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2. EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA NO ESTADO

2.4. Educação na Constituição Brasileira de 1988

Superadas tais análises, é importante verificar em que medida a dogmática jurídica brasileira absorveu e vem admitindo essas ideias, valendo destacar que a juventude da Constituição Brasileira, o espírito democrático, a prevalência dos direitos humanos, a amplitude dos seus princípios constitucionais e a abertura aos tratados internacionais de

“eliminar, até 2005, as disparidades de gênero no ensino primário e secundário, alcançando, em 2015, igualdade de gêneros na educação, visando principalmente garantir que as meninas tenham acesso pleno e igualitário, bem como bom desempenho, no ensino primário de boa qualidade”; e (vi) “melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar a excelência de todos, de forma que resultados de aprendizagem reconhecidos e mensuráveis sejam alcançados por todos, especialmente em alfabetização lingüística e matemática e na capacitação essencial para a vida” (MORETTI, Denise Martins. A responsabilidade internacional do Estado brasileiro por violações do direito à educação a partir do sistema global de proteção dos direitos humanos.

Revista Digital de Direito Público. vol. 1, n. 1, 2012, p. 66) .

392 Ibid., p. 66

393. Conforme Moretti: “O acompanhamento dos avanços e retrocessos dos Estados nessa temática é facilitado

atualmente pelo grande volume de relatórios e recomendações proferidas pelos órgãos internacionais. Esse fato, em conjunto, com a possível assinatura e ratificação pelo Estado Brasileiro do Protocolo Facultativo do PIDESC, indicam um novo panorama em prol da efetivação desse direito, seja por meio da possível pressão internacional (power of embarrassment) a ser suportada pelo Estado Brasileiro caso as metas assumidas nos compromissos internacionais não sejam cumpridas, seja por meio da pressão e controle pela sociedade civil das políticas adotadas pelo Estado Brasileiro para a efetivação do direito à educação, aprimorada pela possibilidade de ingresso no CDESC com queixas individuais sobre violações do direito à educação”. (Ibid., p. 81).

direitos humanos favorecem a absorção das novidades constantes das tendências mais progressistas.

A Constituição Cidadã, produto de influências de diversos grupos políticos distintos, com anseio maior por liberdade, trouxe como novidade o catálogo de direitos e garantias fundamentais e os posicionou no início da Constituição, em posição de precedência, garantindo, inclusive os direitos coletivos e sociais (segunda e terceira dimensão).

É certo que os instrumentos internacionais de proteção ao direito fundamental à educação influenciaram a Constituição Federal de 1988, bem como as demais normas nacionais que cuidaram do direito à educação, como a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990394.

A análise do texto constitucional permite verificar que a educação foi reconhecida como direito fundamental social (artigo 6º) e aparece em diversos dispositivos395, os quais seguiram as recomendações dos documentos internacionais sobre educação ao garantir a igualdade de condições para acesso e permanência na escola e as políticas públicas para garantir o aprendizado básico para adultos e crianças, ao observar a importância da educação para o ser humano e para o desenvolvimento da humanidade, bem como a necessidade de cooperação e associação para realização do processo educativo, sendo certo que os Estados e Municípios também deram grande importância ao direito à educação em suas Constituições e Leis Orgânicas.396

A educação foi estruturada em observância ao princípio federativo (artigo 211), de modo que todos os entes podem organizar seus sistemas de ensino em colaboração, mas a União “exerce função redistributiva e supletiva, de modo a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade.”397

394 Cf. MORETTI, Denise Martins. A responsabilidade internacional do Estado brasileiro por violações do

direito à educação a partir do sistema global de proteção dos direitos humanos. Revista Digital de Direito

Público. vol. 1, n. 1, 2012, p. 45.

395Como observa Ranieri, “a educação é o direito social que mereceu maior número de dispositivos no atual

texto constitucional”. (RANIERI, Nina Beatriz Stocco. O Estado Democrático de Direito e o sentido da

exigência de preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pela via da educação, 2009. Tese (Live- Docência em Direito) Universidade de São Paulo, p. 315).

396 CAGGIANO, Monica Herman S. A Educação. Direito Fundamental. In: Nina Beatriz Stocco (coord.);

RIGHETTI, Sabine. Direito à educação: aspectos constitucionais. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2009, p. 31-32.

397 Conforme explica Martines, “Em resumo, pode-se dizer que à União compete editar normas gerais e as

diretrizes curriculares; aos estados e municípios cabe baixar normas complementares aos seus sistemas de ensino; e aos estabelecimentos de ensino a tarefa de elaborar e executar suas propostas pedagógicas.” (MARTINES JÚNIOR, Eduardo. As Instituições de Educação Superior e as Autoridades Estatais: Autornomia e Controle. In: Ranieri, Nina Beatriz Stocco (coord.); RIGHETTI, Sabine. Direito à educação: aspectos constitucionais. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, p.117).

