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1. EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA

1.1. Educação

1.1.2. Sentidos da educação para a educação em direitos humanos

O histórico da educação permite perceber os diversos sentidos e finalidades que ela admite e que se modificaram conforme as alterações e evoluções sociais, econômicas, culturais e científicas.

134 Segundo Aranha: “Ao percorrer a história da educação, podemos constatar que, em todas épocas, a escola foi

seletiva, um privilégio de poucos. Ainda que, no século CVII, Comênio já defendesse “ensinar tudo a todos” e, no século XIX, muitas nações começassem a implantar a escola pública, gratuita e laica, estamos longe de atingir a universalização efetiva desse propósito. Basta constatar que sempre os segmentos mais pobres da sociedade têm sido excluídos da escola e, quando muito, dependendo das necessidades econômicas, tem-lhes sido permitido frequentar cursos profissionalizantes, o que reforça o dualismo escolar (uma educação intelectualizada restrita à elite e atividades manuais para os segmentos populares).

Mas não é só. Lembramos que em grande parte da história da humanidade as mulheres foram excluídas da educação ou encaminhadas para as atividades condizentes com sua “natureza feminina” de esposas e mães, confinadas no espaço doméstico. Apenas a partir do final do século XIX a coeducação deus os primeiros passos, embora o acesso da mulher a cursos superiores permanecesse muito restrito por algum tempo. Isso sem falar que a conquista da cidadania, pelo direito de votar, só ocorreu para ela na primeira metade do século XX, em datas diferentes conforme o país.

Além dos pobres e das mulheres, as sociedades sempre excluíram aqueles considerados “inferiores”, tais como deficientes (físicos e mentais) e imigrantes. São excluídos também aqueles que abandonam cedo a escola, por apresentarem dificuldades em acompanhar o modelo de escola implantado, por serem indisciplinados ou por necessidade de trabalhar para ajudar no sustento da família. O que se verifica, afinal, é uma escola excludente e, portanto, não-democrática.” (Ibid., p. 327).

Diante de inúmeras teorias e correntes pedagógicas já elaboradas, não se tem a pretensão, nesta dissertação, de se adotar uma ou outra como correta, mas de apresentar e refletir sobre os sentidos e finalidades existentes acima apresentados e sobre os aspectos que melhor podem contribuir para a educação em direitos humanos.

Entre os aspectos que não se compatibilizam com a proposta educacional democrática e que respeite os direitos humanos, estão algumas práticas pedagógicas comuns à educação tradicional, entre elas o autoritarismo, a violência, a severidade e o excesso de disciplina, que não respeitam o educando como sujeito de direitos e procuram ensinar valendo-se do medo e da punição, sufocando a espontaneidade, a criatividade e o aspecto lúdico da educação; bem como o intelectualismo, o ensino formal livresco, o adestramento e o diretivismo, que não favorecem a reflexão crítica e desconsideram as potencialidades do educando, a construção intersubjetiva do conhecimento e a importância da prática.

Nota-se que o intelectualismo é contrário à popularização das discussões filosóficas já trazidas por Sócrates e difundida de forma ainda mais humanizada por Lucrécio, sendo certo que contra ele e contra o autoritarismo e o diretivismo se opõem, como vimos, diversos autores, entre eles Rousseau, Kant, Nietszche, o movimento da Escola Nova, que traz as tendências não-diretivas, valendo destacar John Dewey e Carl Rogers, o construtivismo etc.

Freire bem observa que a educação diretivista, anti-dialógica, que desconsidera os saberes do educando e se desenvolve pelo ato de depositar, transferir e transmitir valores e conhecimentos (a denominada educação bancária), cria uma situação de antinomia entre educador e educando que acaba por domesticar e manter a cultura do silêncio e a dominação sobre o povo oprimido. 135

Para superar a educação bancária e a contradição entre educador e educando, Freire defende a educação problematizadora136, libertadora e humanizadora, compromissada com a transformação social e política, desenvolvida a partir do diálogo, que permita ao oprimido ser mais137.

É certo, portanto, que a educação em direitos humanos deve considerar, como ensina Freire, que educar exige criticidade, reflexão, respeito à autonomia do educando, pois “não é

135 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 58-59.

