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O ordenamento jurídico constitucional permite que o ensino privado siga as regras contratuais de mercado, com todas as responsabilizações que isto implica. Além de serem aplicáveis às regras de direito do consumidor, a caracterização da Educação como serviço público limita em muito determinadas formas de atuação da iniciativa privada. Isto em face da extrema relevância que tem a educação para o desenvolvimento social, conforme determina o art. 205 da Constituição Federal.

Exemplificando, o STJ tem entendimento no sentido de que

[...] instituição de ensino superior não pode recusar a matrícula de aluno aprovado em vestibular em razão de inadimplência em curso diverso anteriormente frequentado por ele na mesma instituição.279

Também há responsabilidade por danos morais da instituição de ensino superior que interrompa abruptamente suas atividades, ainda que o aluno continue estudando em outra instituição por convênio com a entidade que encerrara as atividades280.

Ainda a título de exemplo, trazemos a Súmula nº 595/STJ que destaca que

[...] as instituições de ensino superior respondem objetivamente pelos danos suportados pelo aluno/consumidor pela realização de curso não reconhecido pelo Ministério da Educação, sobre o qual não lhe tenha sido dada prévia e adequada informação.281

O art. 209 da Constituição Federal diz ser livre à iniciativa privada o ensino. Traz condições para o exercício, como necessidade de autorização e avaliação pelo Poder Público. O STF entende que “as instituições privadas de ensino integram o Sistema Federal de Ensino e subordinam-se à

279 Informativo nº 591/STF (2016).

280 Informativo nº 549/STJ (2014), Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/10/2014. 281 Súmula nº 595, Segunda Seção, julgado em 25/10/2017, DJe 06/11/2017.

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supervisão pedagógica do Ministério da Educação e da Cultura (MEC), a quem compete a autorização, o reconhecimento e o credenciamento dos cursos superiores por elas ministrados”282. O Superior Tribunal de Justiça entende, entretanto, que o graduado em curso de direito não reconhecido pelo Ministério da Educação pode ser inscrito na OAB, sendo suficientes o credenciamento e a autorização para a inscrição283.

O parágrafo único do dispositivo constitucional traz a liberdade de iniciativa também na área da educação quando assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. E a própria Constituição já traz a exigência de autorização pelo Poder Público.

Nos termos do artigo 208, é dever do Estado implementar a educação, configurando-se modalidade de serviço próprio. É assegurada, por exemplo, a gratuidade da educação infantil, fundamental e média para os que tenham entre 4 e 17 anos. Não há referência expressa no texto constitucional a gratuidade nas universidades estatais284. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal admite inclusive a cobrança em universidades públicas de mensalidades em cursos de especialização285.

Por outro lado, a atuação da iniciativa privada se dá na modalidade de serviços público impróprio286. Potencializa-se a identificação da realização de serviço público, quando, por exemplo, uma instituição privada recebe recursos públicos. Como exemplo,

[...] são absolutamente impenhoráveis os créditos vinculados ao programa Fundo de Financiamento Estudantil – FIES constituídos em favor de instituição privada de ensino287.

282 STF; ARE 754.849-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe de 27/5/2015.

283 Informativo nº 586/STJ (2016), Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14/6/2016, DJe 1/7/2016: “é

possível a extinção de curso superior por instituição educacional, no exercício de sua autonomia universitária, desde que forneça adequada e prévia informação de encerramento do curso (art. 53 da Lei 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Partindo-se desta premissa (legalidade no agir do instituto educacional), é necessário verificar se houve ou não excesso no exercício desse direito, em consonância com o enunciado normativo do art. 187 do CC, que regulou de forma moderna e inovadora o instituto do abuso de direito no sistema jurídico como autêntica cláusula geral. O exercício desse direito de extinção deve ater-se aos limites impostos pela ordem jurídica, especialmente o balizamento traçado pelo princípio da boa-fé objetiva. Exige-se, portanto, a necessidade de oferta de alternativas ao aluno, com iguais condições e valores, de forma a minimizar os prejuízos advindos com a frustração do aluno em não poder mais cursar a faculdade escolhida. Na situação em análise, todavia, a instituição educacional, ao extinguir de forma abrupta o curso oferecido, agiu com excesso no exercício do direito, dando ensejo à reparação pelos danos morais sofridos.”

284 MINTO, Lalo Watanabe. Gratuidade do ensino superior em estabelecimentos oficiais: precisão e implicações.

Editora Revista Educação e Sociedade: São Paulo, 2018, p. 157.

285 STF; RE 597854, Relator(a): Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2017, Acórdão Eletrônico

Repercussão Geral - Mérito DJe-214. Divulg. 20/09/2017. Public. 21/09/2017.

286 CURY, Carlos Roberto Jamil. Do público e do Privado na Constituição de 1988 e nas leis educacionais. Editora

Revista Educação e Sociedade: São Paulo, 2018, p. 877.

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O art. 206 da CF/1988 arremata que o ensino será ministrado com base no princípio do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino. Não há, portanto, de se falar em monopólio da educação por parte do Poder Público.

