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Em nosso quadro teórico, recorremos aos conceitos advindos da Análise do Discurso de base enunciativa (MAINGUENEAU 1997, 2002, 2008a, 2008b, 2015) e às reflexões de Foucault (2008) sobre discurso para encaminhar nossa discussão.

A noção de discurso é um dos conceitos basilares para essa corrente teórica e sua formulação foi influenciada pelas contribuições de Michel Foucault. Para o filósofo francês (2008), o discurso, dependente da materialidade linguística, não é o entrecruzamento de coisas e palavras, uma superfície entre uma realidade e uma língua, antes são práticas, sustentadas por um conjunto de regras, que formam sistematicamente os objetos de que falam. Essas regras determinam as formações discursivas, definidas como “princípio de dispersão e de repartição, não das formulações, das frases, ou das proposições, mas dos enunciados (no sentido que dei à palavra), o termo discurso poderá ser fixado: conjunto de enunciados que se apoia em um mesmo sistema de formação” (FOUCAULT, 2008, p. 127). Dito de outra forma, as formações discursivas

regulam o que pode ou não pode ser dito, dentro de determinado campo e de acordo com a posição ocupada pelo sujeito nesse campo de saber.

Por isso, conforme Maingueneau (2008b) sugere, as formações discursivas devem ser vistas sempre dentro de um espaço discursivo, isto é, sempre em relação, em concorrência, delimitando-se em uma região determinada do universo discursivo, diante do propósito do analista. As formações discursivas funcionam, portanto, como “matriz de sentido”, fazendo com que as significações captadas pelo falante lhe pareçam naturais (FISCHER, 2001). Desnaturalizar o que é dado como óbvio, mostrar que os sentidos não são dados a priori, antes, são produzidos discursivamente, é justamente a tarefa do analista do discurso.

Em relação à definição de discurso, Maingueneau concorda com o filósofo francês quando este defende a opacidade do discurso, a saber, que não é algo redutível à língua, nem a instâncias sociais ou psicológicas. Ou ainda que o discurso não é um dado, mas “sustentado por um ruído de práticas obscuras que o configuram e o fazem circular segundo trajetórias que se confundem com seus múltiplos modos de existência” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 32).

A partir dessas ideias e de outras advindas de correntes teóricas que permeiam o coletivo das ciências humanas e sociais, o analista do discurso concebe seu entendimento de discurso como uma dispersão de textos, no qual o modo de inscrever-se na história permite definir como um espaço de regularidades enunciativas. Assim, o discurso é marcado por um sistema de regras que define a especificidade de uma enunciação.

Dito isso, para procedermos à análise de nosso objeto de investigação, recorremos a algumas categorias analíticas propostas por Maingueneau e por Cervoni, linguista que se dedica aos estudos da Semântica e da Pragmática. Considerando as reflexões de pesquisa que serão retomadas neste capítulo, limitar-nos-emos a teorizar as seguintes categorias: cenas de enunciação, ethos e modalidade. Entretanto, antes de teorizá- las, faz-se oportuno discutir o conceito de gêneros do discurso relevante para a AD e retomado em nossas análises.

A AD atribui um papel central ao gênero discursivo, que opera a articulação entre texto e situação de comunicação; é, pois, um dispositivo de comunicação, ao mesmo tempo social e verbal, historicamente situado. Maingueneau (2015) sustenta que os gêneros do discurso só adquirem sentidos quando integrados aos tipos de discurso, que designam práticas discursivas relacionadas a determinadas esferas das atividades da sociedade. Os tipos de discursos agrupam os gêneros estabilizados por uma mesma finalidade social, entendidos também como instituições de palavras socialmente reconhecidas.

Nesse sentido, importa apreender um dizer no entrelaçamento do linguístico com o extralinguístico, ou seja, o dito não é apenas um fragmento de uma língua desta ou daquela formação discursiva, é uma amostra de certo gênero do discurso cujo funcionamento é regulado por um contrato específico que define seu ritual. Apreender um gênero e os sentidos que se produzem engloba articular o linguístico com o “como dizer” ao conjunto de fatores do ritual enunciativo. Nas palavras de Maingueneau (1997, p.36), “não existe, de um lado, uma forma, e, do outro, as condições de enunciação”.