136 A superação da contradição entre educador e educando dá-se pela compreensão de que “ninguém educa

ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. (Ibid., p. 69).

137 Considerando os homens como seres históricos, Freire “...os reconhece como seres que estão sendo, como

seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada”. (Ibid., p. 72-73).

transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”138.

Inegáveis, ainda, as contribuições das ciências, da Escola Nova e do construtivismo em relação às peculiaridades do desenvolvimento das crianças e adolescentes, que permitiram o desenvolvimento de métodos adequados e a valorização da primeira infância.

Outro aspecto essencial para a democratização e efetivação plena e igualitária da educação são os ideais do projeto Iluminista liberal de educação integral, gratuita, laica, estatal e obrigatória, que reduziram o elitismo que acompanha a educação, os quais se concretizaram com mais vigor nos séculos XIX e XX.

A importância da integralidade e da universalidade da educação é evidente e, embora fosse presente nos primórdios com as sociedades tribais homogêneas, como vimos, deixou de existir em sua plenitude com as sociedades de classes complexas e, a despeito do reforço dessa importância desde João Amós Comênio no Renascimento, ainda não foi completamente efetivada, inclusive no Brasil, sobretudo no que se refere ao ensino infantil.

A estatização da educação no decorrer do século XIX e os ideais de igualdade trouxeram a questão ainda presente da organização da educação pública e nacional, da ideologia do Estado sobre a educação e dos fins sociais da educação, que envolvem a formação do cidadão, estabilidade, progresso e transformação social, essenciais para a compreensão dos sentidos e finalidades da educação para a democracia e para os direitos humanos.

Esse ideal de democratização foi afirmado pela Escola Nova, que, além dos aspectos já apontados, consolidou a formação global, que equilibra os diversos aspectos da educação, entre eles, intelectual, prática, física, moral, com o objetivo de desenvolvimento da liberdade e autonomia e formação do cidadão para a sociedade democrática.

Conforme sintetiza Martines, “o conceito atual da educação é muito mais amplo que aquele fundado na mera transmissão do conhecimento”139. Assim, “...a educação deve ter um espectro amplo, desenvolvendo o ser humano em todas as suas facetas, efetivamente o

138 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 47 ed. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 2013, p. 47.

139 MARTINES JÚNIOR, Eduardo. As Instituições de Educação Superior e as Autoridades Estatais: Autornomia

e Controle. In: Ranieri, Nina Beatriz Stocco (coord.); RIGHETTI, Sabine. Direito à educação: aspectos constitucionais. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, p. 114.

preparando para a vida social, a familiar, para o trabalho e, de modo especial, para o exercício da cidadania”140.

Para superar o individualismo exacerbado, o elitismo e democratizar a educação, não se pode deixar de considerar as iniciativas de valorização não apenas do ensino elementar, mas também da educação unitária (não-dualista), politécnica, do trabalho coletivo e da auto- organização dos estudantes, da cultura popular, das relações entre escola e vida, entre trabalho intelectual e manual, entre educação e sociedade, entre educação e política, da desmistificação da alienação e da ideologia e da educação voltada para a transformação social, conforme defendido pelas teorias socialistas nos séculos XIX e XX e que influenciaram diversas teorias educacionais do século XX.

Por outro lado, conforme verificado, o controle da educação pelo Estado pôs em questão a manipulação ideológica que ele pode realizar, o que se evidenciou na educação cívica e nacionalista dos estados totalitários do século XX, que chegou a se efetivar na ditadura brasileira.

É importante observar que a crítica formulada pelas teorias crítico-reprodutivistas sobre a reprodução das desigualdades envolve a conformação da educação pelas forças sociais dominantes, que podem ser exercidas não apenas diretamente pelo Estado, mas por seus aparelhos ideológicos e pelas classes hegemônicas, como já ocorria antes da apropriação da educação pelo Estado, pois, se, de um lado, as forças estatais foram capazes de produzir a educação nacionalista totalitária, de outro lado, as forças das classes sociais dominantes produziram a educação elitista e dualista, que excluiu diversos segmentos sociais da educação durante séculos141.

