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CAPÍTULO 2 – O LUGAR DAS EMOÇÕES NA FORMAÇÃO DOCENTE E SEUS DESDOBRAMENTOS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

2.4 Educação para a vida

Delors (1998), no Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, assinalou a educação ao longo da vida como a educação do futuro, anunciando que esta deve aproveitar todas as oportunidades oferecidas pela sociedade, entendida como “sociedade educativa”, oportunidades de aprender tanto na escola como na vida social e cultural, “onde tudo pode ser ocasião para aprender e desenvolver os próprios talentos” (Ibid., p. 117). Uma visão de educação considerada na sua plenitude.

Escreve que a educação para dar conta da sua missão precisa organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que serão, para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer – adquirir instrumentos de compreensão e que se refere, também, a aprender a aprender aproveitando as oportunidades oferecidas pela educação ao longo da vida; aprender a fazer – para agir sobre o meio envolvente; aprender a conviver – com a finalidade de cooperar com o outro em todas as atividades humanas; e aprender a ser – este constitui o ponto de integração entre os anteriores e remete à ideia de desenvolvimento integral. Análogo aos quatro campos funcionais propostos por Wallon, esses quatro pilares do conhecimento estão interligados apontando para uma Educação Integral que considera o sujeito na sua integração com o meio social.

Considerando o que está posto como educação integral nas políticas públicas, o Instituto Ayrton Senna (IAS)28 vem se colocando como lugar de referência desenvolvendo pesquisas com vistas a ampliar as oportunidades de crianças e jovens por meio da educação tendo como objetivo levar educação de qualidade para as redes públicas de ensino no País. Há mais de vinte anos investindo na Educação para o Século 21 vem, nesse propósito, dedicando-se a “construir e a aprimorar estratégias educativas para que o desenvolvimento de competências socioemocionais ganhe aplicação concreta como políticas públicas, em escolas e salas de aula” (IAS, 2016.p. web).

Sobre o conceito de Educação para o Século 21, uma das principais fundamentações internacionais que o inspiram, de acordo com o IAS, é o Paradigma do Desenvolvimento Humano (PDH), proposto na década de 1990 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que

ao colocar as pessoas no centro dos processos de desenvolvimento, aponta a educação como oportunidade central para prepará-las para fazer escolhas e transformar em competências o potencial que trazem consigo. A ênfase recai em aspectos socioemocionais que capacitam as pessoas para buscarem o que desejam, tomarem decisões, estabelecerem objetivos e persistirem no seu alcance mesmo em situações adversas, de modo a serem protagonistas do seu próprio desenvolvimento e de suas comunidades e países (IAS, 2013, p. 5).

Em parceria com a OCDE, MEC e INEP, o IAS promoveu em março de 2014 um encontro com gestores e especialistas internacionais, realizado no Fórum Internacional de Políticas Públicas – Educar para as competências do século 21, com a finalidade de discutir e compartilhar conhecimentos sobre o tema, pensando em caminhos que possam colaborar com as escolas, professores e pais para melhorar a educação e o progresso social. De acordo com a OCDE (2015), na reunião ministerial sobre Competências para o Progresso Social, ocorrida naquele evento, foi consenso “a necessidade de desenvolver uma “criança completa” com um conjunto equilibrado de competências cognitivas e socioemocionais que lhe

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O Instituto Ayrton Senna é uma ONG brasileira criada pela família Senna em 1994 tendo como presidente Viviane Senna, empresária e irmã do tricampeão de Fórmula 1, falecido em maio daquele ano. O Instituto concretiza o sonho de Ayrton Senna de colaborar com o País para diminuir as desigualdades sociais, criando oportunidades de desenvolvimento humano às crianças e jovens por meio da educação. “Impulsionados pelo desejo do tricampeão de Fórmula 1 Ayrton Senna, nossa missão é levar educação de qualidade para as redes públicas de ensino no Brasil” (http://educacaosec21.org.br/quem-somos/instituto-ayrton-senna/).

permitam enfrentar melhor os desafios do século 21” (Ibid., p. 13). O evento promoveu, então, a discussão sobre a necessidade das competências e habilidades socioemocionais onde os participantes reafirmaram o imperativo de uma educação integral e inclusiva enfatizando o ensino conjunto das competências socioemocionais com as competências cognitivas visando o progresso social e bem estar dos sujeitos (COMUNICADO DE IMPRENSA, 2014).

Investindo em iniciativas de aproximação entre gestores públicos e cientistas, o IAS cria, em 2015, o EduLab21, um laboratório de estudo com o objetivo de produzir e disseminar conhecimento científico entre gestores e professores para desenvolver ações que melhorem o ensino no Brasil. Composto por uma rede multidisciplinar de parceiros ao redor do mundo, visa contribuir para que todas as crianças e jovens tenham acesso a uma educação de qualidade que prepare para a vida no século 21.

Nossa missão é buscar respostas para questões cruciais da educação a partir da contribuição das ciências. Para isso, trabalhamos para gerar uma sólida base de conhecimentos sobre quais são e como se desenvolvem as competências para o século 21, bem como para traduzir esse conhecimento aos gestores públicos da educação de maneira a apoiar a formulação de políticas baseadas em evidências científicas (IAS, 2016, p. web).

