CAPÍTULO 3 – A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E AS INCUBADORAS
3.4 O papel das incubadoras tecnológicas de cooperativas populares e a primeira
A incubadora universitária tem o mesmo tipo de compromisso que a universidade
perante a sociedade, tendo o conhecimento e seus processos de produção transformados em
capacidades para atuação profissional em suas áreas específicas (no caso do ensino), e a
difusão do conhecimento (por meio das atividades de extensão), como seu objeto de
dedicação, considerando sua própria equipe como produtores e usuários do conhecimento.
As incubadoras universitárias voltadas para empreendimentos de economia solidária
fazem parte de uma “linha de extensão universitária que disponibiliza um núcleo básico
interdisciplinar formado por um quadro docente, discente, técnica e acadêmico” que socializa
“o conhecimento da academia para os setores populares” por meio do assessoramento de
cooperativas (e demais iniciativas de economia solidária), oferecendo apoio técnico necessário
para o bom desempenho destas no mercado (PEDRINI, 2002, p.171).
As ITCPs colaboram com a extensão universitária ao atenderem “grupos comunitários
que desejam trabalhar e produzir em conjunto, dando-lhes formação em cooperativismo e
economia solidária e apoio técnico, logístico e jurídico para que possam viabilizar seus
empreendimentos autogestionários” (SINGER, 2002, p.123).
De acordo com Cortegoso et al. (2008, p.118):
O cenário diante do qual as universidades criaram estas incubadoras apontava a necessidade urgente de desenvolver alternativas capazes de promover condições mínimas de cidadania a uma parcela muito significativa da população brasileira. Embora mudanças nestes cenários dependem de várias e diferentes condições, a produção específica de conhecimento e tecnologia capazes de oferecer maior compreensão e ferramentas para que os segmentos excluídos de cidadania pela lógica capitalista de mercado sejam sujeitos desta mudança é uma delas, e corresponde exatamente ao papel social da universidade. A criação das incubadoras de cooperativas populares surgiu como uma das possíveis respostas a esta necessidade, e como mecanismo de aproximação da população excluída, tanto em busca de melhor conhecer as necessidades e saberes desta população, quanto para transformar conhecimento produzido no âmbito da universidade em comportamentos humanos.
O posicionamento político das ITCPs é de atuar junto à camada da população excluída
da sociedade, contribuindo com um modelo de economia diferente da que predomina no
capitalismo, de modo que a prioridade seja o bem estar das pessoas em oposição à busca
constante pelo lucro.
As ITCPs surgem como forma de promover a produção e também o acesso ao
conhecimento por parte da população excluída, fomentando a economia solidária como forma
tanto de geração de renda quanto de outra maneira de estabelecer relações entre pessoas e
destas com seu ambiente, no atendimento às suas necessidades nas esferas econômica, social,
ambiental e psicológica (SINGER, 2002).
Nesta perspectiva, foi criada em 1994 a Cooperativa de Trabalhos de Manguinhos
(COOTRAM), tendo como apoiadores o Banco do Brasil e o Instituto Superior de
Cooperativismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e como contratante a
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), para reciclar o lixo e prestar serviços de jardinagem e
limpeza dos prédios. Para Gallo
14(apud OLIVEIRA FILHO, 2010, p.97):
O processo de formação da COOTRAM, que envolveu pela primeira vez universidades (ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública e a UFSM – Universidade Federal de Santa Maria) e uma parte da elite científica e educacional do Brasil, teve fundamental importância para a construção da Economia Solidária no país. O passo seguinte foi padronizar essa ajuda na forma das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs).
A primeira Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares originou-se por meio
da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) em 1995, com o intuito de auxiliar na implantação da
COOTRAM. No ano seguinte tem início a formação de cooperativas nas favelas cariocas e na
Baixada Fluminense (GALLO, 2003).
Estas incubadoras utilizam recursos humanos e conhecimento da universidade na
formação, qualificação e assessoria de trabalhadores para a construção de atividades
autogestionárias, cujo intuito é incluí-los no mercado de trabalho com uma proposta que
passou a ser disseminada em outras universidades brasileiras. Como relata Guimarães (2003,
p.114):
Durante todo o período de estruturação do projeto ITCP/Coppe/UFRJ algumas universidades e alguns governos buscaram a incubadora e as fontes de fomento na possibilidade de montar projetos similares, tendo em vista sua repercussão. Essa pressão foi positiva e começou-se a amadurecer a idéia da montagem de incubadoras em outras universidades. Desde o seu início a incubadora sempre foi vista como projeto piloto a ser montado em outros locais. O compromisso é repassar essa tecnologia a outras instituições.
As ITCPs atuam no sentido de inserção dos setores economicamente marginalizados
no mercado de trabalho, garantindo a oportunidade de inclusão social e geração de renda por
meio da formação de iniciativas de economia solidária. Estas são modalidades de organização
econômica que se apresentam sob forma de grupos de produção, empresas de autogestão,
associações e cooperativas, combinando suas atividades econômicas com ações de cunho
educativo e cultural, e “valorizando o sentido da comunidade de trabalho e o compromisso
com a coletividade social em que se inserem” (GAIGER, 2003, p.135).
14 GALLO, A. R. Empreendimentos econômicos solidários: alternativas organizacionais de (re)inserção social e econômica. 2003. 270 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Centro de Ciências Exatas. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.
Estas incubadoras prestam “serviços necessários para o início, desenvolvimento e/ou
reciclagem de cooperativas, empresas autogestoras e/ou grupos de trabalho associativo” às
iniciativas de economia solidária (PEDRINI, 2002, p.171).
Singer (2002, p.121) descreve que “as incubadoras organizam comunidades periféricas
em cooperativas mediante a incubação, um complexo processo de formação” na “qual as
práticas tradicionais de solidariedade se transformam em instrumentos de emancipação”.
As incubadoras encontram diversos tipos de situações ao trabalharem com estas
populações, como seus problemas, as demandas de trabalho e também dificuldades
relacionadas com a captação de recursos para “implementar processos de incubação”
(CORTEGOSO et al., 2008 p.119), entre outras variáveis, fator este que termina por propiciar
uma rica produção de conhecimento ao sistematizá-lo e representá-lo, e, assim, torna possível
o diálogo “com outras incubadoras similares, bem como com outros autores da economia
solidária e mesmo com a população com quem a incubação é construída” (CORTEGOSO et
al., 2008, p.120).
Cortegoso et al. (2008, p.119) apontam um dos desafios enfrentados por estas
incubadoras que se dedicam à economia solidária:
[...] desenvolver formas de ação capazes de viabilizar não apenas a existência de coletivos organizados para o trabalho, mas seu funcionamento como células efetivamente autogestionárias e comprometidas com os princípios orientadores deste campo de atividade humana; bem como a inserção dessas células em complexas redes de relações que envolvem outros empreendimentos solidários, outros atores sociais da economia solidária e mesmo no mercado capitalista, em geral pouco amistoso em relação a esta forma de organização do trabalho e gestão.