O regramento de mercado pode se fazer presente na esfera privada empresária de ensino. Não visando a entidade educacional o lucro, recebe benefícios estatais. O art. 213 da Constituição Federal prevê a possibilidade de distribuição de recursos públicos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e que assegurem à destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. O art. 150, VI, c, CF/1998, prevê isenção de impostos para instituições de educação sem fins lucrativos.

Entidades sem fins lucrativos podem inclusive ser equiparadas a entidades públicas ao permitir o acesso a cotas para os egressos de escolas públicas288. Ainda com relação ao ingresso em Universidades pelo sistema de cotas, a realização apenas de forma parcial do ensino fundamental em escola pública não assegura o ingresso pelo sistema de cotas289. Também se destaca que o Poder Público não pode exigir que para o ingresso pelo sistema de cotas em universidades públicas, o

288 STJ; REsp 1526171/RN, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe

10/12/2018: “Tira-se dos autos que o recorrente, pessoa cega e economicamente hipossuficiente, cursou a primeira parte do ensino fundamental em instituição filantrópica de direito privado (Instituto de Cegos do RN), sobretudo em razão da notória escassez de oferta, pela rede pública de ensino, de atendimento especializado para alunos com essa específica modalidade de deficiência sensorial. 4. O acórdão recorrido, confirmando a sentença denegatória da segurança, enfatizou que, nos termos da legislação de regência, o período escolar cumprido na referida escola filantrópica, por não se tratar de escola pública, não confere ao impetrante o direito de concorrer às vagas reservadas para alunos egressos do ensino fundamental público. 5. Tal percepção, de viés hermenêutico restritivo, está a desmerecer o princípio da razoabilidade (art. 2º da Lei nº 9.784/99), cujo primado, como bem assinala Mateus Eduardo Siqueira Nunes, "imanta toda a atividade administrativa, em todos os níveis de governo, sendo reconhecido pelos tribunais brasileiros" (Princípios de direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 171-2). (...) 7. Violação a direito líquido e certo do recorrente que ora se reconhece, assegurando-lhe o direito de se inscrever, como candidato "equiparado" a cotista oriundo de escola pública, no processo seletivo para ingresso em curso técnico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte.”

289 TJDFT; Acórdão nº1159774, 07009796520188070018, Relator: Arnaldo Corrêa Silva 2ª Turma Recursal dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 20/03/2019, Publicado no DJE: 27/03/2019: “Trata- se de ação declaratória de nulidade de ato administrativo, que indeferiu a matrícula do autor no curso de medicina, porquanto ele não teria cursado o ensino fundamental e médio integralmente em estabelecimento de ensino público, cujo pedido foi julgado improcedente. 2. Em seu recurso, o autor afirma que cursou apenas o primeiro ano do ensino fundamental em instituição de ensino da rede particular, de forma que não seria razoável impedir o seu ingresso, pelo sistema de cotas, em curso tão concorrido. Arguiu que, no caso concreto, o preceito legal não deve ter interpretação literal, devendo-se prestigiar o acesso à educação, conforme determina a Constituição Federal, bem como os princípios da razoabilidade/proporcionalidade e isonomia. (...) 5. As normas que regulam o sistema de reserva de vagas e impõem como critério a realização do ensino fundamental e médio exclusivamente em escola pública não podem ser interpretadas extensivamente para abarcar instituições de ensino particulares, sob pena de inviabilizar o fim buscado por meio da ação afirmativa estatal. (...) 7. Portanto, não há que se falar em proporcionalidade ou razoabilidade no caso concreto, tampouco em isonomia. Pelo contrário, eventual decisão em favor do autor, o colocaria em situação de vantagem em relação aos outros participantes do sistema de cotas.”.

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ensino médio e fundamental seja realizado integralmente em escolas públicas de determinado Estado da Federação290.

Para além da regulamentação legal do ensino no Distrito Federal291, importante ao debate educacional o tema da responsabilidade292, ainda que este possua várias definições como já visto. Mas é inerente ao tema responsabilidade a imposição de encargos pelo não cumprimento de alguma prestação imposta, seja pelo Poder Público, seja pela própria instituição de ensino293.

Os gestores dos sistemas privados de ensino devem submeter à legislação de responsabilidade educacional294. O art. 233 da Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF) determina ser a educação direito de todos e deve compreender as áreas cognitiva, afetivo-social e físico- motora. Há inclusive determinação na LODF de conteúdos obrigatórios na rede oficial de ensino295. Cada unidade escolar deve formular e executar seu projeto político pedagógico de acordo com os planos nacional e distrital de educação296. Devem ainda ser fortalecidos os grêmios estudantis297, além de dever ser divulgado para a comunidade o Plano de Desenvolvimento Estudantil298.

E o regramento inclui a rede privada, eis que todas as instituições educacionais do Distrito Federal devem obedecer ao disposto na legislação nacional e distrital299, tendo inclusive que observar, na elaboração de sua organização curricular, as Diretrizes Curriculares Nacionais, a Base

290 TJDFT; Acórdão n.1156168, 07016967720188070018, Relator: Fabrício Fontoura Bezerra, 1ª Turma Recursal dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 01/03/2019, Publicado no PJe: 14/03/2019.

