária, foi criado pelo governo federal

brasileiro a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), vinculada ao Ministério

do Trabalho e Emprego (MTE), nomeando como secretário, um dos ícones da ES, o

economista Paul Singer.

Ao longo dos últimos quinze anos, a Economia Solidária vem ganhando amplitude como movimento social e também como objeto de políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais. Por conta disso, é possível notar um aumento de estudos acadêmicos sobre essa temática, assim como o surgimento de novas linhas e objetos das pesquisas que os caracterizam (INCUBADORA REGIONAL DE COOPERATIVAS POPULARES, 2010, p.2).

Na Figura 3 é possível observar o movimento da economia solidária no Brasil, as

instâncias, seus diferentes atores e organizações da sociedade civil.

FIGURA 3: O movimento da economia solidária no Brasil

Fonte: FORUM BRASILEIRO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2011.

Nota-se com esta figura as relações existentes entre estes diferentes atores que fazem

parte do movimento da ES.

“A Economia Solidária sofreu enorme expansão nas últimas décadas” e a

SENAES/MTE com a finalidade de identificar e caracterizar os empreendimentos de

economia solidária (EES) elaborou o “Atlas da Economia Solidária no Brasil” no ano de 2005

identificando 14.954 EES, após dois anos, 2007, a SENAES/MTE divulga em seu site o

mapeamente de 21.859 EES nas cinco regiões administrativas do Brasil, observa-se que a

expansão nesta década continua. As quantidades destes empreendimentos estão demonstradas

na Tabela 3, segundo região administrativa. Este mapeamento é um importante mecanismo

político e acadêmico.

TABELA 3: Número de EES segundo região administrativa, mapeados no ano de 2007

Região

Quantidade

Região Norte

2656

Região Nordeste

9498

Região Sudeste

3912

Região Sul

3583

Região Centro-Oeste

2210

Total

21859

Fonte: BRASIL, 2007.

Formatação elaborada pela autora.

Segundo Brasil (2006, p.11):

Nesse conjunto de atividades e formas de organização destacam-se quatro importantes características: cooperação, autogestão, viabilidade econômica e solidariedade. É necessário perceber que essas características, embora sejam complementares e nunca funcionem isoladamente, podem ser observadas e compreendidas objetivamente como categorias analíticas diferentes, mas sempre presentes na Economia Solidária.

A seguir, é relacionada no Quadro 3 cada característica importante dos

empreendimentos de economia solidária segundo o Atlas da Economia Solidária no Brasil

(BRASIL, 2006, p.12):

QUADRO 3: Definição das características importantes dos EES segundo o Atlas

da Economia Solidária

CARACTERÍSTICAS IMPORTANTES DOS EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DEFINIÇÃO

Cooperação Existência de interesses e objetivos comuns,

união dos esforços e capacidades, propriedade coletiva parcial ou total de bens, partilha dos resultados e responsabilidade solidária diante das dificuldades.

Autogestão Exercício de práticas participativas de autoges-

tão nos processos de trabalho, nas definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, na direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses.

Atividade econômica Agregação de esforços, recursos e conhecimentos

para viabilizar as iniciativas coletivas de produ- ção, prestação de serviços, beneficiamento, crédi- to, comercialização e consumo.

Solidariedade Preocupação permanente com a justa distribuição

dos resultados e a melhoria das condições de vida de participantes. Têm-se como característica, ainda, o comprometimento com o meio ambiente saudável e com a comunidade, com movimentos emancipatórios e com o bem estar de trabalhado- ras e consumidoras.

Fonte: BRASIL, 2006.

Formatação elaborada pela autora.

Os trabalhadores, ao se integrarem a iniciativas de economia solidária, estão entrando

em relações sociais para as quais não estavam preparados, uma vez que deixam de competir

com seus colegas de trabalho, passam a cumprir tarefas que antes eram ditadas pelos seus

superiores e que passam a ser decididas por todos os sócios em situações de assembléias. A

confiança deve ser recíproca, e os integrantes dos empreendimentos “devem se convencer que

agora ou todos se fortalecem, melhoram de vida, adquirem novos conhecimentos e novas

habilidades ou seu EES fracassa e todos retornam à sua vida antiga, frustrados e

desesperançados”. Nesta nova experiência, os trabalhadores precisam se acostumar a

“discutir, negociar, votar e aceitar responsabilidades”, diferentemente do que estavam

acostumados, e isto se aplica “tanto aos vencedores como aos derrotados nos embates internos

ao empreendimento” (SINGER, 2008, p.14). Portanto nota-se que a confiança e a troca de

conhecimento entre os membros destes empreendimentos são primordiais para sua

continuidade.

Para o Núcleo de Gestão da ITCP-USP (2007, p.13) a gestão de um empreendimento é

entendida:

[...] de forma ampla, como a identificação, busca e gerenciamento de todos os recursos necessários à vida do empreendimento, incluindo a organização do trabalho, a escolha da atividade econômica, a própria viabilidade econômica, o processo de tomada de decisões, o fluxo de informações, a comercialização, a busca dos insumos necessários ao trabalho, o planejamento, a prestação de contas etc.

Para Mello (2008, p.19) “a experiência incorpora às ações um conhecimento de

natureza diferente” que mais se proxima “do cotidiano e das soluções que ele põe a prova. E

isso tem a ver com as múltiplas origens da economia solidária, raízes que vêm das utopias e

de antigas práticas populares”, que foram “renovadas nas novas condições de

empobrecimento e precariedade da vida, no campo ou nas cidades”.

Cortegoso (2008, p.166) destaca que:

A perspectiva da economia solidária é de busca de uma sociedade mais equilibrada, tanto do ponto de vista das relações humanas, quanto destas com seu meio físico; um