Nesse aspecto, são importantes as críticas à educação tecnicista e voltada para atender, exclusivamente, os interesses das forças econômicas do mercado neoliberal já anunciadas por Nietzsche e bem enfrentadas pela Escola de Frankfurt, pois a força do poder econômico da sociedade atual é capaz de influenciar sobremaneira a educação para atender aos seus interesses práticos.

Essas críticas alertam para que o Estado, ao normatizar a educação, inclusive a educação em direitos humanos, não a use como instrumento ideológico de reprodução das

140 Ibid., p. 115.

141 Sobre o tema, importantes são as lições de Freire sobre a ação antidialógica, força anti-revolucionária que

dificulta as transformações sociais. (Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 121-165.

desigualdades e discriminações e de conservação das estruturas de poder, inibindo as inovações, em contradição com os aspectos libertários e emancipatórios da educação.

Ademais, trazem à tona os conflitos que podem se estabelecer entre os ideais de conservação do Estado e de transformação da realidade, entre educação que adapta à realidade e educação que transforma a realidade, emancipatória e com liberdade.

Ranieri observa essa contradição existente entre a educação para o preparo da cidadania e a liberdade inerente à democracia, entre conservação e revolução. Contudo, sustenta que contradições são inerentes à educação, de modo que a educação para conservação do Estado Democrático não significa ofensa à liberdade de aprender e ensinar e ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas.142

A despeito das advertências das teorias crítico-reprodutivistas, como vimos, as teorias progressistas observam o caráter contraditório das escolas e o seu poder de contraeducação, que evita a mera reprodução do sistema.

No mesmo sentido, apoiada na escola progressista, a pedagogia histórico-crítica desenvolvida no Brasil, sobretudo por Saviani, também enxerga possibilidade de se desenvolver uma pedagogia democrática, formulada a partir dos interesses dos dominados143, que procura superar as deficiências da educação tradicional e da Escola Nova a partir da “transmissão dos instrumentos que permitam a todos a apropriação do saber elaborado socialmente”144, ampliando-se às classes populares o saber reservado às elites.

142 Cf. RANIERI, Nina Beatriz Stocco. Op. cit., p. 360-361.

143 Saviani assim explica sua teoria: “Uma teoria do tipo acima enunciado impõe-se a tarefa de superar tanto o

poder ilusório (que caracteriza as teorias não-crítica) como a impotência (decorrente das teorias crítico- reprodutivistas), colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de permitir-lhes o exercício de um poder real, ainda que limitado.

No entanto, o caminho é repleto de armadilhas, já que os mecanismos de adaptação acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes podem ser confundidos com os anseios da classe dominada. Para evitar esse risco é necessário avançar no sentido de captar a natureza específica da educação, o que nos levará à compressão das complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na sociedade capitalista.

(...)

Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a marginalidade por meio da escola significa engajar-se no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes.” (SAVIANI, Demerval. Escola

e democracia. ed. comemorativa. Campinas: Autores Associados, p. 25-26).

144 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Op. cit., p. 343.

Aranha explica que, para Saviani, “a única possibilidade de as classes populares superarem a marginalização está no esforço de assimilarem os conteúdos até então reservados à elite”144, pois isso significaria a superação da

dicotomia entre saber erudito e popular. Por isso, dá-se importância ao conteúdo, sem desprezar a importância dos métodos e processos trazidos pela Escola Nova e sem retomar a proposta de saber acabado da escola tradicional. Assim, “coerente com a concepção dialética, se a produção saber é histórica – e, portanto, a criança

Para Saviani, a educação não é completamente dependente e nem completamente autônoma da realidade social145, de modo que, a despeito da influência das forças sociais dominantes na educação, ela não perde o seu caráter inovador, que, de certa forma, é natural do processo, por envolver experiência e construção por meio de relação intersubjetiva, conforme bem demonstrado pelas teorias construtivistas.