291 Principais diplomas legislativos sobre a educação no Distrito Federal: Lei Orgânica do Distrito Federal, de 08 de

junho de 1993 - Título VI, Capítulo IV, Seção I; Lei Distrital nº 4.751, de 07 de fevereiro de 2012 - Dispõe sobre o Sistema de Ensino e a Gestão Democrática do Sistema de Ensino Público do Distrito Federal; Lei Distrital nº 5.499, de 14 de julho de 2015 (Plano Distrital de Educação - PDE); Resolução nº 1/2018-CEDF, de 18 de dezembro de 2018 - Estabelece normas para a Educação Básica no sistema de ensino do Distrito Federal; Resolução nº 2/201-CEDF, de 18 de setembro de 2017 - Estabelece normas para a Educação Superior no Sistema de Ensino do Distrito Federal.

292 XIMENES, Salomão Barros. Responsabilidade educacional: concepções diferentes e riscos iminentes ao direito à

educação. Educação & Sociedade, vol. 33, nº 119, p. 353-377. Campinas: Centro de Estudos Educação e Sociedade, 2012. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/873/87323122003.pdf. Acesso em: 25 fev. 2019 p. 361.

293 CURY, Carlos Roberto Jamil, op. cit., p. 3. 294 Ibidem, p. 11.

295 DISTRITO FEDERAL. Lei Orgânica do Distrito Federal, de 08 de junho de 1993. Brasília, 1993. Disponível em:

http://www.tc.df.gov.br/sinj/Norma/66634/Lei_Org_nica__08_06_1993.html. Acesso em: 25 fev. 2019: “Art. 235. A rede oficial de ensino deve incluir em seu currículo, em todos os níveis, conteúdo programático de educação ambiental, educação financeira, educação sexual, educação para o trânsito, saúde oral, comunicação social, artes, prevenção de doenças, cidadania, pluralidade cultural, pluralidade racial, além de outros adequados à realidade específica Distrito Federal. § 3º O currículo escolar e o universitário devem incluir, no conjunto das disciplinas, conteúdo sobre as lutas das mulheres, dos negros, dos índios e de outros na história da humanidade e da sociedade brasileira.”

296 DISTRITO FEDERAL. Art. 4º da Lei nº 4.751, de 07 de fevereiro de 2012. Dispõe sobre o Sistema de Ensino e a

Gestão Democrática do Sistema de Ensino Público do Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: http://www.tc.df.gov.br/sinj/Norma/70523/Lei_4751_07_02_2012.html. Acesso em: 25 de fev. de 2019.

297 Ibidem, Art. 46.

298 Art. 12 da Lei Distrital nº 5.499, de 14 de julho de 2015.

299 BRASÍLIA. Resolução Distrital Resolução nº 1/2018 – CEDF, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece normas para

a Educação Básica no sistema de ensino do Distrito Federal. Art. 4º. Disponível em: http://bit.ly/2m3OcS0. Acesso em: 26 de fev. de 2019.

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Nacional Comum Curricular, bem como as normas do sistema de ensino do Distrito Federal300, devendo participar dos procedimentos de avaliações sistêmicas301. Também devem definir as instituições de ensino o Regime Escolar302.

Ponto de destaque no que se refere a possível motivação de irradiação de ações de responsabilidade social está no art. 12, VI, da Lei nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, no qual determina que os estabelecimentos de ensino tenham a incumbência de articular-se com as famílias e com a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola.

E para além da responsabilidade educacional, com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do educador passar a ser objetiva e direta, nos termos do art. 14 do CDC303.

Com esse panorama, surge a necessidade de se analisar o que vem sendo afirmado pelas instituições de ensino do Distrito Federal no que se refere à responsabilidade social. E sobre o caráter vinculativo do que venha a ser afirmado, as regras de vinculação em relação à publicidade possuem incidência direta.

300 Ibidem, Art. 14. 301 Ibidem, Art. 147. 302 Ibidem, Art. 165.

303 NICOLAU JUNIOR, Mauro. E NICOLAU, Célia Cristina Munhoz Benedetti. Responsabilidade civil dos

estabelecimentos de ensino: a eticidade constitucional. Revista de Direito nº 80-2009. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=e872eef2-1629-4321-85da- d52571b206e7&groupId=10136. Acesso em: 28 de fev. de 2019.

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CAPÍTULO 03 – O Panorama da Publicidade sobre Ações Sociais nas Entidades de Ensino no Distrito Federal

Por ter se mostrado infrutífera a tentativa de buscar nos estatutos sociais das entidades de ensino a definição de ações de responsabilidade social, buscou-se nos sites das instituições a referência a tais ações de cunho social.

A análise constante dos anexos permitiu a separação de um grupo de entidades que poderiam estar a implementar ações de cunho de responsabilidade social. As informações relativas a tais instituições foram abordadas para se verificar o grau de configuração de responsabilidade social na atividade desenvolvida.