Assim, adota o conceito de educação integral, para além da ampliação da jornada escolar, concebendo a escola “como mediadora no desenvolvimento de competências para a vida” (Ibid., 2016). Entende a educação de qualidade como aquela que prepara o indivíduo para a vida “oferecendo condições para que todos os alunos desenvolvam as competências cognitivas e socioemocionais necessárias para aprender, viver, conviver e trabalhar no século 21” (Ibid., 2016). Propõem, então, que uma trajetória escolar de sucesso deve levar em conta o desenvolvimento de competências e habilidades socioemocionais para preparar sujeitos mais completos para enfrentar os desafios do século 21 entendendo-as como um conjunto de características necessárias à formação do cidadão do futuro.

Essas características correspondem à responsabilidade, colaboração, criatividade, comunicação, autocontrole, pensamento crítico, resolução de problemas e abertura a novas experiências (IAS, 2013, p. 8). Acrescenta-se perseverança, autoestima e sociabilidade que, segundo a OCDE (2015), possibilitam melhor desempenho no mercado de trabalho e sucesso na vida. Ampliar as competências individuais para enfrentar um mundo cada vez mais competitivo

aparece como justificativa para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Em que pese à ênfase no desenvolvimento dessas habilidades como necessárias à preparação para a vida, o modo como são veiculadas por essas organizações parece ressaltar uma separação dos aspectos cognitivos e emocionais, desconsiderando as relações entre cognição e emoção e a influência do meio sociocultural, nesse processo. Quando propõem que as competências socioemocionais, denominadas, também, como habilidades não cognitivas, talentos não cognitivos ou atributos de personalidade, devam ser ensinadas/desenvolvidas por ser tão necessárias quanto cognitivas (SANTOS, 2011) para garantia do profissional do futuro, evidencia-se tal separação.

Cabe mencionar, ancorada na base teórica que norteia esta pesquisa, que o desenvolvimento de uma “criança completa” implica em considerar os aspectos afetivos e cognitivos integrados numa relação dialética e sob os efeitos das interações sociais que constituem o humano (VIGOTSKI, 2007; WALLON, 1968; 1971; PINO, 2005). A escola como lugar social da criança por excelência compõe um dos espaços de formação integral que se realiza nas/pelas diversas experiências e aprendizagens. Essa afirmação encontra lugar nas DCNs que sustentam que a Educação Básica como direito universal e como imperativa à capacidade de exercício pleno do direito à cidadania corresponde

o tempo, o espaço e o contexto em que o sujeito aprende a constituir e reconstituir a sua identidade, em meio a transformações corporais, afetivo- emocionais, socioemocionais, cognitivas e socioculturais, respeitando e valorizando as diferenças (DCN, 2013, p. 17, grifo nosso).

Constata-se, assim, que a legislação brasileira reconhece a importância dos aspectos socioemocionais no processo educativo e, em consonância com o pensamento pedagógico de Wallon, propõe na perspectiva de uma Educação Integral que a instituição escolar deva considerar a pessoa como um todo e, assim, integrar as dimensões sociais e individuais no processo educativo entendendo que o desenvolvimento da criança vai além da dimensão cognitiva. A importância de uma aprendizagem ao longo da vida é, então, enfatizada e Delors (1998) assinala que cabe à educação englobar processos que levem as pessoas, da infância à velhice, a um conhecimento dinâmico do mundo, dos outros e de si mesmas, combinando os quatro pilares fundamentais da aprendizagem – conhecer, fazer, conviver e ser - que

possam fazer com que cada pessoa saiba gerir o seu destino. Para que isso ocorra essas quatro vias do conhecimento, precisam estar integradas entre si constituindo uma única via, considerando que existe entre elas reciprocidade de permuta e relacionamento e, portanto, ser vistas nos processos de ensino e aprendizagem de modo integrado, estruturado, a fim de que a educação surja como uma experiência global.

Considerando a complexidade e amplitude do processo educativo que atende as dimensões cognitivas, instrumentais, pedagógicas e socioemocionais da formação educacional, os aportes teóricos da AHC trazem importantes contribuições para pensar o processo de desenvolvimento de competências e habilidades socioemocionais na educação, na promoção de atividades formativas para os professores da educação básica e das instituições formadoras; na criação de estratégias de intervenção, com crianças e adolescentes, que possam abrir espaços de trabalho para lidar com adversidades da vida cotidiana e resgatar a compaixão, a solidariedade e a empatia que configuram as intenções de uma Educação Socioemocional nos propósitos da ação pedagógica.

As orientações formativas - legislação, Plano Langevin-Wallon, educação integral e proposta de educação para a vida -, oferecem, no seu conjunto, uma leitura que vai ao encontro do desenvolvimento integral da criança pensado na perspectiva histórico-cultural e que envolve a indissociabilidade dos seus campos funcionais. É a pessoa integral, integrada nos diferentes contextos, que pelas/nas relações sociais intermediadas, constitui-se continuamente. Compreende-se, então, a educação ao longo da vida como uma construção contínua do indivíduo, não só de seu conhecimento e aptidões como, também, de sua capacidade de discernimento e ação (DELORS, 1998).

Concluindo este capítulo, evidenciam-se orientações educativas que enfatizam a relevância da Educação Integral e reconhecem o valor das emoções na formação docente e na prática pedagógica, a partir de diretrizes que contemplam os aspectos afetivos nos processos educacionais, encontrando em documentos oficiais da educação brasileira, indícios que acarretam na compreensão de uma educação mais afetiva. Após, então, abranger a emoção na perspectiva dessas orientações formativas, de um modo geral, passa-se à compreensão da Educação

Socioemocional nos contextos educativos, explicitando-a no próximo capítulo, a partir do material empírico e seus desdobramentos.

CAPÍTULO 3 - EDUCAÇÃO SOCIOEMOCIONAL EM CONTEXTOS EDUCATIVOS