Assim, embora inserido no contexto social e histórico que o influencia, o processo educativo conserva uma margem de autonomia, até porque envolve não apenas adaptação social, mas individualização (instrução socializando), construção de emancipação, sendo certo que cada ser humano conserva a sua diferença e autonomia.146

Aliás, esta relação dialética entre adaptação para o convívio social e desenvolvimento da individualidade, entre conservação e inovação, entre adaptação e resistência, é característica natural da educação147 e marca da educação democrática, conforme apontada por Becker e Adorno.148

recebe da geração anterior o patrimônio da humanidade –, significa que o saber existente é suscetível de mudança. Para transformar essa herança, no entenda, é preciso começar pelo acesso a ela”144. (Ibid., p. 344). 145 Cf. SAVIANI, Demerval. Op. cit.

146 ARANHA refere ao neopragmatismo de Richard Rorty (1931), para quem “socialização e individualização,

ou seja, integração e crítica – são indissociáveis e, portanto, devem animar o tempo todo a ação de qualquer professor, desde o ensino básico...Assim, os professores podem conciliar socialização e individualização, ao acenarem para “o desejo de mudanças e de aperfeiçoamento moral e social”. Aliás, essa ideia serve para toda a vida do indivíduo, já que, ao se considerar o ser humano fundamentalmente plástico, a educação é um processo contínuo, que nunca termina.” (Op. cit., p. 284).

Tratando do pensamento de Edgar Morin, ARANHA explica a contradição do ser humano entre liberdade e dependência, pois ele constroi sua identidade a partir de dependências. (Ibid., p. 281-282)

147 Nesse sentido, Carvalho explica: “A educação é, pois, o ato de acolher e iniciar os jovens no mundo,

tornando-os aptos a dominar, apreciar e transformar as tradições culturais que formam nossa herança simbólica comum e pública. Se se tratasse de uma herança exclusivamente material, seus herdeiros dela se apossariam imediatamente, dados os trâmites legais. Mas por se tratar de uma herança cuja significação social e o caráter simbólico são apreciados, a única forma de a ela termos acesso e dela nos apossarmos é pela aprendizagem... O acolhimento dos novos no mundo pressupõe, pois, um duplo e paradoxal compromisso por parte do professor. Por um lado, cabe-lhe zelar pela durabilidade desse mundo comum de heranças simbólicas no qual ele inicia e acolhe seus alunos. Por outro, cabe-lhe cuidar para que os novos possam se interar, integrar, fruir e, sobretudo, renovar essa herança pública que lhes pertence por direito, mas cujo acesso só lhes é possível por meio da educação.

(...)

A educação é, nessa perspectiva, um elo entre esse mundo comum e público e os novos que a ele chegam pela natalidade. Nesse sentido, o ensino e o aprendizado se justificam não preponderantemente pelo seu sentido funcional ou pela sua aplicação imediata, mas pela sua potencialidade formativa.” (CARVALHO, José Sérgio Fonseca de. Direitos humanos, formação escolar e esfera pública. In: Educação e Metodologia. BITTAR, C.B. (coord.). Educação e metodologia para os direitos humanos. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 266-267)

148 Como observa Becker, em diálogo com Adorno, “evidentemente a aptidão para se orientar no mundo é

impensável sem adaptações. Mas ao mesmo tempo impõe-se equipar o indivíduo de um modo tal que mantenha as suas qualidades pessoais. A adaptação não deve conduzir à perda da individualidade em um conformismo uniformizador. Esta tarefa é tão complicada porque precisamos nos libertar de um sistema educacional referido apenas ao indivíduo. Mas, por outro lado, não devemos permitir uma educação sustentada na crença de poder eliminar o indivíduo. E esta tarefa de reunir na educação simultaneamente princípios individualistas e sociais, simultaneamente – como diz Schelsky – adaptação e resistência, é particularmente difícil ao pedagogo no estilo vigente. Certa feita, quando discorria acerca da educação política para jovens professores, mostrei por que

É considerando este potencial da educação que se busca os seus sentidos que contribuem para a democratização, devendo o Direito relacionar-se com a educação de modo a preservar e potencializar tais sentidos.

Neste contexto, ganha destaque a importância da educação para desenvolvimento da emancipação e da autonomia, questão central que sempre tem acompanhado a educação, variando de abordagem conforme a teoria.

