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Em um Estado democrático, cabe ao direito, o papel normativo de regular as relações interpessoais, as relações entre os indivíduos e o Estado, entre os direitos civis e os deveres cívicos, entre os direitos e deveres da cidadania, assim, definindo as regras do jogo da vida democrática. A cidadania poderá, dessa forma, cumprir um papel libertador e contribuir para a emancipação humana, abrindo “novos espaços de liberdade” (GUATARRI, 1990; VIEIRA, 1999), por onde ecoarãoas vozes de todos aqueles que em nome da liberdade e da igualdade, sempre foram silenciados.

O poder do Estado pode refletir um projeto político específico. Já que o Estado é uma arena que não expressa somente às vicissitudes das lutas sociais, mas também, as tensões dos acordos e desacordos de forças sociais, isto é, as contradições e dificuldades em estabelecer uma ação unificada e coerente, marcada pelos parâmetros centrais, de um projeto político específico. Segundo Carlos Alberto Torres: “Toda política pública, ainda que parte de um projeto de dominação, reflete, como arena de luta e como caixa de ressonância da sociedade civil, tensões, contradições, acordos e desacordos políticos, às vezes de grande magnitude” (TORRES, 1995, p. 110).

Para examinar o papel que o Estado desempenha nesse processo, recorre-se ao conceito de Estado de Claus Offe (1984). O Estado é definido por esse autor como um sistema administrativo autorregulado. É a condensação de um conjunto de bases, de dispositivos legais e de instituições formais que se cristalizaram, historicamente, na sociedade capitalista. Todavia, o Estado capitalista não responde, necessariamente, a quem exerce o governo de um regime político determinado, tampouco, aos ditames dos setores ou das classes dominantes. O Estado, como parte fundamental do pacto de dominação e como um sistema administrativo autorregulado, exerce um papel central como mediador, no contexto da crise do capitalismo, especialmente, nas contradições entre o processo de acumulação e de legitimação.

A discussão sobre a teoria do Estado é relevante para a educação, não apenas porque as definições dos problemas educacionais e suas soluções dependem, em grande parte, das teorias do Estado, como, também, porque as novas modalidades de ação estatal, muitas vezes, definida como estado neoliberal refletem uma mudança significativa, na lógica da ação pública do Estado, na América Latina. Esta mudança no caráter do Estado, também, pode refletir novas visões da natureza e alcance do pacto democrático, como as características que a

educação e a política educacional deverão possuir no contexto da globalização mundial do capitalismo (TORRES, 1995).

O neoliberalismo é uma concepção de mundo surgida, no início do século XX, como um contraponto à predominância das políticas estatizantes de influência socialista e das políticas social-democráticas de influência keynesiana. Da década de 1930 a década de 1970, a produção teórica neoliberal ficou restrita aos muros das universidades e das instituições de pesquisa (HOLANDA, 1998). Com a crise do capitalismo, o neoliberalismo ressurge como, uma saída política, econômica, jurídica e cultural, específica, para a crise hegemônica que atravessa a economia capitalista, como produto do esgotamento do regime de acumulação fordista, iniciado a partir do fim dos anos 1960 e começo dos 1970 (GENTILI, 1995).

Com a eleição de Margaret Thatcher, na Inglaterra e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, o neoliberalismo chegou ao poder iniciando-se uma campanha em busca da hegemonia ideológica no mundo. Com a simbólica queda do Muro de Berlim e com a desintegração da União Soviética, os neoliberais anunciaram, euforicamente, a “vitória definitiva” da economia de mercado que significava a conjunção do liberalismo econômico com o liberalismo político.

Na teoria neoliberal, economia e política não são questões separadas, pois existe entre elas uma relação íntima. A economia, no entanto, é tratada como um fim em si mesmo e como um instrumento indispensável para a obtenção da liberdade política, em outras palavras, sem liberdade econômica não há liberdade política. Entretanto, para o neoliberalismo, a grande ameaça à liberdade está constituída pela concentração de poder, só podemos, então, nos beneficiar das vantagens de ter um governo e, respectivamente, evitar a ameaça à liberdade, se limitarmos e descentralizarmos o poder governamental.