A regulamentação das competências foi realizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que também criou o Conselho Nacional de Educação e estabeleceu “o dever do sistema nacional de ensino de fixar diretrizes curriculares tanto para a educação básica (infantil, fundamental e média), quanto para a educação superior.”398

Para garantia da política pública de educação, foram estabelecidos percentuais mínimos de aplicação de receita, excepcionando-se a proibição de vinculação de impostos, e investimento das verbas em escolas públicas, admitindo-se ressalvas.

Ademais, a Constituição previu a necessidade do Plano Nacional de Educação para articular o Sistema Nacional de Educação em colaboração e definir o desenvolvimento da educação com vistas a erradicar o analfabetismo, universalizar o atendimento escolar, melhorar a qualidade do ensino, formar para o trabalho, realizar a promoção humanística, científica e tecnológica e estabelecer meta de aplicação dos recursos públicos como proporção do produto interno bruto.

É certo que as qualidades do direito fundamental à educação descritas no item acima se aplicam ao direito à educação previsto na Constituição nacional. Portanto, trata-se de direito público subjetivo, que, por expressa previsão contida no artigo 5º, §1º, do texto constitucional, tem aplicação imediata.

Conforme observa Ranieri, a partir da norma prevista no artigo 205 da Constituição Federal, a educação tem sido conceituada mais pelas finalidades do que pelo seu conteúdo, “como direito de todos, ou mais especificamente, como direito fundamental, de natureza social (art. 6º), exigível da família, da sociedade e do Estado, com a finalidade de propiciar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”399.

A partir dessa norma, é possível deduzir que o direito à educação é um direito de todos400, que tem como sujeitos passivos o Estado e a família, mas que também deve contar

398 Conforme observa Martines, “em resumo, pode-se dizer que à União compete editar as normas gerais e as

diretrizes curriculares; aos estados e municípios cabe baixar normas complementares aos seus sistemas de ensino; e aos estabelecimentos de ensino a tarefa de elaborar e executar suas propostas pedagógicas”. (MARTINES JÚNIOR, Eduardo. As Instituições de Educação Superior e as Autoridades Estatais: Autornomia e Controle. In: Ranieri, Nina Beatriz Stocco (coord.); RIGHETTI, Sabine. Direito à educação: aspectos constitucionais. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, p. 117)

399RANIERI, Nina Beatriz Stocco. O Estado Democrático de Direito e o sentido da exigência de preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pela via da educação, 2009. Tese (Live-Docência em Direito) Universidade de São Paulo, p. 278.

400 Conforme observa Antão, referindo-se aos adolescentes internados em cumprimento de medida

com a cooperação da sociedade, e que tem três finalidades: pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Vale lembrar que, por força do artigo 227 da Constituição Federal, a educação deve ser assegurada com prioridade absoluta a crianças e adolescentes.

A definição legal para o direito à educação aparece no artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases, “como direito que abrange os diversos processos formativos necessários ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”401.

Vale aqui destacar que a Constituição Federal reconheceu a importância da educação não apenas para a formação individual e para o trabalho, mas para o preparo para o exercício da cidadania, o que foi reproduzido na Lei de Diretrizes e Bases e no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 53).

É certo, assim, que incluiu a educação em direitos humanos, que envolve todas as esferas da educação, desde a perspectiva da formação para o desenvolvimento individual até a formação para a convivência social, sobretudo para o exercício da cidadania.402

Considerando as finalidades da educação, o artigo 210 previu a necessidade de fixação de conteúdos mínimos para assegurar a formação básica e o respeito aos valores culturais, artísticos, nacionais e regionais, bem como garantiu o ensino religioso facultativo e o ensino em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, sendo certo que os artigos 26 e 27 da Lei de Diretrizes e Bases regulamentaram os currículos.

Ressalta-se que o § 9º do artigo 26, incluído pela recente Lei nº 13.010 de 26 de junho de 2014, referindo-se aos currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio, passou a prever que conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente serão incluídos, como temas transversais, nos currículos escolares de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a

creches, pré-escolas e ensino fundamental, quanto àqueles que não tiveram acesso à educação na idade própria, como é o caso da grande maioria dos encarcerados no Brasil. Implicando ao Estado o dever de proporcionar a efetivação desse direito”. (ANTÃO, Renata Cristina do Nascimento. O direito à educação do adolescente em

situação de privação de liberdade. 2012. 228 p. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2012, p. 29).

401 RANIERI, Nina Beatriz Stocco. O Estado Democrático de Direito e o sentido da exigência de preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pela via da educação, 2009. Tese (Live-Docência em Direito) Universidade de São Paulo, p 284.

402 Observa-se que o artigo 64 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias previu a distribuição gratuita

Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), observada a produção e distribuição de material didático adequado.

Observa-se, ainda, que o inciso I do artigo 27 já previa que os conteúdos curriculares da educação básica deveriam observar a diretriz de difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática.

Os princípios que regem o ensino aparecem no artigo 206 da Constituição, baseados em ideais de igualdade, liberdade, pluralismo, gratuidade, valorização dos profissionais, gestão democrática e qualidade, sendo certo que a Lei de Diretrizes e Bases, no artigo 3º, especifica outros importantes como tolerância, vinculação entre educação, trabalho e práticas sociais e consideração com diversidade étnico-racial.

A obrigatoriedade e gratuidade da educação básica, com especialização para as pessoas com deficiência e oferta noturna para quem necessita, foi garantida como direito público subjetivo, cuja negativa gera responsabilidade da autoridade competente, nos termos do artigo 208 da Constituição Federal, enquanto o ensino médio deve ser progressivamente universalizado.

Trata-se de obrigação que envolve não apenas oferecimento e financiamento da educação, mas garantia de acessibilidade e permanência, bem como qualidade403, nos exatos termos constitucionais e legais.404

Por fim, a autonomia das universidades e a obediência à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão foram garantidas no artigo 207, e a liberdade de ensino à iniciativa privada, mediante cumprimento das normas gerais da educação nacional e controle de qualidade pelo Poder Público, foi prevista no artigo 209 da Carta Magna.

Em síntese, conforme destaca Ranieri,

a Constituição Federal individualiza a educação como bem jurídico, dado o seu papel fundamental no desenvolvimento nacional e com a construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º) e, bem assim, para o desenvolvimento da pessoas e ao exercício dos demais direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais (art. 205).

403 Conforme explica Schilling, “o acesso é uma dimensão fundamental para a realização da educação como um

direito humanos; outra dimensão central é a da permanência, porém, de uma permanência onde se possa realizar o conteúdo do direito (conforme descrito anteriormente) de acesso irrestrito ao saber, ao conhecimento científico acumulado.” (SCHILLING, Flávia. O direito à educação: um longo caminho. Educação e metodologia para os

direitos humanos. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 278).

404 Cf. RANIERI, Nina Beatriz Stocco. O Estado Democrático de Direito e o sentido da exigência de preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pela via da educação, 2009. Tese (Live-Docência em Direito) Universidade de São Paulo, p 286.

Definidos os fundamentos axiológicos e teleológicos do direito à educação, a Constituição Federal cerca-o de garantias, estende a sua titularidade da pessoa humana à sociedade, ao Estado e às gerações futuras e, de forma correlata, insere o Estado, a sociedade, a família e o próprio indivíduo no pólo passivo do direito405.

Diante das especificidades conferidas pela Constituição Federal ao direito à educação, Ranieri sustenta que ele “encontra-se conformado, por um regime jurídico singular que se caracteriza por intensa determinação de conteúdo e densidade de proteção”406, bem como que se trata de “direito universal a prestações continuadas, com a característica de serem compulsórias para o titular do direito fundamental, compulsoriedade esta que pode ser progressivamente estendida a outros níveis de ensino”407.

Com relação à efetividade do direito à educação, têm sido objeto de grandes problemas a ausência de vagas em creche e, após os avanços na universalização do ensino fundamental, a precária qualidade da educação408, no que se pode incluir a questão da ausência de adequado desenvolvimento da educação em direitos humanos.

Por fim, como destaca Ranieri, é bom frisar que a tutela do direito à educação é ampla, pode ocorrer de forma individual, coletiva ou pública e por meio de diversos instrumentos409, favorecida pelo detalhado regime jurídico previsto na Constituição e pela justiciabilidade imediata do direito à educação, conforme tem sido amplamente reconhecido pelo Judiciário410.

405 RANIERI, Nina Beatriz Stocco. O Estado Democrático de Direito e o sentido da exigência de preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pela via da educação, 2009. Tese (Live-Docência em Direito) Universidade de São Paulo, p. 315-316.

406 Ibid., p. 334. 407 Ibid., p. 334.

408 Cf OLIVEIRA; Marcelo Lima de; PESSOA, Hugo Costa; Avaliação da qualidade na Educação Básica. In:

ABMP, Todos pela educação (org.). Justiça pela qualidade na educação. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 613-629.

409 Ibid., p. 326-332

410 Ibid., O Estado Democrático de Direito e o sentido da exigência do preparo da pessoa para o exercício da