• Nenhum resultado encontrado

Pode-se dizer que um dos aspectos de maior destaque, configurando-se também como um importante diferencial em relação às políticas de ensino de línguas estrangeiras nas escolas municipais até então, é a ênfase atribuída à oralidade no Programa Rio Criança Global. Nesse sentido, é válido destacar que os documentos oficiais para o

ensino de línguas apontavam até pouco tempo atrás a leitura ou compreensão escrita como a habilidade a ser priorizada no ensino de línguas estrangeiras:

Com exceção da situação específica de algumas regiões turísticas ou de algumas comunidades plurilíngües, o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado à leitura de literatura técnica ou de lazer. Note-se também que os únicos exames formais em Língua Estrangeira (vestibular e admissão a cursos de pós-graduação) requerem o domínio da habilidade de leitura. Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato. (BRASIl, 1998, p. 20)

Por outro lado, as diretrizes que norteiam o PRCG apontam as quatro habilidades linguísticas como objeto de ensino e aprendizagem das línguas estrangeiras, ressaltando como seu objetivo fundamental o de fomentar um “maior acesso às informações globais via web e também maior interação com o público esperado para os Jogos Rio 2016: turistas e delegações” (Rio de Janeiro, 2010).

Essas diretrizes que levam em consideração de forma clara a oralidade são encontradas na BNCC de 2017, que, no entanto, preconiza o inglês como língua única a ser ensinada obrigatoriamente, como já dito mais acima no presente artigo:

O eixo Oralidade envolve as práticas de linguagem em situações de uso oral da língua inglesa, com foco na compreensão (ou escuta) e na produção oral (ou fala), articuladas pela negociação na construção de significados partilhados pelos interlocutores e/ou participantes envolvidos, com ou sem contato face a face. Assim, as práticas de linguagem oral presenciais, com contato face a face – tais como debates, entrevistas, conversas/diálogos, entre outras –, constituem gêneros orais nas quais as características dos textos, dos falantes envolvidos e seus “modos particulares de falar a língua”, que, por vezes, marcam suas identidades, devem ser considerados. (BNCC 2017, p. 242-243)

Nota-se, portanto, que o Programa Escolas Bilíngues da SME-RJ vai ao encontro do que se propõe atualmente para o ensino de línguas adicionais na educação básica, mas vai além, pois não abre mão do plurilinguismo, tendo em vista as diferentes línguas e culturas presentes no Projeto: Inglês, Espanhol, Francês e Alemão. Uma vez

que cada escola se apresenta como Escola Bilíngue em Língua Inglesa, Escola Bilíngue em Língua Espanhola e assim por diante, é importante descrevermos os principais pressupostos que fundamentaram e vêm norteando o Programa, principalmente os ligados aos conceitos de língua/ linguagem e educação bilíngue.

Como base para a discussão sobre bilinguismo, plurilinguismo e interculturalidade, temos o conceito de língua, o qual perpassa os diferentes documentos e decretos que descrevem e regulamentam o Programa, além de fundamentar o debate que alicerça a construção dos projetos político-pedagógicos e a estrutura curricular de cada língua, e as discussões em todos os encontros de formação docente, outro eixo essencial do Programa. Partindo de uma concepção bakhtiniana de língua/ linguagem, a língua é tomada como prática e ação, indissociável da agência humana. Pensada dessa forma, como uma atividade social, a língua é essencialmente dialógica, ideológica e discursiva (BAKHTIN, 2000). No que concerne ao conceito de bilinguismo e à própria concepção de educação bilíngue, Mello (2010) chama atenção para a complexidade desse campo, tanto em termos teóricos quanto práticos: “Grosso modo, as questões que permeiam a educação bilíngue são complexas; os conceitos e pressupostos difusos e variados, muitos dos quais se sobrepõem ou não apresentam contornos claramente definidos.” (MELLO, 2010, p. 118-119).

Apesar da complexidade e dificuldade em se caracterizar o objeto em si, assim como em se definir formatos e objetivos de ensino, o parecer do Conselho Municipal de Educação, publicado em Diário Oficial (Nº 54, Rio de Janeiro, 2018), justifica a implantação de um Programa Bilíngue a partir das séries iniciais do Ensino Fundamental, apontando os seguintes benefícios:

Pesquisadores asseguram que aprender uma segunda língua na infância desenvolve diversas capacidades cognitivas, sendo uma delas aquela relacionada à atenção. Afirmam, também, que aumenta a sociabilidade, a facilidade de comunicação e a autoestima. Esse processo decorre da velocidade com que o cérebro se desenvolve, frente aos estímulos que aumentam as conexões neuronais, facilitando, dessa forma, a aprendizagem nessa fase do desenvolvimento. (DOM-RJ 2018, p.45)

Dessa forma, a principal premissa a nortear o Projeto Bilíngue desde sua criação, e que marca um importante ponto de diferenciação para o ensino da língua adicional em contextos regulares na escola pública, é a busca pela integração de conteúdos de diferentes áreas do currículo. Em outras palavras, a língua adicional envolve a abordagem dos temas transversais em cada escola, sendo usada não apenas para comunicação, mas também para o aprendizado de determinados conteúdos. Assim, o mesmo documento supracitado elenca os seguintes princípios norteadores para o Programa de Escolas Bilíngues no município do Rio de Janeiro:

I considerar a função e o uso social da língua adicional para o planejamento, considerando o assunto/tema da aula; II ter como objetivo o desenvolvimento de habilidades para o efetivo uso da língua adicional, bem como as habilidades relativas à determinada área do conhecimento (conforme o assunto/tema das aulas); III promover o desenvolvimento de habilidades receptivas e produtivas na língua adicional; IV adotar uma perspectiva discursiva da língua, afastando- se do trabalho voltado, exclusivamente, para a aprendizagem de gramática e léxico; V refletir o entendimento da natureza sociointeracional da aprendizagem com abordagens metodológicas que promovam vivências e interações na língua adicional; e VI considerar igualmente importantes os aspectos afetivos, cognitivos e culturais do processo de ensino-aprendizagem (DOM-RJ 2018, p.60).

O parecer do CME ainda apresenta algumas classificações que apoiam a definição de uma escola bilíngue, como por exemplo “a existência de acordo cultural entre o Brasil e o país correspondente ao idioma oferecido como “segunda língua pátria”, que hoje se denomina língua adicional”. O documento ressalta, além disso, o fato de os artigos 12, 26 e 31 da LDB representarem um importante amparo ao Projeto, uma vez que admitem a possibilidade das escolas se estruturarem de forma diversificada e flexível, reconhecendo a autonomia de sua organização para a construção coletiva de cada projeto pedagógico.

Passaremos a abordar no próximo tópico, mais especificamente, o Projeto de Escolas Bilíngues com ensino de Língua Alemã: as escolas e os parceiros envolvidos, o processo de reunião e formação continuada do corpo docente e a construção de seu projeto pedagógico.

PROJETO ESCOLAS BILINGUES COM ENSINO DE ALEMÃO;