O neoliberalismo defende um Estado de direito, como forma de assegurar a ordem e a necessidade do governo como árbitro, que interpreta e põe em vigor as regras estabelecidas constitucionalmente. Isso significa que todas as ações governamentais devem ser geridas por normas, previamente, constituídas e divulgadas, permitindo que o conjunto da sociedade, tenha consciência de como e quando o governo pode usar de seus poderes coercitivos, e permitindo a cada indivíduo, o planejamento de suas atividades e o uso de sua liberdade com base no contrato social.

Portanto, o Estado Neoliberal, ou o neoliberalismo são os termos empregados para designar um novo tipo de Estado, que surgiu, nas últimas décadas do século XX, vinculados às experiências de governos neoconservadores como: o de Margaret Tatcher, na Inglaterra; de Ronald Reagan, nos EUA, ou Brian Mulrony, no Canadá. Na América Latina, a primeira experiência, de neoliberalismo econômico, está associada com a política econômica do General Pinochet. Com algumas peculiaridades, o modelo neoliberal se expandiu pelo continente latino-americano.

Os governos neoliberais propõem noções de mercados abertos e tratados de livre comércio, a redução do setor público e diminuição do intervencionismo estatal, na economia e na regulação do mercado. Vera Larissa Lomnitz e Ana Melnick (1998) assinalam que o neoliberalismo está associado com os programas de ajuste estrutural que se definem como um conjunto de programas e políticas recomendadas pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e outras organizações financeiras.

O modelo de estabilização e ajuste tem resultado em uma série de medidas e recomendações de política pública, incluindo a redução do gasto governamental, desvalorizações da moeda para promover a exportação, a redução das tarifas para importações e um aumento das poupanças públicas e privadas.

Um aspecto central deste modelo é a redução drástica do setor estatal, principalmente, através das privatizações das empresas estatais, a liberalização de salários e preços, a reorientação da produção industrial e agrícola para exportação. A tarefa desse pacote de política pública é, em curto prazo, a redução do tamanho do déficit fiscal e do gasto público, da inflação, das taxas de câmbio e das tarifas.

O paradigma neoliberal tem como bandeira a privatização crescente das empresas públicas e a diminuição da área de atuação do Estado. Essa concepção define o Estado como: promotor de políticas sociais compensatórias, para assistir aos que não conseguem inserir-se adequadamente no mercado. Como regra básica, valem as relações de mercado que, além de constituírem a estratégia, fundamental, produtiva representam a salvaguarda das liberdades, corporificadas, essencialmente, na livre iniciativa.

A lógica do pensamento neoliberal está no conflito entre a liberdade individual e a democracia. Segundo Friedrich Hayek (1983), a potencialização da liberdade está em

proteger-se o sistema de mercado, necessário e aceitável para a existência da liberdade dos indivíduos. Assim, o mercado deve ser protegido contra o Estado e, também, da tirania das maiorias.

O cidadão, para a teoria política neoliberal, tem o poder de decidir, através do voto, sobre bens que não lhe pertencem, o que gera conflitos com os proprietários desses bens; pois esse sistema é uma maneira de distribuição de renda. Conforme Hayek (1983), a democracia faz um verdadeiro saque à propriedade alheia; portanto, como na maioria dos casos, não é possível suprimir, totalmente, a democracia (eleições, voto, partidos), o esforço se dá no sentido de esvaziar o seu poder. O autor argumenta que, a única função da democracia é proteger a propriedade e os indivíduos: “a democracia é essencialmente um meio, uma invenção utilitária para salvaguardar a paz interna e a liberdade individual. Como tal ela não é de modo nenhum infalível”(HAYEK, 1984, p. 113).

Nem, por isso, o neoliberalismo prega que se combate o Estado em si, pois o considera um mal necessário, até mesmo, para coibir as mazelas do mercado, considerado impiedoso, frente aos mais fracos, aos mais pobres e aos com menos instrução. As políticas sociais são tipicamente compensatórias, porque têm seu julgamento decretado, pelas relações de mercado, inclusive, no que concerne à educação, porque ela será relevante, na medida em que significar apoio à capacidade competitiva.

Contudo é preciso ressaltar que Hayek não era adepto do laissez faire, como muitos lhe atribuem. Para ele a questão é:

[...] se o Estado deveria ou não “agir” e “intervir” estabelece uma alternativa inteiramente falsa, e o termo laissez faire é uma definição das mais ambíguas e ilusórias dos princípios em que se baseia a política liberal. Está claro que todo o Estado tem de agir, e toda a ação do Estado implica intervir nisto ou naquilo. Mas não é isso que importa. A questão importante é se o indivíduo pode prever a ação do Estado e fazer uso deste conhecimento como uma base para os seus planos particulares (HAYEK, 1984, p. 26).

No entanto, deve ser salientado que a ideia de Estado Mínimo não corresponde à de um Estado fraco. Ao contrário, o Estado necessita ser forte para assegurar o cumprimento das leis necessárias à livre competição, à proteção da nação contra os inimigos externos e à promoção da difusão das idéias integradoras da sociedade. Por isso, a nova direita é a expressão mais clara do neoliberalismo.

Para Michael Apple (1996), muitas das políticas direitistas que ganharam agora centralidade na educação e em, praticamente, todas as esferas sociais, corporificam uma contradição, entre a ênfase neoliberal nos “valores de mercado” e ao apego neoconservador nos “moldes tradicionais”. Por um lado, a defesa de um Estado Mínimo, propiciado pelo afrouxamento das leis sobre a empresa privada; por outro, a defesa de um Estado forte, no que concerne às normas e aos valores tradicionais.

Conforme Hobsbawn (1995), o século XX se caracteriza como uma “era de extremos” e de violência, que se iniciou em 1914 com a Primeira Guerra Mundial e finalizou em 1991. Vivemos numa época de transição, de crise do capitalismo, dos paradigmas e do Estado, para a qual o neoliberalismo, se apresenta como a única alternativa para seus princípios e, consequentemente, todos a eles precisam se adaptar.

Segundo Gaudêncio Frigotto (1996), a conjuntura desse final de século explica as relações e práticas sociais engendradas por essas contradições. Iniciamos a última década do século XX, marcados por uma espécie de “síndrome do fim”, na qual a ideologia neoliberal consegue inverter de forma eficaz o sentido histórico de inúmeros conceitos.

Os acontecimentos desencadeados após 1989 - dentre eles a queda do Muro de Berlim, o colapso do socialismo real, o ressurgimento dos nacionalismos e fundamentalismos - demarcaram o fim de um período histórico determinado e de algumas crenças, que levaram os apologetas das relações sociais capitalistas, ou apóstolos do deus mercado a proclamarem o “fim da história”, das “classes sociais”, a emergência da sociedade do conhecimento e do “cidadão global”, o fim do proletariado e o surgimento do cognitariado, o fim das grandes utopias, das ideologias, da razão e a emergência do pós-modernismo.

O mundo tem testemunhado, recentemente, inquietantes transformações no rastro dos fluxos capitalistas: massivas aquisições e fusões, acompanhadas por uma contínua queda nos salários, que estão chegando aos seus níveis internacionais mais baixos; a eliminação da assistência à saúde, dos planos de previdência, das férias e de outros benefícios; jornadas de trabalho mais longas, a reestruturação do processo de trabalho, seguida por um enfraquecimento do sindicato dos trabalhadores; a transferência de postos de trabalho estáveis e industriais para empregos assalariados temporários e mal pagos no setor de serviços; a redução do investimento de capital de longo prazo e de grande escala. Tudo isso está ocorrendo “numa época em que o consumismo tem se tornado uma droga mundial e na qual a

dor extrema da pobreza é ‘trivializada’ por uma cultura que dá ao capitalismo uma ameaçadora face surrealista”(McLAREN, 1998, p.84).

Então, assinala-se, que não se almeja, somente, a reestruturação das esferas econômicas, social, política e cultural, mas, também, reelaborar e redefinir os próprios mecanismos de significação e representação, com o objetivo de criar um clima favorável ao projeto neoliberal. Busca-se criar um espaço em que se torne impossível pensar o econômico, o político e o social fora das categorias que justificam o arranjo social capitalista (SILVA, 1994).

