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Letramentos de resistência: mulheres na luta por terra e território na Chapada do Apodi

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

MARIA ADRIANA VIEIRA DAS GRAÇAS

LETRAMENTOS DE RESISTÊNCIA

Mulheres na luta por terra e território na Chapada do Apodi

NATAL-RN 2019

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MARIA ADRIANA VIEIRA DAS GRAÇAS

LETRAMENTOS DE RESISTÊNCIA

Mulheres na luta por terra e território na Chapada do Apodi

Dissertação apresentada à banca de defesa do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem.

Orientadora: Profa. Dra. Glícia Azevedo Tinoco

NATAL-RN 2019

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MARIA ADRIANA VIEIRA DAS GRAÇAS

LETRAMENTOS DE RESISTÊNCIA

Mulheres na luta por terra e território na Chapada do Apodi

Dissertação apresentada à banca de defesa do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem.

Aprovada em 07/06/2019

__________________________________________________________________ Profa. Dra. Glícia Azevedo Tinoco

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Orientadora

__________________________________________________________________ Profa. Dra. Andrea Lorena Butto Zarzar

Universidade Federal Rural de Pernambuco Examinadora externa

__________________________________________________________________ Profa. Dra. Ivoneide Bezerra de Araújo dos Santos Marques

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem

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CDU 81'33 RN/UF/BS-CCHLA

1. Letramentos de resistência - Dissertação. 2. Agente de letramento - Dissertação. 3. Educação Popular - Dissertação. 4. Mulheres - Luta por terra - Território - Dissertação. I. Tinoco, Glícia Marili Azevedo de Medeiros. II. Título.

Das Graças, Maria Adriana Vieira.

Letramentos de resistência: mulheres na luta por terra e território na Chapada do Apodi / Maria Adriana Vieira das Graças. - Natal, 2019.

102f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.

Orientadora: Profa. Dra. Glícia Marili Azevedo de Medeiros Tinoco.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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GRATIDÃO...

... à Marcha Mundial das Mulheres e ao Centro Feminista 8 de Março, pelo aprendizado coletivo, pela esperança que compartilhamos e pela marcha que seguimos até que todas sejamos livres;

ao Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi, pela receptividade e pelo apoio à realização da pesquisa no território da Chapada do Apodi;

à Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi, pela disponibilidade e pelo suporte à realização dos eventos de geração de dados;

à Universidade Federal do Rio Grande do Norte e ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem e suas professoras que me proporcionaram vivenciar uma rica interação com diversas teorias linguísticas, contribuindo para a minha escrita e formação acadêmica;

aos meus amores: Leonor, minha avó (in memorian); Maria, minha mãe; Chico, meu pai; Aridéia, minha irmã; André (in memorian), Adriano e Alexandre, meus irmãos; Ariadne, minha sobrinha; Ádren, meu sobrinho, pela afetividade, cumplicidade e compreensão compartilhadas em todos os momentos da vida;

à querida professora Dra. Glícia Azevedo Tinoco, pelo rico aprendizado e pela leveza com que conduziu as relevantes e afetuosas orientações – as sessões de orientação com Glícia são verdadeiras aulas de afeto, na concepção freireana, pois ela, de fato, tem um olhar excedente e revestido de amor pelo outro que me fez sentir especialmente cuidada no ambiente acadêmico;

às minhas companheiras e aos meus companheiros do grupo de orientandas(os): Adriana, Glênio, Geoci, Eduardo, Jaciara, Janaína, Laura, Liana, Luciana, Maria José, Priscila, Thaísa e Vaneíse, pela amorosa acolhida, pelo nosso trabalho coletivo e colaborativo, pelo mutirão que fizemos;

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às professoras Dra. Ana Maria de Oliveira Paz, Dra. Andrea Lorena Butto Zarzar, Dra. Ivoneide Bezerra de Araújo dos Santos Marques e Dra. Luanda Rejane Soares Sito, pela receptividade para contribuírem como examinadoras desta dissertação, nos eventos de qualificação e defesa;

às e aos colegas do curso: Márcia, Alizandra e Dayvesson, pela amizade e aprendizado compartilhado;

à minha querida amiga Andréa Cristina Soares Costa, pela serenidade que a nossa amizade me trouxe nos momentos de angústias e inseguranças durante essa jornada de letramento acadêmico;

às colegas do pensionato: Aninha, Dara, Fabielly, Genilda, Lara, Mara, Núbia, pelas conversas, companhia e partilha dos almoços de domingo;

às amigas e aos amigos: Andréa, Alix, Cícera, Cleidijane, Dayvesson, Genilda, Gilka, Ozaias e Tarcísio, pelas risadas e cervejas compartilhadas;

à Dona Madalena, pela acolhida e cuidados comigo durante minha estada em Natal.

