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A educação pré-escolar no mundo: principais efeitos e benefícios na criança e na sociedade

Capítulo III: A Educação Pré-escolar

1- A educação pré-escolar no mundo: principais efeitos e benefícios na criança e na sociedade

As últimas três décadas do século XX ficaram, indubitavelmente, associadas á emergência dos movimentos sociais pro igualdade dos sexos. O papel das mulheres na sociedade e a educação das crianças trouxeram a educação pré-escolar para o centro de debates e de estudos pertinentes cujos resultados se revelaram, de certo modo, surpreendentes. O Jornal Oficial da União Europeia (2011/C 175/03) reconhece, também, que ―uma educação pré-escolar e cuidados para a infância de elevada qualidade trazem benefícios a curto e a longo prazo tanto às pessoas individualmente como à sociedade em geral‖. O mesmo jornal refere ainda que uma formação inicial de qualidade aumenta a equidade dos resultados educativos e reduz ―os custos para a sociedade em termos de perda de talentos e das despesas públicas com os sistemas social, de saúde e até de justiça‖ (Ibidem).

Em 1997, o Ministério da Educação português publicou A educação pré-escolar na União Europeia: política e oferta atuais, da rede Eurydice, onde estão compiladas as principais conclusões dos estudos mais pertinentes realizados mundialmente sobre educação pré-escolar, os seus efeitos e tendências mundiais que justificam as afirmações citadas anteriormente. Assim, e citando os mais relevantes:

Crahay, em 1989, constatou, num estudo levado a cabo pela IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement), que as crianças que frequentam instituições de educação pré-escolar, nem sempre são filhos de mães trabalhadoras. Na realidade países como Hong Kong, Bélgica, Itália e Espanha, a taxa de frequência destas instituições é mais elevada que a taxa de mães trabalhadoras mas ―a percentagem de mães que sublinham o valor educativo desses recursos é elevada‖ (Eurydice, 1997, p. 11). Isto é, as famílias recorrem mais à educação pré-escolar institucional por acreditarem nos seus benefícios e não propriamente por terem problemas de guarda dos filhos.

Schweinhart e Weikart (1980,1985 e 1993) constataram que as crianças de minorias étnicas que beneficiavam de ―educação pré-escolar tinham muito mais sucesso (escolar) do que as condiscípulas que ficavam em casa com a família‖ (Ibidem, p.12). No entanto, estes autores alertaram ainda para o facto desses efeitos se desvanecerem rapidamente.

Estas conclusões foram igualmente percecionadas por Lazar, em 1977, quando analisou

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autor a frequência em programas de educação pré-escolar influencia favoravelmente o quociente intelectual das crianças mas por um período de duração curto (dois ou três anos). Curto mas significativo pois é suficiente para que a criança adote outras aspirações e atitudes num período altamente crítico: o da entrada no primeiro ciclo.

A influência positiva da educação pré-escolar no percurso académico da criança deve ter continuidade pois os seus efeitos estão, assim, dependentes do funcionamento e da qualidade do ensino do primeiro ciclo.

Contudo, é óbvia a existência de outros fatores intermédios que acabam por exercer também a sua influência, sendo o mais evidente, o meio onde estão inseridas as crianças. Para que a influência positiva da educação pré-escolar tenha um efeito contínuo e sólido, as crianças devem contar com o apoio complementar da família no reforço da sua motivação. Uma família que reconhece e respeita o sistema escolar consegue influenciar as prestações académicas das crianças que, por sua vez, se sentem mais motivadas.

Se estes estudos confirmam os benefícios da educação pré-escolar nas classes mais desfavorecidas, Osborn e Milbank, em 1989, comprovaram os mesmos efeitos benéficos em qualquer criança independentemente do meio social de pertença, apesar das vantagens se revelarem ligeiramente maiores nas crianças oriundas de classes sociais mais desfavorecidas.

Nos Estados Unidos, inclusivamente, foi possível verificar uma diminuição dos comportamentos delinquentes e um aumento no prosseguimento dos estudos.

A educação pré-escolar pode, tal como reconhece o Jornal Oficial da União Europeia (2011/C 175/03) ―contribuir para quebrar o ciclo vicioso de desfavorecimento e desmotivação que, muitas vezes, leva ao abandono escolar precoce e à transmissão da pobreza entre gerações‖

Outra conclusão pertinente para a valorização da educação pré-escolar, e para o seu contributo no sucesso académico das crianças, chega de estudos realizados por Nieman e Gastright (1975), Duthoit (1988), Jarouse, Migat e Richard (1992) e Anderson (1992, referidos em Eurydice, 1997).Tais estudos mostram que quanto maior é o número de anos de frequência na educação pré-escolar, mais baixas são as taxas de repetência no primeiro ano do primeiro ciclo, ―para todas as categorias socioeconómicas mas, em termos absolutos, as vantagens são mais significativas nas camadas sociais mais desfavorecidas, que têm as mais elevadas taxas de repetência‖ (Ibidem, p. 21). Além disso, ―a decisão de inscrever a criança num centro de

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educação pré-escolar por um período de tempo mais longo é um bom indicador do grau de importância que a família atribui à escola‖ (Ibidem, p.21).

Em suma: a educação pré-escolar estimula o desempenho intelectual das crianças e altera as perceções que a família tem em relação ao seu potencial. Por sua vez, estas perceções levam a família a apoiarem o processo de aprendizagem das crianças e são reflexo da qualidade da oferta educativa. ―Um serviço de qualidade terá maior influência nas representações dos pais (…) quando as estruturas têm qualidade, a educação pré-escolar tem efeitos mais duradouros sobre o desempenho social e cognitivo das crianças‖ (Ibidem, p. 29).

Esta qualidade educativa traduz-se pela qualidade das estruturas: da dimensão dos grupos e o rácio adulto/criança, o modelo seguido na persecução educativa, a formação da equipa educativa e a participação das famílias em contexto escolar.

Apesar de analisados os impactos cognitivos de diferentes programas seguidos na prática da educação pré-escolar um pouco por todo o mundo, foi possível verificar a sua irrelevância no sucesso académico das crianças, uma vez que diferentes programas não implicaram diferenças significativas de resultados.

Porém, o relatório da rede Eurydice refere estudos de Bruner (1980), de Clark-Stewart (1982) e de Palmerus (1991), para justificar que a dimensão do grupo, bem como o rácio adulto/criança influenciam o trabalho desenvolvidos pelas educadoras. Deste modo, quanto maior o número de pessoas encarregadas de um grupo de crianças maior é o número de atividades educativas apresentadas diminuindo o simples cuidado às crianças, maior é o diálogo entre adultos e crianças e maior é o espaço dado à individualidade de cada criança. Deste modo fixam como desejável um rácio de ―um adulto para 12 crianças (para as mais velhas), e o limite superior para a dimensão do grupo em 25 crianças‖ (Ibidem, p.30).

Verifica-se, assim, que as competências sociais e de linguagem ―tão importantes para o sucesso escolar dependem, em grande parte do adulto responsável. Este facto levanta questões relativas à qualificação do pessoal e, portanto, à sua formação‖ (Ibidem, p. 35). Neste contexto, é pertinente reforçar a importância não só da formação inicial e contínua do pessoal docente, como também a supervisão das suas práticas letivas por um orientador que observasse e ajudasse o educador a resolver problemas que possam surgir e a desenvolver novos comportamentos sempre que necessário. Convém ainda referir que apesar de não ser um fator determinante, a estabilidade da equipa educativa favorece o desenvolvimento social e intelectual das crianças assim como ser o reflexo de um bom ambiente de trabalho.

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A família, cuja importância do seu envolvimento empenhado na educação das crianças constitui um fator-chave no prolongamento dos efeitos da educação pré-escolar a longo prazo, deve ser ajudada na concretização deste objetivo. Para tal é necessário modificar a imagem que as famílias (principalmente as desfavorecidas) têm dos filhos e das suas pretensões sobre eles.

Perrenoud (1999, p. 147) defende que as representações que as famílias têm da escola ―fazem parte de um clichê, de uma representação comum da escola e do trabalho sob controle‖ e, embora os programas e os métodos adotados mostrem aos pais o quanto a escola está diferente, ―a avaliação é o vínculo mais constante entre a escola e a família‖. Na realidade ―a avaliação tem a função de prevenir, no duplo sentido de impedir e de advertir‖ (Ibidem, p. 12) ou seja, pode alertar a família para potenciais problemas a trabalhar ou tranquiliza-la quanto ao percurso das crianças.

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