Cabe ressaltar que os neoliberais, não negam a necessidade de um Estado, que participe, fortemente, em um sentido mais amplo, mas a forma histórica específica que assume a intervenção estatal, no período fordista. Por isso, propõe um novo padrão de intervenção, o do Estado mínimo. Entretanto, é importante ressaltar, que o Estado mínimo proposto é mínimo, somente, para as políticas sociais conquistadas no período do welfare state. Para David Harvey (1989), na realidade, o Estado é máximo para o capital, porque, além de ser convocado para regular as atividades do capital corporativo, no interesse da nação, tem, ainda, de propiciar um “bom clima para os negócios”, para atrair o capital financeiro transnacional e conter a fuga de capital para lugares mais lucrativos. De acordo com a análise de Harvey:

[...] mesmo os governos mais comprometidos com a lógica liberal não intervencionista têm sido grandes interventores a favor do grande capital, o que ressalta, mais uma vez, o caráter classista do Estado, que, ao mesmo tempo em que, se torna Estado mínimo para as políticas sociais e de distribuição de renda, configura-se como Estado máximo para o grande capital (HARVEY, 1989, p.159).

No entanto, para desconstruir o modo de regulação Keynesiano, os neoliberais precisam reconstruir um tipo, de intervenção estatal, mais violenta, tanto no plano material, como no plano simbólico. Esse exercício de força assume uma nova fisionomia, orientada a assegurar uma estabilidade política e ideológica.

Os neoliberais idealizaram e fazem apologia de um modelo de sociedade dualista, onde o Estado é pensado sem economia – Estado mínimo: instrumento de coerção encarregado da tarefa de proteger formalmente a vida, a liberdade e a propriedade – e, a economia é pensada sem a política, isto é, guiada pela espontaneidade dos desconfortos e desejos individuais. Como afirma Bresser Pereira:

[...] a utopia neoliberal certamente não é uma alternativa à utopia socialista. Não é sequer uma alternativa ao Estado do Bem-estar severamente criticado pelos neoliberais. Ao contrário, a principal inconsistência da proposta neoliberal de um Estado mínimo é não representar uma alternativa real para a sociedade (BRESSER- PEREIRA, 1992, p. 247).

O Estado neoliberal é um Estado forte, assim como são fortes os seus governos “mínimos” (GENTILI, 1995). Os neoliberais expressam a necessidade de se restabelecer a hegemonia da sociedade do livre mercado, no quadro atual do capitalismo, em um sentido global. É nesse contexto, que as estratégias políticas e culturais se legitimam.

Conforme Guilhermo O’Donnell (1991) e Francisco Weffort (1992), a opção da Nova Direita pelo mercado é um brutal desprezo pelas conquistas democráticas da maioria, isto é, pela democracia. Ela se reflete em novas formas de articulação política, orientadas por um processo de “des-democratização da democracia”, em outras palavras, de constituição de democracias delegativas que encerram, em si mesmas, a negação de qualquer princípio democrático - participativo de caráter equalizador.

Robert W. McChesney, na sua análise sobre a democracia declara que:

[...] para a democracia ser eficaz, a democracia exige que as pessoas sintam uma conexão com seus colegas cidadãos, e que essa conexão se manifeste por uma variedade de organizações e instituições que não estejam relacionadas com o mercado. Uma cultura política vibrante necessita que grupos comunitários, bibliotecas, escolas públicas, organizações de bairro, cooperativas, locais públicos, associações de voluntários e sindicatos proporcionem maneiras para que os cidadãos se reúnam, se comuniquem e interajam com seus colegas cidadãos. A democracia neoliberal, com sua noção do mercado para todos, visa esse setor. Em vez de cidadãos, ela produz consumidores. Em vez de comunidades, ela produz shopping centers. O resultado líquido é uma sociedade atomizada de indivíduos desinteressados que se sentem desmoralizados e socialmente incapazes. O que sobra é uma sociedade atomizada, de pessoas sem compromisso, desmoralizadas e socialmente impotentes. Em suma, o neoliberalismo é o inimigo primeiro e imediato da verdadeira democracia participativa, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o planeta, e assim continuará no futuro previsível (McCHESNEY, 2002, p. 5).

Para Peter McLaren (1998), o que hoje presenciamos é um ataque direto à própria possibilidade da democracia. A globalização tem colocado a democracia representativa, já corrompida por suas próprias contradições internas, em um estado de provação do qual tem se tornado impossível libertar-se. O capitalismo considerado, anteriormente, o oxigênio da democracia é agora tido como um perigo para a democracia.

Para alguns teóricos e para a grande maioria, dos cidadãos, em sua prática cotidiana, a democracia reduziu-se a um sistema eleitoral, para a escolha de representantes, seja uma elite (SCHUMPETER, 1942), seja uma poliarquia (DAHL, 1991). Parece evidente que, quando a democracia se reduz a um processo de seleção de dirigentes, é mais fácil que a poliarquia se transforme em oligarquia, uma vez que, embora possa haver mudanças nos “representantes”, as elites permanecem como essência da governabilidade da nação ou do Estado, e continuam, na realidade, porque decorrem de grupos que, mesmo competindo entre si, terminam constituindo-se como organizações fechadas, seletivas, pouco dadas à abertura pública e constantemente dependente das novas eleições.

Conforme Pérez Gómez (2001), quando a participação pública e política do cidadão restringem-se, exclusivamente, a acudir às eleições, a vida democrática da comunidade converte-se numa verdadeira “pantomima”, em mera aparência formal que pretende legitimar o exercício do poder pelos que, não importa com que meios, conseguem a maioria eleitoral.

De acordo com Nelson Werneck Sodré (1995), um regime, autenticamente democrático é incompatível com o neoliberalismo e vice-versa. Considerar que a democracia se restrinja ao ato eleitoral é mostrar desconhecimento da questão; pois a democracia é muito mais do que os atos eleitorais, admitindo que a legislação específica seja, na realidade, ampla, ou seja, que permita a livre manifestação da vontade popular.

A democracia é válida como sistema político porque se transforma num estilo de vida, tolerante com as diferenças e respeitoso com os direitos alheios. Este estilo de vida deve impregnar as interações humanas, de maneira que a gestão cotidiana da vida pública vá construindo modos de pensar e fazer, instituições e programas que facilitem os intercâmbios sociais em plano de igualdade e a expressão livre da criatividade e da diversidade individual e grupal. No entanto, parece que esta pretensão democrática é dificilmente compatível com uma forma de estabelecer intercâmbios econômicos que promovem a competitividade mais selvagem entre os indivíduos, em prol da rentabilidade pessoal e do benefício próprio.

Quando se canaliza a representação dos cidadãos através de instituições fechadas como os partidos políticos, e estes são regidos unicamente pelo critério da rentabilidade eleitoral para manter-se no poder, todo o compromisso da política, com a ética dissolve-se, os fins da democracia são substituídos pelos meios, e estes, convertidos em fins, legitimam qualquer recurso que demonstre eficaz ganhar a batalha eleitoral. A corrupção, a especulação, a

demagogia, a luta fratricida, o engano, ou o não cumprimento das promessas parece legitimado pelo bem supremo de ganhar as eleições, conseguir conquistar o poder e nele permanecer.

Na opinião de Gómez (2001), esta indiferença ética, este cinismo sem escrúpulo a serviço da rentabilidade eleitoral, que tem dominado a cultura política vigente (é preciso salvaguardar apenas aqueles partidos que a denunciam e atacam em seu comportamento externo e interno – partidos realmente democráticos) é a principal responsável pelo desprestígio da política e dos políticos nos sistemas democráticos atuais e de suas desastrosas consequências para a vida democrática.

José Saramago, na cerimônia de encerramento do Fórum Social Mundial (2002), assim, refere-se à questão da democracia:

O poder do cidadão, o poder de cada um de nós, limita-se, na esfera política, a tirar um governo de que não se gosta e a pôr outro de que talvez venha a se gostar. Nada mais. Mas as grandes decisões são tomadas em uma outra grande esfera e todos sabemos qual é. As grandes organizações financeiras internacionais, os FMIs, a Organização Mundial do Comércio, os bancos mundiais. Nenhum desses organismos é democrático. E, portanto, como falar em democracia se aqueles que efetivamente governam o mundo não são eleitos democraticamente pelo povo? Quem é que escolhe os representantes dos países nessas organizações? Onde está