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1.1 A IDEIA DE CIDADANIA

1.1.1 Educação, Cidadania e Democracia no Brasil

A democracia e a educação democrática se fundam na crença do homem, na crença de que elas não somente podem como também devem discutir seus problemas, o problema de seu país, de seu continente, do mundo, os problemas de seu trabalho, os problemas da própria democracia (Paulo Freire).

No Brasil, o debate sobre a questão da cidadania girou em torno da discussão sobre as virtualidades e perspectivas da consolidação democrática no país. Discutiram-se as características da cidadania excludente ou “regulada”, assim como os empecilhos à extensão da cidadania, decorrentes de nossa tradição oligárquica, autoritária, populista, clientelista e corporativista. No campo dos direitos políticos, do cidadão e da cidadã, são bem conhecidos a crítica à representação política e ao sistema eleitoral.

A discussão acerca da noção de cidadania permanece associada a dois temas correlatos: a) o aperfeiçoamento dos direitos políticos do cidadão pela implementação de mecanismos de democracia semidireta como referendo, plebiscito e iniciativa popular, acolhidos na nova Constituição brasileira (1988); b) a educação política do povo como elemento indispensável da democracia e da cidadania.

Para Maria Victória de Mesquita Benevides (1994), a noção de cidadania no Brasil mantém certa dose de ambiguidade tanto na vertente progressista, da esquerda, quanto na vertente conservadora, da direita. Para a esquerda, muitas vezes, cidadania é apenas a aparência de democracia, porque discrimina cidadãos de primeira, segunda e terceira classes, reforçando, então, a desigualdade. Por outro lado, para a direita, a cidadania, por implicar a ideia de igualdade, mesmo que seja apenas igualdade jurídica, torna-se indesejável e até ameaçadora, pois as elites necessitam, para a manutenção de seus privilégios, o reconhecimento explícito da hierarquia entre superiores e inferiores, consideram a desigualdade legítima e natural.

A teoria constitucional moderna define o cidadão como o indivíduo que tem vínculos jurídicos com o Estado. É o portador de direitos e deveres fixados por uma determinada estrutura legal - Constituição, leis - que lhe confere a sua nacionalidade. Cidadãos são, pelo menos em tese, livres e iguais perante a lei, porém, súditos do Estado. Nos regimes democráticos, entende-se que os cidadãos participaram ou aceitaram o pacto fundante da nação ou de uma nova ordem jurídica.

No quadro da democracia liberal, a cidadania corresponde ao conjunto das liberdades individuais - direitos civis. Com o advento da democracia social, acrescentou àqueles direitos do indivíduo os direitos trabalhistas, ou direitos sociais reclamados ao Estado, tais como: educação, saúde, segurança, previdência social, etc. Em ambos os casos o cidadão é titular de direitos e liberdades em relação ao Estado.

Por essa razão, a democracia é entendida como o regime da soberania popular, porém, com pleno respeito aos direitos das minorias, com pleno respeito aos direitos humanos. No quadro do liberalismo, o cidadão exerce seus direitos sempre em relação ao Estado ou a outrem, fora do aparelho estatal.

As formas da democracia semidireta trouxeram outra dimensão à cidadania. O cidadão passou a ser concebido como sendo, além de um sujeito que exerce direitos, cumpre deveres ou goza de liberdades, em relação ao Estado, também, como titular, ainda que parcialmente, de uma função ou poder público. Essa possibilidade de participação direta, no exercício do poder político, confirma a soberania popular como elemento principal da democracia e reforça a relevância de se somarem direitos políticos aos direitos sociais.

Segundo Marilena Chauí (1984), cidadania se define pelos princípios da democracia, significando necessariamente conquista e consolidação social e política. A cidadania exige instituições, mediações e comportamentos próprios, constituindo-se na criação de espaços sociais de lutas e na definição de instituições permanentes para a expressão política, como partidos, legislação e órgãos do poder público.

Chauí (1984) diferencia a cidadania passiva (aquela que é outorgada pelo Estado, com a ideia moral do favor e da tutela) da cidadania ativa (aquela que institui o cidadão como portador de direitos e deveres, mas, essencialmente, criador de direitos para abrir novos espaços de participação política). No Brasil, predominou a cidadania passiva – excludente,

típica de sociedades desiguais e autoritárias. Na realidade, para autora, no Brasil nunca tivemos reformas sociais visando à cidadania ativa.

Benevides (1994) compreende a cidadania ativa a partir dessa concepção, discutindo a possibilidade, no Brasil, de se ampliar os direitos políticos para a participação direta do cidadão e da cidadã, no processo das decisões de interesse público. É nesse sentido, que a autora faz a defesa dos mecanismos institucionais: referendo, plebiscito e iniciativa popular, inseridos na nova Constituição brasileira (1988), entendendo-os como corretivos necessários à representação política tradicional e como um aperfeiçoamento dos direitos políticos do cidadão, que já o exerce participando do processo eleitoral para o Executivo e o Legislativo. Benevides discute a participação política através dos canais institucionais, no sentido mais abrangente: a eleição, a votação e a apresentação de projetos de lei ou de políticas públicas.

Dessa maneira, a educação política é fator essencial para a participação popular, aqui entendida como uma “escola de cidadania” e que se processa, na prática, pois se aprende a votar, votando e a participar, participando (BENEVIDES, 1991). Portanto, pode-se considerar que apesar de a cidadania ser um ideal a se alcançar, ela não garante as condições de justiça social e, em vez, do simples reconhecimento legal da existência dos indivíduos, hoje a cidadania parece ser uma exigência de homens concretos.

Assim, formar para a cidadania significa formar para viver em sociedades de classes, seguindo padrões de uma cultura política necessária à existência de um mínimo consenso social. É sobre esta “cultura” que a educação vai ter de ser pensada. Educar o homem para a cidadania não é mais um dilema, mas um imperativo social.

A temática da formação da cidadania mantém-se na atual legislação de ensino. A partir de determinados pressupostos, o Estado define a formação do cidadão como: um dos fins da educação, atribuindo às instituições de ensino, públicas e privadas, o dever de dotar os jovens de condições básicas para o exercício consciente da cidadania (Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96).

A educação política para a cidadania é um tema tão antigo quanto o da democracia. Para o pensamento político clássico a principal tarefa dos governantes era a de propiciar a educação política para o povo. A formação da sociedade pressupunha um povo “adulto” na política e não tutelado. Atualmente, se tomarmos o eixo da democracia como efetiva

soberania popular, a educação política significa a educação para a participação ou, em outras palavras, para a cidadania ativa.

A noção de cidadania, na teoria democrática, está “ancorada” na definição legal dos direitos e deveres que a constituem. Existem dois eixos centrais do debate teórico, ideológico e político; são eles:

a) A natureza dos “sujeitos”, que se refere à visão liberal individualista, com propostas significativas apontando para a revisão da relação entre o sujeito individual e os direitos coletivos;

b) O conteúdo dos “direitos”, que se refere à existência de direitos “universais” e à relação entre direitos humanos, civis, políticos, econômicos, sociais e coletivos. Esses eixos foram e continuam sendo a base dos debates e das lutas sociais quanto à definição do cidadão, distinguindo-o dos não-cidadãos, ou seja, dos excluídos.