É significativo pontuar que todo gênero está submetido a um conjunto de condições de êxito – finalidade reconhecida, estatuto dos parceiros legítimos, lugar e momento legítimos, suporte material e organização textual - que não podem ser desconsideradas ao longo de um processo de análise; caso contrário, corre-se o risco de ficar aquém das exigências que fundam esta corrente teórica.

Maingueneau (2002, p. 87) assevera que “todo discurso, por sua manifestação mesma, pretende convencer instituindo a cena de enunciação que o legitima”, entretanto, a cena instituída não impede ao leitor ou ouvinte de identificar o tipo e o gênero do discurso. A cena de enunciação envolve três níveis: cena englobante, cena genérica e cenografia.

A cena englobante refere-se ao tipo de discurso, como, por exemplo, religioso, político ou publicitário, atribuindo ao discurso um estatuto pragmático. É a cena englobante que permite ao coenunciador situar-se para em seguida interpretá-lo. A cena genérica corresponde ao gênero ou ao subgênero do discurso que implica um contexto

específico, como, “papéis, circunstâncias [em particular, um modo de inscrição no espaço e no tempo], um suporte material, uma finalidade, etc.” (MAINGUENEAU, 2008b, p. 116). Essas duas cenas já são suficientes para determinar o espaço estável no qual o enunciado ganha sentido, visto que estabelecem o tipo e o gênero do discurso.

Por fim, a terceira cena é a cenografia com a qual o leitor ou o ouvinte se depara. É a cena de fala que se institui e autoriza a enunciação de um discurso, não é imposta pelo tipo ou gênero de discurso, ela se institui pelo próprio discurso. Posto isso, “a cenografia é ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima um enunciado que [...] deve legitimá-la, estabelecendo que essa cenografia onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para enunciar como convém” (MAINGUENEAU, 2002, p. 87-88). Nem todos os gêneros constituem uma cenografia, limitam-se a sua cena genérica, o que não impede a produção dos efeitos de sentido e a compreensão da imagem que se constrói do enunciador.

Em AD, essa representação do enunciador denomina-se ethos. É uma instância subjetiva que se manifesta por meio do discurso como uma “voz” a qual se pode atribuir um “corpo enunciante” historicamente especificado e situado (MAINGUENEAU, 2008b). Isto é, “por meio da cenografia discursiva cria-se uma dimensão interativa que dá ‘vocalidade’, ‘caráter’ e ‘corporalidade’ ao enunciador” (DAHER, 2007, p. 60), o que possibilita a adesão dos sujeitos a determinados posicionamentos, uma vez que se convoca o destinatário a ocupar um lugar, inscrito na cena de enunciação que o texto implica.

Corroborando o já dito, Maingueneau (2008b) destaca que a noção de ethos não pode ser entendida apenas como um meio de persuasão, é parte integrante da cena de enunciação; não podendo assim dissociar a organização de seus conteúdos e do modo de legitimação de sua cena de fala.

Ademais das categorias descritas, foi-nos útil também o conceito de modalidade de Maingueneau (2002) e de Cervoni (1989). De acordo com o analista do discurso, “todo enunciado possui marcas de modalidade” (MAINGUENEAU, 2002, p. 107) e indica a atitude do enunciador frente ao seu dizer ou a relação que este estabelece com seu coenunciador, intermediado pelo ato enunciativo.

Em outras palavras, é possível distinguir na materialidade linguística o conteúdo proposicional e o ponto de vista do enunciador sobre este conteúdo (CERVONI, 1989). O semanticista advoga que esse conceito de modalidade pertence tanto aos linguistas quanto aos lógicos, que a categorizaram em três grupos: aléticas, epistêmicas e deônticas. Para as discussões as quais nos propomos, neste artigo, interessa-nos a modalidade deôntica que nos remete ao eixo da conduta e apresenta um espectro de significação, passando pelo obrigatório, proibido, necessário e permitido.

Na seção seguinte, dedicamo-nos a apresentar algumas de nossas reflexões de pesquisa referentes ao Decreto Municipal nº 31187/2009 (RIO DE JANEIRO) e à circular E/SUBE/nº 08/2015, que nos permitiram compreender o processo de reconfiguração do ensino das Línguas Estrangeiras.