A formação da autonomia, inclusive para o questionamento da autoridade e da lei injusta, é essencial no processo educativo e remonta às reflexões de Cícero sobre os deveres do homem.149

Conforme asseverado, com o Iluminismo, a reafirmação do compromisso da educação com o desenvolvimento da autonomia aparece e não mais deixa a pauta educativa da modernidade, com destaque para a transição para a pedagogia existencialista de Rousseau.

Para que se possa melhor pensar em uma proposta de educação em direitos que atenda às necessidades da sociedade democrática, aberta, pluralista e voltada para os direitos humanos, é necessário compreender algumas questões que envolvem os sentidos da educação e da racionalidade que fundamenta os processos educativos, pois nem sempre estes significam progresso, desenvolvimento e melhoria, haja vista o nazismo e os eventos que marcaram Auschwitz, conforme observa Bittar.150

acredito que quem deseja educar para a democracia precisa esclarecer com muita precisão as debilidades da mesma. Eis um exemplo de como nossa educação constitui necessariamente um procedimento dialético, porque só podemos viver a democracia e só podemos viver na democracia quando nos damos conta igualmente de seus defeitos e de suas vantagens.” (ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Trad. Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 144).

149 Segundo DOREN, Cícero, romano, maior advogado de seu tempo, esteve envolvido na disputa entre César e

Pompeu que levou à queda da República, instituição que acreditava, assim como acreditava no Estado de Direito. Em seu livro Sobre os deveres, sustenta que a solução para os problemas é fazer sempre o correto:

“O que é correto? Como sabemos? Cícero não foge à questão. Em primeiro lugar, o correto é o legal, o que é exigido por lei. Mas, mais do que isso, pois a própria lei nem sempre é justa, o correto é o que é honesto, aberto e justo. Cumprir a palavra, quaisquer que sejam as consequências. Dizer a verdade, mesmo que não se tenha feito um juramento. E tratar todos, estrangeiros, escravos e mulheres, de igual modo, pois todos eles são seres humanos. Todos são iguais na sua humanidade, embora de nenhuma outra forma. Essa humanidade confere-lhes o direito de serem tratados com respeito.” (Op. cit., p. 98)

Nota-se que as ideias de Cícero trazem uma noção de justiça que reconhece a dignidade de grupos discriminados e, embora defenda que agir corretamente é agir de acordo com a lei, reconhece que nem sempre a lei era justa. Para DOREN, Cícero ainda traduz a complexidade da teoria da educação grega para a praticidade da educação romana:

“A simples norma de conduta de Cícero definia a versão romana prática do grande esquema da educação estatal institucionalizada, apresentada por Sócrates e por Platão em A República, e da busca e análise sutil da virtude de Aristóteles, tal como este as apresentara em sua Ética. Ambos os livros são, sem dúvida, mais grandiosos do que o Sobre os deveres de Cícero, mas, a nível prático, nenhum deles nos dá uma norma de conduta tão simples de entender e de seguir como a diretriz modesta, mas profunda de Cícero.” (Ibid., p. 99).

Aliás, a análise do histórico da educação deixou claro que ela pode se desenvolver de forma elitista e se conformar à manutenção das desigualdades sociais, legitimando barbáries e discriminações.

Bittar salienta que a educação pode se constituir apenas em treinamento, que direciona o desenvolvimento conforme conveniências políticas e sociais e bloqueia o desenvolvimento crítico da personalidade, mas também pode se constituir em formação, se dirigida à autorreflexão crítica, à autonomia e à emancipação.151

Nesse sentido, Adorno bem ressalta que uma das finalidades da educação é evitar que Auschwitz não se repita, de modo que a civilização deve se conscientizar de que ela própria cria e reforça o que é anticivilizatório.152

Diante das dificuldades de alterar os pressupostos objetivos (sociais e políticos) que geram esses acontecimentos, o processo educativo deve se concentrar na formação subjetiva, dirigindo-se à autorreflexão crítica sobre os processos que levam à agressão, com foco na primeira infância, para produzir conscientização e evitar a criação de novos opressores153,

151 Ibid., p.39-41.

152 Segundo Adorno: “A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal