• Nenhum resultado encontrado

3. ASPECTOS GERAIS DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

3.1. Histórico

Referências sobre a educação em direitos humanos começaram a surgir após a consolidação do processo de internacionalização dos direitos humanos, contexto no qual se destaca “o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem constitucional contemporânea”412.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, marco na proteção aos direitos humanos no plano global, já traz preocupação com a educação em direitos humanos, pois prevê como objetivo comum o esforço para promover o respeito aos direitos humanos por meio do ensino e da educação (artigo 26)413.

A Carta da OEA, aprovada em 1948, também faz referência ao tema ao prever, no artigo 3º, “n”, como um de seus princípios, que “a educação dos povos deve orientar-se para a justiça, a liberdade e a paz”, e, no artigo 47, que os Estados devem dar primordial importância “ao estímulo da educação, da ciência e da cultura, orientadas no sentido de melhoramento integral da pessoa humana e como fundamento da democracia, da justiça social e do progresso”414.

Da mesma forma, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que, em seu artigo XIII, garante o direito de toda pessoa de tomar parte na vida cultural da coletividade e gozar dos benefícios das artes, do progresso intelectual e das descobertas científicas e, em seu artigo XII, faz referência expressa ao direito à educação e observa que ela deve se inspirar nos princípios da liberdade, moralidade e solidariedade humana e proporcionar o preparo para uma vida digna e com participação social 415.

411 A breve análise histórica visa verificar em qual ambiente a educação em direitos humanos surgiu e como foi a

sua evolução, para que se possa melhor compreender o fenômeno, sem prejuízo de outras referências históricas que aparecerão em outros itens e capítulos desta dissertação.

Por não ser o principal objetivo do trabalho, mas apenas parte da necessária contextualização, a análise do histórico da educação em direitos humanos foca-se mais na realidade brasileira e não pretende definir, com exatidão, a data ou movimento/instituição que iniciou a educação em direitos no país.

412 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14 ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, p. 190.

413 Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm> Acesso em 26 jul 2013. 414 Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/A-50.htm> Acesso em 21 fev 2014.

415 Artigo XII. Toda pessoa tem direito à educação, que deve inspirar-se nos princípios de liberdade, moralidade e

Antes da década de 1980, outros instrumentos internacionais também trouxeram preceitos relativos à educação em direitos humanos, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (artigo 7), de 1965, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 13), de 1966, e a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (artigo 10), de 1979, que serão melhor esmiuçados no capítulo a seguir.

Contudo, no Brasil e na América Latina em geral, as ditaduras instituídas no pós- guerra prejudicaram o desenvolvimento dos direitos humanos de forma adequada e, consequentemente, da educação em direitos humanos, que começou a ser desenvolvida por ocasião do fortalecimento da luta contra a ditadura, na década de 1980416.

Tem, outrossim, direito a que, por meio dessa educação, lhe seja proporcionado o preparo para subsistir de uma maneira digna, para melhorar o seu nível de vida e para poder ser útil à sociedade.

O direito à educação compreende o de igualdade de oportunidade em todos os casos, de acordo com os dons naturais, os méritos e o desejo de aproveitar os recursos que possam proporcionar a coletividade e o Estado.

Toda pessoa tem o direito de que lhe seja ministrada gratuitamente, pelo menos, a instrução primária.” (Disponível em: http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/b.Declaracao_Americana.htm)

No capítulo segundo, a Declaração estabelece os deveres do homem e prescreve o dever dos pais de educar os filhos (artigo XXX) e o dever de toda pessoa de adquirir, pelo menos, a instrução primária (artigo XXXI). Na Conferência seguinte (Décima Conferência Interamericana de Caracas), realizada em 1954, foi aprovada a Resolução XXVII, que, no dispositivo 4, reconheceu a importância da educação em direitos humanos no ensino formal e solicitou aos governos americanos que tomasse providências em suas escolas e universidades sobre a questão.

416 Conforme explicam Viola, Barreira e Pires:

“No turbilhão social e cultural que caracteriza a contemporaneidade, os direitos humanos ocupam um lugar paradoxal de fundamento da ordem dominante ou de propulsor dos movimentos sociais.

A América Latina é o exemplo clássico desse paradoxo. Ao longo das décadas de 1960 a 1970, a defesa dos direitos humanos e do modo de vida ocidental foi a base ideológica para as intervenções armadas vindas do mundo livre contra os fantasmas nacionalistas e comunistas. O resultado de duas décadas de opressão foi a supressão das liberdades civis e políticas e a perda gradativa de direitos sociais e econômicos através do aprofundamento das desigualdades sociais e da concentração de privilégios.

Já na década de 80, desmascaradas as falsas promessas de imediata recuperação da democracia, a sociedade civil se reorganizou para recuperar os direitos civis e políticos e refazer as demandas por direitos sociais e econômicos. Esse foi um período histórico caracterizado por dificuldades e esperanças. As dificuldades se situaram no confronto com o Estado autoritário e no rompimento político do pacto político que o sustentava. A crise econômica, provocada pelo esgotamento do financiamento externo, contribuiu para o enfraquecimento do regime militar e a reorganização da sociedade civil. (...)

Foi nessa conjuntura que a cultura dos direitos humanos superou a hipocrisia do início dos 1960 e se comprometeu com a anistia, o fim da censura, as eleições diretas e a constituinte soberana. A sociedade civil superava as restrições às liberdades coletivas e individuais e reconstruía espaços de participação e de superação do medo.

No campo da educação, iniciaram-se as críticas à tecnocracia pedagógica, aos conteúdos fragmentados, aos currículos utilitários e às práticas pedagógicas avessas ao diálogo. Gradativamente, se compreendia que, para consolidar a democracia, seria indispensável rever o sistema educacional de modo que as novas gerações assumissem sua condição de sujeitos de si mesmo, ou seja, de sujeitos políticos aptos a construir seu presente e seu futuro.

Como demonstrado acima, o paradoxo dos direitos humanos traz em si, a possibilidade de destruir sua potencialidade utópica na medida em que, como discurso, pode ser utilizado para justificar modelos políticos ou econômicos que se consideram únicos e inevitáveis.” (VIOLA, Solon Eduardo Annes; BARREIRA, Claranda; PIRES, Thiago Vieira. Direitos humanos: de movimento social à proposta educativa. In: VIOLA, Solon Eduardo Annes; ALBUQUERQUE, Marina Z. de (org). Fundamentos para Educação em Direitos Humanos, São Leopoldo: Sinodal, 2001, p. 144-145).

Assim, a partir da organização da sociedade civil e de movimentos sociais como o Movimento Nacional de Direitos Humanos, a Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos417 e a ONG Novamérica418, o movimento pela educação em direitos humanos aparece no cenário nacional como luta contra a repressão política, autoritarismo e violação dos direitos humanos e, com a redemocratização do país, incorpora novas questões que envolvem a efetivação de direitos sociais, coletivos e difusos e o combate os problemas contemporâneos nacionais419.

No plano da Organização dos Estados Americanos, a preocupação já aparece em seu nascedouro, com a Carta da OEA e diversas medidas passam a ser adotadas na área da educação em direitos humanos a partir da criação do Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH), em 1980, conforme melhor descrito no capítulo seguinte.

Da mesma forma, na Organização das Nações Unidas, a história da educação se inicia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e culmina na aprovação, em 10 de dezembro de 2004, do Programa Mundial para a educação em direitos humanos e do plano de

417 Cf. VIOLA, Solon Eduardo Annes; ALBUQUERQUE, Marina Z. de (org). Fundamentos para Educação em Direitos Humanos, São Leopoldo: Sinodal, 2001, p. 11-12.

418 Cf. SACAVINO, Susana Beatriz (org.). Educação em direitos humanos: pedagogias desde o sul. 1 ed. Rio de

Janeiro: 7Letras, 2013, p. 56-58.

419 Conforme observa Emir Sader:

“A repressão da ditadura militar permitiu que fosse conquistado um espaço para o tema dos direitos humanos, mesmo nos órgãos de imprensa conservadores. Isto se deve, também, à concepção que fragmenta os direitos, separando aqueles que têm a ver mais diretamente com a repressão, a violência cotidiana, a violência familiar, a violação dos direitos das chamadas minorias políticas – mulheres, indígenas, homossexuais, negros. Garantir igualdade de direitos, proteção da integridade física, direito a afirmar diferenças.

Essa foi a maior conquista da educação nos direitos humanos, que começou na resistência à ditadura, com a repressão diretamente política, mas sobreviveu posteriormente, incorporando-se – ao que tudo indica com permanência – ao discurso democrático. Deixou de ter a conotação de repressão a opositores políticos e, conforme foi se aprofundando a degradação das condições de convivência nas grandes metrópoles – especialmente nas suas periferias –, passou, cada vez mais, a funcionar como marco de denúncia da falta de condições de segurança individual.

As escolas passaram a incorporar o tema, seja em disciplinas especializadas, mas principalmente nas abordagens mais gerais sobre democracia, liberdade, cidadania, diversidade, identidade. Cursos específicos passaram a fazer parte de currículos, palestras específicas, entidades voltadas diretamente para a questão dos direitos humanos, com publicações, espaços na imprensa, promoção de personalidades que se notabilizaram na sua defesa.

A imprensa dá eco relativamente sistemático às questões de violação urbana dos direitos humanos, embora bem menor seja o espaço reservado aos casos de violência rural, que aparecem assimilados, genericamente, a um cenário geral de falta de respeito aos direitos, sem individualização das vítimas e das condições concretas dessas circunstâncias no campo.” (SADER, Emir. Contexto Histórico da Educação em Direitos Humanos no Brasil: da ditadura à atualidade. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy; DIAS, Adelaide Alves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; FEITOSA, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer; ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares (Orgs).

Educação em direitos humanos: fundamentos teóricos e metodológicos. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2007, p. 82-83).

ação para a primeira etapa (2005-2007)420, iniciando a normativa específica da educação em direitos humanos, que será melhor explorada a seguir.

No Brasil, a partir de processo iniciado em 2003, com a criação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, aprova-se o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que também será tratado de forma minuciosa no capítulo seguinte.

Importante observar que, a despeito da evolução da educação em direitos no Brasil e no mundo, inclusive normatizada pela ONU e OEA, de forma geral, Cunha observa que a formação para a Cidadania e os Direitos Humanos tem sido quase nula ou muito menor do que deveria ser mesmo em países democráticos421, o que denota a importância de concentrar esforços nessa seara.