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2 ANCORAGEM METODOLÓGICA

3 REDE CONCEITUAL PARA COMPREENDER OS LETRAMENTOS DE RESISTÊNCIA

3.3 EDUCAÇÃO POPULAR COMO PRÁTICA TRANSFORMADORA

Educação, seja ofertada pelo Estado, seja fora do ambiente tradicional, é uma ação política na qual a linguagem exerce papel central. Enquanto ação política e de linguagem, é atravessada por disputas ideológicas. Para discuti-la, é necessário vinculá-la a um contexto sócio-político-cultural, assim como situar a partir de qual lugar se fala, ou seja, qual a perspectiva adotada na discussão.

No Brasil, Freire (2014 [1974]) foi o teórico que mais contribuiu com a prática e com as reflexões teóricas sobre Educação Popular. Essas reflexões constroem espaços de discussão ou Círculos de Cultura (FREIRE, 1991) “[...] fundamentados em uma proposta pedagógica, cujo caráter radicalmente democrático e libertador propõe uma aprendizagem integral, que rompe com a fragmentação e requer uma tomada de posição perante os problemas vivenciados em determinado contexto” (DANTAS; LINHARES, 2014, p. 74). Os Círculos de Cultura freireano consistem em aulas em espaços da (con)vivência cotidiana do povo, estimulando debates sobre as realidades das(os) educandas(os), de modo que, valorizando

culturas e experiências locais, os indivíduos possam se reconhecer capazes de intervir e de reconstruir suas realidades de exclusão e desigualdades.

Posto isso, adotamos, neste estudo, a perspectiva emancipatória e transformadora da educação (FREIRE, 2014 [1974]; GIROUX, 1986; 1997), ou simplesmente Educação Popular. Freire (Apud GADOTTI, 1991, p. 84), considera que “[...] a transformação da educação não pode antecipar-se à transformação da sociedade, mas esta transformação necessita da educação”. Isso significa dizer que transformar a educação exige também dos indivíduos a constante luta contra culturas hegemônicas.

A luta contra-hegemônica demanda aprender a fazer leitura de mundo (FREIRE, 2014 [1974]), ou seja, a fazer leituras críticas da realidade. Nesse aprender a ler criticamente o mundo, os indivíduos podem se descobrir oprimidos, e essa descoberta pode mobilizá-los a lutar contra as forças que os oprimem. O processo de entender a condição de oprimida(o) pode ainda construir outras compreensões e, portanto, potencializar novo engajamento em outros processos de lutas políticas (GIROUX, 1986).

Nessa perspectiva, Giroux (1997, p. 29), compreende que “[...] tanto professores como alunos devem ser educados para lutarem contra formas de opressão na sociedade mais ampla, e que as escolas representam apenas um lugar importante nesta luta”. Desse modo, a escola, seja estatal ou não, deve ser um dos espaços de luta contra as desigualdades e de construção de estratégias para combater os sistemas dominantes e antidemocráticos. A escola deve ser também um espaço de luta política, de educação para a democracia.

A Educação Popular é, assim, uma prática político-pedagógica que “[...] utilizando formas de ensinar e aprender cujos interesses sejam políticos e emancipatórios” (SANTOS, 2012, p. 78) permite construir coletivamente a reflexão, a criticidade e o enfrentamento às opressões. Isso é possível porque a Educação Popular enquanto uma prática transformadora busca também construir uma

[...] metodologia da prática transformadora, válida não somente para os feitos educativos, mas também para o processo global de transformação, pois impregna-se da multiplicidade da prática social para propiciar seu reconhecimento, seu ordenamento e sua compreensão, interpretando-a desde uma perspectiva humana, plural, popular e transformadora (LEIS, 2009, p. 73)

Essa prática de educação transformadora implica, portanto, um processo de aprendizagem que constrói com os indivíduos condições de interpretar a realidade e intervir coletiva e criticamente para transformá-la. Características essas que fazem parte das raízes da educação crítica que, segundo Apple, Au e Gandin (2011), nasce das tradições afro-caribenha,

afro-americana e de práticas de grupos feministas de diferentes países. Desse modo, reconhecemos que, por estar vinculada aos processos socioculturais e políticos de cada continente, a Educação Popular é resultado da história de resistências e de lutas de diferentes povos.

Sendo resultado dos processos de lutas populares, a Educação Popular se apresenta também como uma alternativa às práticas tradicionais de educação ofertada pelo Estado, o qual muitas vezes serve aos propósitos das elites políticas e econômicas, reforçando preconceitos, exclusão e desigualdades. Isso posto, compreendemos também que a Educação Popular necessita assumir uma perspectiva feminista, que leve em consideração a “[...] importância da auto-organização das mulheres para sua constituição como sujeitos políticos. É a partir desse processo que haverá mudanças nas relações desiguais de gênero” (BUTTO et al., 2014, p. 84). Efetivamente, a Educação Popular configura-se tanto como uma prática social quanto uma teoria da educação, a qual considera que o ato de educar deve estar correlacionado aos contextos sociais, políticos e culturais.

As concepções de educação freireana têm impulsionado diversas experiências de perspectiva emancipatória em vários países, sobretudo na América Latina. Com as mudanças na geopolítica mundial, que inclui conflitos por territórios, por recursos naturais e ameaças às democracias nacionais, com expansão da extrema direita em diversos países, torna-se urgente a construção de estratégias e de instrumentos político-pedagógicos capazes de fortalecer as lutas sociais e provocar as necessárias transformações populares. A educação Popular apresenta-se como um desses instrumentos.

Pensar em Educação Popular é pensar também no papel da(o) educador(a) popular que, segundo Freire (1996), no processo de aprendizagem é ao mesmo tempo educador(a) e educanda(o). Assim também, nesse processo de ensino-aprendizagem, educadoras(es) educandas(os) constituem agentes de lutas contra as opressões e pelas transformações de suas realidades. Essa perspectiva do autor reforça que a “[...] visão de que a construção do conhecimento é um processo coletivo pressupõe romper com a hierarquia nos processos de formação, onde há uma pessoa que ensina e outras que aprendem” (BUTTO et al., 2014, p. 87).

Assim, é necessário que a(o) educadora (educador) popular construa espaços que instiguem a inquietação, o questionamento e a criatividade da(o) educanda(o) (FREIRE, 1996). Dessa maneira, as(os) educadoras(es) constroem condições para que juntas(os) – educadoras(es) e educandas(os) – aprendam a partir da leitura crítica de suas realidades. Esse

modo de conceber a educação potencializa a vivência da língua em uso, situada aos contextos de quem a utiliza, seja a partir das práticas orais, escritas e/ou multimodais.