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CAPÍTULO 2 – O LUGAR DAS EMOÇÕES NA FORMAÇÃO DOCENTE E SEUS DESDOBRAMENTOS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

2.3 Educação integral

De acordo com estudos de Bittencourt (2017), o discurso sobre a educação integral, no Brasil, surge na primeira metade do século XX e tem como maior expoente Anísio Teixeira que defendia uma concepção libertária tomando como base para sua proposta de educação a Escola Nova, um movimento educacional renovador, no qual defendia o ensino obrigatório, laico e gratuito para todos, com a intenção de formar cidadãos capazes e úteis numa sociedade moderna. Nesse contexto, afirma a autora, o Manifesto dos Pioneiros foi de grande relevância, pois tinha como objetivo uma mudança no sistema educativo que conferia ao Estado “responsabilidade perante a educação, onde escola, família e comunidade estariam unidas em busca de uma formação integral” (Ibid., 2017, p. 86).

Com uma visão política, social e educacional avançada para a época, Anísio Teixeira intencionava uma formação profissional e intelectual para os jovens que deveriam se integrar numa sociedade moderna com conhecimento de um “indivíduo pleno, consciente dos seus direitos e deveres, desenvolvendo atitudes de autonomia, iniciativa e responsabilidade” (BITTENCOURT, 2017, p. 90), condutas que integram o conjunto de habilidades socioemocionais. Com o afastamento de Anísio Teixeira da vida política e a falta de continuidade nas suas propostas a

25 L’éducation morale et civique que l’école doit donner ne saurait se borner à l’étude d’un programme

en un temps fixé par l’horaire. On ne peut pas en effet dissocier l’éducation de l’intelligence de celle du caractère. C’est la vie scolaire tout entière qui offre les moyens d’élever les enfants. Le contenu de l’enseignement, plus encore ses méthodes et la discipline scolaire, sont les moyens permanents et normaux de donner à l’enfant le goût de la vérité, l’objectivité du jugement, l’esprit de libre examen et le sens critique qui feront de lui um homme libre du choix de ses opinions et de ses actes, de lui faire acquérir le sens de la vie sociale, des avantages et des charges qu’elle implique, et la conscience de ses responsabilités (LANGEVIN-WALLON, 1947, p. 21).

educação integral caiu no esquecimento por vinte anos, sendo retomada nas décadas de 80 e 90. Porém, somente volta ao cenário brasileiro com grande significância em 2007, “com a criação do Programa Mais Educação - PME, pela Portaria Interministerial nº 17/2007, que visa fomentar a Educação Integral para os estudantes, por meio de atividades socioeducativas no contra turno escolar” (Ibid., p. 93).

No campo da educação nacional brasileira, o que vem sendo pensado como educação integral encontra respaldo no artigo 205 da Constituição Federal que determina que a educação seja direito de todos e dever do Estado e da família, e que deve ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, p. 137 – grifo nosso), sendo reafirmado no artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa ideia de educação integral está posta, também, na LDBEN em seu artigo 2º, que ao tratar dos Princípios e fins da Educação Nacional, reitera que a função da educação é garantir o pleno desenvolvimento do educando.

Assegurada por essa legislação, uma Comissão,26 convocada pelo MEC elaborou, em 2007/2008, um texto referência para auxiliar na reflexão à construção de um debate nacional acerca da educação integral27. Com a intenção de universalizar o acesso a uma educação de qualidade para todos, permanência e a aprendizagem na escola pública, sobretudo, para superar as desigualdades existentes, afirmando o direito às diferenças, essa Comissão propõe, por meio de uma ação participativa, o projeto de educação integral. O texto, através da pergunta: “por que educação integral no contexto brasileiro contemporâneo?” alavanca a

26Formada por “gestores municipais e estaduais, representantes da União Nacional dos Dirigentes

Municipais de Educação (UNDIME), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (ANFOPE), de Organizações não Governamentais comprometidas com a educação pública e de professores universitários sob a coordenação da SECAD, por intermédio da Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania” (MOLL, 2009, p 09-10).

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O Programa Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial n° 17/2007, firmado entre os Ministérios da Educação, do Desenvolvimento Social, dos Esportes, da Ciência e tecnologia, da Cultura e do Meio Ambiente, com o objetivo de implementar uma educação integral a partir da reunião dos projetos sociais desenvolvidos por esses ministérios, constitui-se como uma estratégia indutora da educação integral enquanto política pública.

discussão considerando aspectos históricos, conceituais e marcos legais da educação integral no Brasil, tratando questões proeminentes desse campo em construção: saberes, currículo e aprendizagem; relação escola–comunidade; tempos e espaços na educação integral; poder público; formação de educadores; e papel das redes socioeducativas (MOLL, 2009).

Com base em diferentes experiências e concepções, esse texto provoca o diálogo e afirma que “a educação integral se caracteriza pela ideia de uma formação mais completa possível para o ser humano” (MOLL, 2009, p. 16, grifo do autor). Contempla a ampliação de tempo, espaço e conteúdos, “buscando constituir uma educação cidadã, com contribuições de outras áreas sociais e organizações da sociedade civil” (Ibid., p.17), oportunizando o acesso às diversas instâncias culturais e que envolva uma formação do ser humano em todas as dimensões: cognitiva, afetiva, ética, estética, física e social.

Embora o termo educação integral esteja presente no discurso contemporâneo da Educação, há ainda muito que se estudar para a compreensão desse conceito e do que se entende por formação completa. De acordo com Moll (2009, p. 17) não há consenso sobre isso, tampouco sobre quais pressupostos e metodologias a constituiriam, o que é possível afirmar é que “as concepções de educação integral, circulantes até o momento, fundamentam-se em princípios político-ideológicos diversos, porém, mantêm naturezas semelhantes, em termos de atividades educativas”.

Com o propósito de entender o conceito, Pestana (2014) realiza um percurso sócio-histórico da educação integral apresentando, também, as peculiaridades da educação no Brasil para chegar à concepção contemporânea do termo que, de acordo com seu estudo, surge a partir das políticas públicas de tempo integral e que recebe outro sentido como proteção integral/social. Entende, então, que a educação integral reconhece a pessoa como um ser completo, mas para contemplar as ambiguidades, contradições e idiossincrasias do termo, muitas vezes, está associada a tempo integral, formação integral e/ou proteção social.

Assim, apresenta duas compreensões de educação integral relacionadas às possibilidades: sócio histórica como “formação integral do homem para agir política e

socialmente, em diferentes momentos históricos e de sua própria história, por meio de uma formação humana mais completa, multidimensional”; e contemporânea que “parte de princípios, ações e programas configurados a partir de políticas públicas sociais integradas” incluindo a ampliação do tempo escolar. Esta forma está direcionada “pelas políticas públicas que têm, como base, a proteção social” (PESTANA, 2014, p. 34).

Nessa perspectiva, Moll (2009) afirma que a ideia de educação integral vislumbra um redesenho da instituição escolar, considerando a ideia de educação que não seja somente instrucional, para promover uma formação integral em tempo integral, visando ampliar os espaços e lugares de educação e aprendizagem, oferecendo à criança a possibilidade de educação nas várias dimensões que compõem a vida humana. Cabe lembrar uma das ideias pedagógicas de Wallon que sustenta que a ação da escola não se atém à instrução, mas se dirige à pessoa inteira e, portanto, precisa converter-se em um instrumento para seu desenvolvimento (ALMEIDA, 2012). Nessa direção, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ao assegurar o compromisso com a educação integral, reitera:

a educação básica deve visar a formação e o desenvolvimento humano global, o que implica romper com visões reducionistas que privilegiam a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva, ou, ainda, que confundem “educação integral” com “educação ou escola em tempo integral” (BNCC, 2016, p. 17).

Sobre a ampliação de lugares e espaços de educação e formação humana, a legislação é bem clara ao promulgar que a educação envolve os processos formativos que são desenvolvidos “na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (LDBEN 9.394/96, art.1). Desse modo, entende-se a Educação Integral para além dos muros da escola promovida nas várias experiências cotidianas e nos diversos meios sociais em uma perspectiva de desenvolvimento integral por toda a vida uma vez que a formação humana se realiza num contexto histórico e cultural.

Sabe-se, a partir da perspectiva histórico-cultural, que a aprendizagem ocorre no seio das interações sociais significadas, logo, as habilidades sociais são inerentes aos processos de ensino e aprendizagem. Para aprender é necessário

estabelecer vínculos saudáveis com o outro e o objeto de conhecimento. As elaborações de Vigotski (2007) sustentam uma compreensão do papel da mediação da cultura e das interações sociais na constituição do sujeito. As noções de desenvolvimento das funções mentais superiores em processos intersubjetivos e intrasubjetivos, a distinção entre significado e sentido e o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) oferecem contribuições significativas sobre o desenvolvimento humano pelo processo de aprendizagem.

Vigotski afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento e provoca seu avanço, portanto, as ações pedagógicas devem projetar a criança para além daquilo que ela já sabe como está posto no seu conceito de ZDP. Este conceito é um dos mais destacados na sua obra. De acordo com o autor, vem a ser a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado por meio da resolução de problemas de forma autônoma, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela resolução de problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com pares mais experientes. É por meio deste conceito que demonstra a relação entre desenvolvimento e aprendizado remetendo ao processo de interação com o outro e que possibilita situações de aprendizagem provocando o desenvolvimento das funções mentais superiores especificamente humanas e culturalmente organizadas. No rumo dessas elaborações, Vigotski demonstra que é a aprendizagem que promove o desenvolvimento e define suas possibilidades. Logo, é possível constatar que o aprendizado é fundamento para o desenvolvimento das FMS.

De acordo com Vigotski (1991), o aprendizado cria ZDP, na medida em que desperta processos internos de desenvolvimento, possíveis de operar somente no momento em que a criança interage com o outro em seu ambiente ou em cooperação com seus parceiros/colegas. “Uma vez internalizados, tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança” (Ibid., p. 101). O autor deixa claro que aprendizado e desenvolvimento não é a mesma coisa, mas estão inter-relacionados, evidenciando a inseparabilidade dos processos psicológicos superiores das práticas sociais. Um aprendizado bem organizado tem como resultado o desenvolvimento mental colocando em movimento vários outros processos que de outro modo seriam impossíveis de acontecer. É nesse sentido que

considera a aprendizagem como um aspecto importante e necessário para o desenvolvimento das funções mentais superiores e especificamente humanas. Desenvolvimento este que ocorre nas interações sociais e que parte do plano interpessoal para o intrapessoal. Ao compreender o indivíduo a partir dessa visão dialética da interação, atribui a ele um papel atuante, daquele que interage com o meio e com os outros, transformando e sendo por eles transformados, dando origem a condições únicas, de caráter essencialmente histórico e cultural.