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Resistimos para viver, marchamos para transformar! Marcha Mundial das Mulheres

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RESUMO

A luta por terra e território que vem sendo travada, desde 2011, na porção norte-rio-grandense da Chapada do Apodi evidencia a disputa entre dois modelos de agricultura. De um lado, estão o agro e hidronegócio que, fundamentados na utilização de grandes áreas de terra e elevada quantidade de água, associada ao uso de agrotóxicos na produção, priorizam o lucro e ameaçam a vida no campo. Do outro, a agricultura familiar e camponesa que, a partir da produção, na maioria dos casos de base agroecológica, em pequenas propriedades, prioriza a vida e a biodiversidade no campo. Essa disputa mobiliza diversos movimentos e organizações locais, nacionais e internacionais contra as desapropriações e a favor das famílias ameaçadas de expulsão de suas terras. Constitui-se, dessa maneira, um movimento de luta e resistência na (e pela) Chapada do Apodi. Desse processo, destacamos, nesta dissertação, as ações de leitura, escrita e oralidade, tomadas como letramentos de resistência, desenvolvidas por trabalhadoras rurais de Apodi. Inserida no campo da Linguística Aplicada (MOITA-LOPES, 2006; PENNYCOOK, 2006), esta pesquisa assume uma abordagem qualitativa e interpretativista, amparada nos estudos de letramento de vertente etnográfica (KLEIMAN, 1995; TINOCO, 2008; SOUZA, 2009; SITO, 2010), na concepção dialógica da linguagem (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2006 [1929]) e no campo da educação popular e pedagogia crítica (FREIRE, 2014 [1974]; GIROUX, 1986). Seu objetivo geral é analisar os impactos sociais que resultam dos letramentos de resistência protagonizados pela Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi (STTR) no processo de luta por terra e território na Chapada do Apodi norte-rio-grandense. Os objetivos específicos são (i) compreender o processo de construção de eventos de letramento de resistência na luta por terra e território na Chapada do Apodi e, nesses eventos, (ii) examinar estratégias e táticas de linguagem construídas por trabalhadoras rurais de Apodi para fortalecer suas práticas de agricultura familiar e, ao mesmo tempo, contrapor-se ao discurso das grandes empresas do agro e hidronegócio. Os dados foram gerados em seis eventos: duas oficinas com trabalhadoras rurais de Apodi; quatro sessões de entrevistas com coordenadoras e ex-coordenadoras da Comissão de Mulheres do STTR de Apodi. Os resultados apontam que práticas de letramento de resistência, mobilizadas em âmbito local e aliadas a outras práticas sociais de organização popular, podem transformar um problema local em uma luta coletiva internacional e contribuir para o fortalecimento da autonomia feminista de trabalhadoras rurais que, independentemente da escolaridade, atuam como agentes de letramento na luta por terra e território no Rio Grande do Norte e além-fronteiras.

Palavras-chave: Letramentos de resistência. Agente de letramento. Educação Popular. Mulheres na luta por terra e território.

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ABSTRACT

The striving for land and territory that has been occurring since 2011 at Chapada do Apodi evidences the dispute between two models of agriculture. On the one hand, agricultural and water businesses are based on the usage of large areas of land and large amount of water. Such models are associated with the employment of pesticides in agricultural production, prioritizing profit and threatening country life. On the other hand, most agro-ecological cases evidence that family and peasant agricultures prioritize life and field biodiversity based on the production conducted in small lands. The dispute between such models of agriculture mobilizes several movements and local, national and international organizations against expropriations and in favor of the families threatened with eviction of their own lands, thereby constituting striving and resistance movements at and for Chapada do Apodi. From this process, this dissertation emphasizes reading, writing and orality actions, which are denominated literacies of resistance and which were performed by farm workers of Apodi city. Inserted into the field of Applied Linguistics (MOITA-LOPES, 2006; PENNYCOOK, 2006), this research stands for a qualitative and interpretative approach, being backed by ethnographic literacy studies (KLEIMAN, 1995; TINOCO, 2008; SOUZA, 2009; SITO, 2010), as well as dialogical conception of language (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2006 [1929]), popular education and critical pedagogy (FREIRE, 2014 [1974]; GIROUX, 1986). The general objective of this research is to analyze the social impacts resulting from literacies of resistance featured by the Women’s Committee of the Female and Male Rural Workers Labor Union (STTR) of Apodi concerning the striving for land and territory at Chapada do Apodi. The specific objectives of this research are: (i) to comprehend the construction process of literacies of resistance concerning the striving for land and territory at Chapada do Apodi and in these events, (ii) to examine strategies and language policies developed by rural workers of Apodi to strengthen their practices of family agriculture and simultaneously to contradict the discourse of large companies that deal with agricultural and water business. The collection of data was conducted through six events: two workshops with female rural workers of Apodi and four interview sessions with coordinators and former coordinators of the Women’s Committee of STTR of Apodi. In conclusion, the results evidenced that practices of literacies of resistance at local level and allied with other social practices popularly organized may turn a local problem into an international collective striving and also contribute to strengthening the autonomy of the female rural workers that, regardless their education level, act as literacy agents concerning the striving for land and territory in the state of Rio Grande do Norte and beyond.

Keywords: Literacies of resistance. Literacy agent. Popular education. Women striving for land and territory.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Localização do município de Apodi/RN 25

Figura 2 Práticas de letramento vivenciadas na plenária 53 Figura 3 Práticas de letramento da oficina de escrita da carta 58 Figura 4 Trecho da carta produzida durante a oficina no STTR de Apodi 60

Figura 5 Etapas do mutirão de escrita 65

Figura 6 Participantes da oficina do mutirão de escrita 67

Figura 7 Modelo do selo utilizado nas cartas 68

Figura 8 E-mail da MMM com pedido de solidariedade 70 Figura 9 Respostas ao e-mail da MMM em sites internacionais 71 Figura 10 Correspondência do Gabinete Pessoal da Presidência da República 73 Figura 11 Ato de solidariedade “Somos Todas Apodi”, em Apodi-RN 76 Figura 12 Placa de obras: implantação da 1ª etapa do projeto do DNOCS 77 Figura 13 Placa instalada durante a mobilização “Somos Todas Apodi” 78

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Caracterização das colaboradoras da pesquisa 32 Quadro 2 Pseudônimos e suas respectivas justificativas 33

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LISTA DE SIGLAS

AACC Associação de Apoio às Comunidades do Campo AM Amplitude Modulation (Modulação em Amplitude)

CE Ceará

CF8 Centro Feminista 8 de Março

CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPT Comissão Pastoral da Terra

DF Distrito Federal

DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

FETARN Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do Norte

GR Grupo de responsabilidade

GT Grupo de trabalho

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LA Linguística Aplicada

MG Minas Gerais

MMM Marcha Mundial das Mulheres

ONG Organização Não-Governamental

PE Pernambuco

PIJA Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi

PPgEL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ESTUDOS DA LINGUAGEM

PR Paraná

PROELO Centro de Assessoria a Processos de Desenvolvimento Local da Chapada do Apodi

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

RN Rio Grande do Norte

RS Rio Grande do Sul

SP São Paulo

STTR Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UMAR União de Mulheres Alternativas de Resposta

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NORMAS DE CONVENÇÕES ADOTADAS

As convenções de transcrição utilizadas nesta pesquisa tomam como base Marcuschi (1986). Também foram utilizados sinais convencionais de pontuação gráfica, bem como as convenções ortográficas da Língua Portuguesa.

[[: falas simultâneas. [: sobreposição de vozes. [ ]: sobreposições localizadas. (+): pausas e silêncios.

( ): texto incompreenssivo ou sobreposições. /: truncamentos bruscos

:: : alongamento de vogal

(( )): inserções ou comentários da analista

/.../: supressão de trecho da transcrição original. ---: silabação

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SUMÁRIO

1 PALAVRAS INICIAIS 17

2 ANCORAGEM METODOLÓGICA 22

2.1 PARADIGMA DA PESQUISA 22

2.2 CONTEXTO DA RESISTÊNCIA E LUTA NA CHAPADA DO APODI 25

2.3 COLABORADORAS DA PESQUISA 30

2.4 PROCEDIMENTOS PARA A GERAÇÃO DOS DADOS 35

3 REDE CONCEITUAL PARA COMPREENDER OS

LETRAMENTOS DE RESISTÊNCIA

38

3.1 LINGUAGEM COMO FORMA DE INTERAÇÃO 38

3.2 CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS E TÁTICAS NAS INTERAÇÕES 41

3.3 EDUCAÇÃO POPULAR COMO PRÁTICA TRANSFORMADORA 42

3.4 LETRAMENTO DE VERTENTE ETNOGRÁFICA 45

3.4.1 Letramentos de reexistência/resistência 48

4 LETRAMENTOS DE RESISTÊNCIA NA/PELA CHAPADA DO

APODI

51

4.1 EVENTOS DE LETRAMENTO DE RESISTÊNCIA NA CHAPADA DO APODI

51

4.1.1 Plenária da Marcha Mundial das Mulheres: das práticas de letramento coletivas à genealogia da carta

51

4.1.2 Oficinas de escrita: colaboração e autoria coletiva 55 4.1.3 Oficinas de escrita em mutirão: agência coletiva na escrita como

prática social

64

4.2 IMPACTOS DOS LETRAMENTOS DE RESISTÊNCIA NA/PELA CHAPADA DO APODI

69

4.2.1 Respostas da luta: a correspondência da Presidência da República 73 4.2.2 “Somos Todas Apodi”: 24 horas de solidariedade feminista 76

5 CONSIDERAÇÕES, POR ORA, FINAIS 83

REFERÊNCIAS 86

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1 PALAVRAS INICIAIS

“Somos todas Apodi!” (Lema da campanha da Marcha Mundial das Mulheres em

solidariedade à luta da Chapada do Apodi)

Somos todas Apodi!1 É esse sentimento de coletividade, pertencimento e luta que entrelaça todo o processo de pesquisa ao qual me empenhei nos últimos dois anos. Esta pesquisa é, para mim, uma importante etapa da minha formação enquanto militante e educadora popular, pois a partir deste estudo fui construindo reflexões sobre as minhas próprias práticas, o meu fazer militante e pedagógico. Concomitante a esta investigação, fui constituindo-me enquanto linguista aplicada. Na condição de pesquisadora da Linguística Aplicada, área transdisciplinar e intercultural que se ocupa com os estudos situados da língua, tenho buscado interagir com diferentes teorias de diversas áreas do conhecimento, sobretudo com as dos estudos da linguagem. Essa interação tem contribuído para ampliar o leque de perspectivas que possibilitam minha compreensão das diferentes realidades em que haja a língua em uso.

Foi na região da Chapada do Apodi2 onde nasci, cresci e construí minha militância política. Muito jovem, comecei a participar dos processos organizativos da minha comunidade. Em companhia de meu pai e de minha mãe, eu ia com frequência às reuniões, oficinas, palestras e aos cursos que o Conselho Comunitário3 realizava. Nessas atividades discutíamos os problemas da comunidade e propostas de possíveis resoluções. Em uma dessas atividades constituímos grupos de responsabilidades (GR) que ficaram encarregados de executar as propostas deliberadas pelo coletivo.

Nesse ínterim, engajei-me no GR de educação, que conseguiu a ampliação da biblioteca e a doação de livros para o acervo bibliotecário da escola da comunidade. No entanto, essa participação não se limitou ao espaço da comunidade, uma vez que, em

1 Apodi é um município localizado na porção norte-rio-grandense da microrregião da Chapada do

Apodi, distante 375 quilômetros de Natal, capital do Rio Grande do Norte.

2 Localizada na divisa entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, a Chapada do Apodi é símbolo de

resistência e luta camponesa contra o modelo de desenvolvimento baseado no agro e hidronegócio proposto pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) através, principalmente, da implementação de perímetros irrigados, necessitando para essa implementação desapropriações de extensas áreas de terra da agricultura familiar da região.

3 Conselho Comunitário é uma organização com personalidade jurídica e regimento interno próprio

que tem como sócias(os) moradoras(es) da comunidade que em assembleias discutem e deliberam sobre assuntos de interesse coletivo.

(18)

consequência das articulações necessárias para dar seguimento às ações do GR, interagi com outras instituições, incluindo o Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) de Baraúna-RN, ao qual me associei, começando a participar assiduamente das reuniões e assembleias. Mais tarde, representando o STTR, ingressei na Coordenação Oeste de Trabalhadoras Rurais, uma articulação de auto-organização de trabalhadoras rurais da região Oeste do Rio Grande do Norte.

No ano 2000, integrei a equipe de jovens estagiárias e estagiários da organização não governamental Associação de Apoio às Comunidades do Campo (AACC), onde contribuí com a auto-organização de mulheres e jovens em comunidades e assentamentos4 rurais de Baraúna. Nesse mesmo ano, contribuí com a fundação do Centro de Assessoria a Processos de Desenvolvimento Local da Chapada do Apodi (Centro PROELO), do qual sou sócia-fundadora.

Como consequência desses processos de organização local, também no ano 2000, participei da primeira ação internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), movimento internacional feminista, onde construí minha militância feminista. Nesse mesmo ano conheci a organização feminista de assessoria, assistência técnica e apoio à auto-organização de mulheres Centro Feminista 8 de Março (CF8), no qual integro a equipe técnica desde 2003.

Entre os anos de 2006 e 2010 cursei Letras Espanhol na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), formação que contribuiu para fortalecer minha atuação em atividades e espaços internacionais da Marcha Mundial das Mulheres. Até 2016, contribui com a Coordenação Executiva da Marcha Mundial das Mulheres Brasil no acompanhamento e apoio à organização do movimento nos estados do Nordeste.

Em 2011, o Governo Federal assinou o Decreto de 10 de junho de 2011, documento que autoriza a desapropriação de milhares de hectares de terras no município de Apodi-RN para viabilizar a instalação do Projeto Irrigado Santa Cruz do Apodi. Esse projeto potencializa o avanço do agro e hidronegócio na região. Nesse período, enquanto militante da Marcha Mundial das Mulheres, participei junto de outras mulheres da Chapada do Apodi do processo de resistência e de luta contra essas desapropriações na região. Organizamos muitas ações de resistência e luta nas comunidades, nos assentamentos, nas ruas e nas redes sociais. Dentre

4 Tanto comunidades quanto assentamentos são propriedades rurais. A diferença consiste no fato de

que os assentamentos são “instaladas pelo Incra onde originalmente existia um imóvel rural que pertencia a um único proprietário. Cada uma dessas unidades, chamadas de parcelas, lotes ou glebas, é entregue pelo Incra a uma família sem condições econômicas para adquirir e manter um imóvel rural por outras vias” (INCRA, s.d).

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essas ações, destacamos as práticas de leitura, escrita e oralidade que estão relacionadas à produção de gêneros discursivos escritos para tentar impedir a instalação desse projeto do agronegócio, designadas nesta investigação simplesmente letramentos de resistência.

É, portanto, o olhar, sob as lentes do feminismo e da Linguística Aplicada, para essa trajetória de lutas que define o nosso objeto de estudo: letramentos de resistência em processos de luta por terra e território na Chapada do Apodi. Na perspectiva da Linguística Aplicada, tão importante quanto os gêneros discursivos produzidos pelos sujeitos que atuam em suas comunidades ou assentamentos são os processos coletivos dessa produção. Assim, a análise desses processos é relevante para compreendermos o papel da luta, da resistência, da colaboração e da coletividade nos gêneros produzidos.

Nesse sentido, as motivações desta pesquisa têm intrínseca relação com a minha trajetória de vida, de militância política, de atuação profissional e também com a relevância social e política da investigação dos processos de luta por terra e território na Chapada do Apodi, sobretudo os protagonizados por trabalhadoras rurais. A possibilidade de pesquisar processos de luta, acima de tudo das mulheres rurais, um dos movimentos sociais de mulheres que têm crescido e ganhado visibilidades nas últimas décadas5, é importante para registrar vozes desvalorizadas e silenciadas nas narrativas hegemônicas e patriarcais da história.

Esta dissertação é, portanto, resultado de um processo de interações e colaboração, que se deu pelos diálogos com as colaboradoras da pesquisa, com a rede conceitual que fui me apropriando ao longo das disciplinas do mestrado, com a orientadora, com o grupo de orientandas e orientando, com as professoras das bancas de qualificação e defesa e com a própria luta. Considerando essa colaboração, passo, a partir deste momento, a escrever em 1ª pessoa do plural, considerando que já não cabe aqui apenas a minha singularidade no dizer desta pesquisa, mas a pluralidade das contribuições práticas, intelectuais e afetivas de diferentes sujeitos em todas as etapas desta investigação. Corroboramos, assim, a perspectiva de Leffa (2001, p. 8) quando diz “[...] que a maneira participativa e colaborativa de pesquisar é provavelmente a única maneira de se produzir novos saberes – hoje e no futuro”.

Ao longo desta investigação algumas questões foram sendo levantadas, dentre as quais três constituem nossas questões de pesquisa. Vejamos.

a. Como são construídos eventos de letramento de resistência na luta por terra e território na Chapada do Apodi?

5 A esse respeito, ver a Tese de Doutorado Movimentos sociais de mulheres rurais no Brasil: a

construção do sujeito feminista (ZARZAR, 2017), a qual analisa as trajetórias dos movimentos sociais

(20)

b. Que estratégias e táticas de linguagem são construídas pelas trabalhadoras rurais de Apodi para fortalecer suas práticas de agricultura familiar e, ao mesmo tempo, contrapor-se ao discurso das grandes empresas do agro e hidronegócio?

c. Que impactos sociais resultam dos letramentos de resistência protagonizados pela Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi no processo de luta por terra e território na Chapada do Apodi norte-rio-grandense?

A busca pelas respostas para essas questões foi o que orientou o percurso desta investigação. Nesse sentido, delineamos três objetivos, partindo dos mais específicos para culminar no objetivo geral. Inicialmente, buscamos (i) compreender o processo de construção de eventos de letramento de resistência por trabalhadoras rurais de Apodi na luta por terra e território na Chapada do Apodi. A partir dessa compreensão, procuramos (ii) examinar estratégias e táticas de linguagem construídas por trabalhadoras rurais de Apodi para fortalecer suas práticas de agricultura familiar e, ao mesmo tempo, contrapor-se ao discurso das grandes empresas do agro e hidronegócio. Atingidos esses objetivos, empenhamo-nos em (iii) analisar os impactos sociais que resultam dos letramentos de resistência vivenciados pela Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi no processo de luta por terra e território na Chapada do Apodi norte-rio-grandense.

Mediante as questões e os objetivos desta pesquisa, trabalhamos com um corpus composto por: carta da Comissão de Mulheres do STTR de Apodi enviada à então Presidenta Dilma Rousseff; correspondência da Presidência da República; placa instalado pelas militantes da Marcha Mundial das Mulheres em Apodi; e-mails da Marcha Mundial das Mulheres; postagens em blogs e sites nacionais e estrangeiros em resposta à Marcha Mundial das Mulheres e as transcrições dos áudios das atividades de geração de dados (das entrevistas e das oficinas Revivendo Memórias).

Com foco no letramento de vertente etnográfica (KLEIMAN, 1995; TINOCO, 2008; SOUZA, 2009; SITO, 2010), os subsídios teóricos-metodológicos deste estudo estão ancorados no campo da Linguística Aplicada (MOITA-LOPES, 1994; 2006; PENNYCOOK, 1998, 2006), em paradigmas de pesquisa qualitativa (CHIZZOTTI, 2006) e interpretativista (MOITA-LOPES, 1994), na concepção dialógica de língua(gem) (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2006 [1929]) com atenção às estratégias e táticas da interação (CERTEAU, 2012 [1980]) e no campo da educação popular enquanto uma pedagogia crítica (FREIRE, 2014 [1974]; GIROUX, 1997). Essa rede conceitual possibilita o entendimento da dimensão social e situada da língua em uso.

(21)

Estruturalmente, este trabalho está dividido em cinco seções: (i) palavras iniciais; (ii) rede conceitual para compreender os letramentos de resistência; (iii) ancoragem metodológica; (iv) letramentos de resistência de trabalhadoras rurais de Apodi e (v) palavras, por ora, finais. Em seguida, apresentamos as referências e os anexos.

Na seção metodológica, abordamos o contexto no qual foi desenvolvida a pesquisa, os paradigmas da investigação, as colaboradoras que contribuíram com o estudo, os procedimentos e os instrumentos para a geração dos dados.

A seção sobre a rede conceitual discute a língua(gem) como forma de interação, estratégias e táticas de língua(gem) em contextos de disputas, a educação popular enquanto uma prática transformadora e os estudos de letramento de vertente etnográfica, com ênfase nos letramentos de reexistência/resistência.

Na análise, focalizamos eventos de letramento e gêneros discursivos desenvolvidos por militantes da Marcha Mundial das Mulheres e trabalhadoras rurais de Apodi na luta pela revogação do Decreto de 10 de junho de 2011. Desses eventos e gêneros discursivos, analisamos práticas de letramento, ações das agentes de letramento de resistência, o desenvolvimento da agência cívica dessas agentes de letramento e as estratégias e táticas na produção de gêneros discursivos no contexto da resistência e luta por terra e território na Chapada do Apodi. A partir disso, analisamos os impactos sociais que resultaram dos letramentos de resistência desenvolvidos pela Comissão de Mulheres do STTR de Apodi em articulação com a Marcha Mundial das Mulheres.

Nas considerações finais, a partir das questões de pesquisa, discutimos os resultados do estudo empreendido, em seguida apresentamos as referências e os anexos.

(22)

2 ANCORAGEM METODOLÓGICA

“Companheira, me ajuda que eu não posso andar só/ eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor” (Ciranda cantada em atividades da Marcha Mundial das Mulheres)

A ideia da construção processual e em coletividade ser algo superior a “andar bem, embora sozinha” é uma das características da militância política feminista. Essa militância, que trouxe comigo da Chapada do Apodi para o PPgEL, na UFRN, encontrou ressonância na forma de fazer pesquisa da Linguística Aplicada, conforme veremos nesta seção. Nela, apresentamos o paradigma da pesquisa, o contexto, as colaboradoras e os procedimentos para a geração de dados.

2.1 PARADIGMA DA PESQUISA

Esta pesquisa adota o paradigma qualitativo e interpretativista de vertente etnográfica, inserindo-se no campo da Linguística Aplicada (doravante, LA). A característica qualitativa desta pesquisa se justifica pelo fato de ter sido realizada em contextos de ações reais e em ambiente de convivência natural, ou seja, os cenários não foram criados para atender a esta pesquisa (DE GRANDE, 2011). Desse modo, segundo Chizzotti (2006), nos posicionamos diante do contexto político e nos comprometemos com a realidade e com os sujeitos dessa realidade. Outro aspecto que a configura enquanto pesquisa qualitativa é a geração de dados que privilegiou o estudo a partir de materiais empíricos (blogs, websites, cartas) do ambiente pesquisado.

No processo de pesquisas, Moita-Lopes (1994) considera que ao lidarmos com questões concernentes a ideologias, poder e subjetividade, isso nos coloca em um campo interpretativista da realidade investigada e não apenas observadoras(es) de realidades. Isso significa dizer que, ao fazermos observações – condição primordial e indispensável na etnografia – não descrevemos tão somente os fatos, mas antes fazemos uma seleção de fatos e, então, os interpretamos com vistas à reflexão para a transformação social.

Nesse sentido, para investir em uma pesquisa de tipo etnográfico, é necessário “[...] introduzir os atores sociais com uma participação ativa e dinâmica” (MATTOS, 2011, p. 49). Isso contribui para fortalecer as(os) colaboradoras(es) da pesquisa enquanto verdadeiras(os) colaboradoras(es) e não apenas informantes, o que a constitui também uma pesquisa de fortalecimento (CAMERON et al., 1993).

(23)

Ao fazer pesquisa de tipo etnográfico na perspectiva dos estudos de letramento, a metodologia utilizada na investigação busca descrever e compreender os contextos e os processos de produção das práticas de letramento, assim como os impactos dessas práticas na vida dos indivíduos, considerando a perspectiva deles. Investigar os efeitos do letramento em grupos minoritários e marginalizados que ascendem à escola e compreender os usos sociais da escrita fora do ambiente escolar são duas preocupações fundamentais dessa linha de pesquisa (KLEIMAN, 1995). Analisar nossos dados sob essas premissas nos subsidia a não ratificar pressuposições ou modelos universais e, sim, centrarmo-nos na observação das práticas de letramento dentro das singularidades dos indivíduos ou grupos, sem comparações, valorações ou prescrições linguísticas.

Dessa forma, as pesquisas de vertente etnográfica, por serem situadas, possibilitam construir, em colaboração com indivíduos que vivem em realidades de exclusão e marginalização social, respostas capazes de questionar e/ou transformar suas realidades. Isso, por sua vez, possibilita que os indivíduos se fortaleçam a partir da escrita.

De acordo com Moita-Lopes (1994), o caráter interpretativista nas pesquisas da LA também pode possibilitar a construção de conhecimentos e ainda salientar vários saberes da comunidade estudada. Essa possibilidade nos parece bastante importante nos estudos de letramento de vertente etnográfica, uma vez que compreendemos o conhecimento científico uma produção compartilhada entre pesquisadoras (pesquisadores) e toda a rede de colaboradoras(es). Isto é, a pesquisa não é mérito exclusivo das pesquisadoras e pesquisadores.

Esse olhar interpretativista para o cenário da investigação oportuniza compreendermos as relações de poder, as disputas ideológicas e as subjetividades das(os) colaboradoras(es) envolvidas(os) na investigação. Tal compreensão nos permite assumir o caráter qualitativo e interpretativista desta pesquisa.

Essa concepção de pesquisa constrói uma perspectiva de investigação que está comprometida com a reflexão crítica e as transformações reais e cotidianas da vida dos indivíduos que colaboram com as pesquisas. Isso fortalece o compromisso da LA com a relevância social da pesquisa, fazendo-nos entender que na condição de pesquisadora(s) e pesquisador(es) nos reconheçamos enquanto “[...] intelectuais situados em lugares sociais, culturais e históricos bem específicos [...] compreender que o conhecimento que produzimos é sempre vinculado a interesses” (PENNYCOOK, 1998, p. 46). Assim seopiopi0ndo, a própria escolha do objeto de estudo, que também é situado, já sinaliza a postura da investigação.

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Assumir esse engajamento na investigação é uma opção transgressiva (PENNYCOOK, 2006) muito importante na pesquisa qualitativa e interpretativista. Transgredir, na acepção aqui adotada, é, portanto, reconhecer que a ciência não é um campo neutro. Por isso, não consideramos que há uma base para se pensar a vida e outra para se fazer ciência (MARX, 1971). Desenvolver uma pesquisa de caráter transgressor não significa que a investigação seja desprovida de ética, métodos e critérios, mas que a sistemática de investigação, inclusive o que é considerado ético (ou não) para o grupo, vai sendo construído no percurso da pesquisa. Isto é, uma pesquisa é transgressora quando foge de padrões, modelos, regras e critérios preestabelecidos, os quais não consideram o universo do grupo colaborador. Desse modo, a sistemática de um estudo que assume um caráter transgressor é construída no próprio contexto da pesquisa, fortalecendo a natureza situada da pesquisa – característica das investigações na perspectiva dos estudos de letramento de vertente etnográfica.

Na dimensão ética das pesquisas dessa natureza, em que são compartilhadas muitas vivências entre pesquisadoras(es) e colaboradoras(es), é necessário refletir sobre os “[...] possíveis efeitos e consequências do caminho percorrido pelo pesquisador, interrogando-nos a quem eles podem atingir/beneficiar/prejudicar, e de que forma” (FABRÍCIO, 2006, p. 60). Com isso, é necessário lidar cuidadosamente com o processo de geração e interpretação dos dados, no intuito de evitar possíveis construções ou representações sociais negativas sobre as(os) colaboradoras(es) e comunidades envolvidas na pesquisa. Consideramos também uma importante postura ética a condução das pesquisas de modo que elas possam estimular problematizações e questionamentos a partir de ações situadas dos grupos envolvidos na investigação.

Dessa forma, coerente com a perspectiva da LA, que se preocupa em “[...] criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central” (MOITA-LOPES, 2006, p. 14), temos a expectativa de contribuir com a produção de conhecimentos que sejam problematizadores, transgressores, relevantes para a sociedade e significativos para a comunidade em que se desenvolve a pesquisa, em especial para as colaboradoras da pesquisa.

Em uma pesquisa de natureza interpretativista e que seja significativa para a comunidade acadêmica e para as(os) colaboradoras(es) da pesquisa é necessário dar conta da “[...] pluralidade de vozes em ação no mundo social e considerar que isso envolve questões relativas a poder, ideologia, história e subjetividade” (MOITA-LOPES, 1994, p. 331).

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Desse modo, é importante considerar a visão de mundo das(os) colaboradoras(es), pois ignorá-la comprometeria o viés situado de interpretação do processo investigado. Essa preocupação é o que baliza as pesquisas de vertente etnográfica em LA. Nesse sentido, esta pesquisa se preocupa com os esquemas processuais do mundo situado e o que esse contexto significa para as colaboradoras da pesquisa.

2.2 CONTEXTO DA RESISTÊNCIA E LUTA NA CHAPADA DO APODI

A Chapada do Apodi é um território que se estende pelos estados do Ceará e Rio Grande do Norte. Na porção cearense, ocupa os municípios de Alto Santo, Jaguaruana, Limoeiro do Norte, Quixeré e Tabuleiro do Norte. Já do lado potiguar, essa Chapada abrange os municípios de Apodi, Baraúna, Felipe Guerra e Governador Dix-Sept Rosado.

Para a especificidade desta dissertação, desenvolvemos nossa pesquisa no município de Apodi. Localizado nas coordenadas geográficas 05º 40’ 25” de latitude Sul e 37º 48’ 20” de longitude Oeste, está a 341 quilômetros da cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Vejamos, na Figura 1, a localização de Apodi.

Figura 1 – Localização do município de Apodi/RN

Fonte: Acervo da pesquisa, 20196.

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Apodi tem uma área territorial de 1.602,477 km2 com a predominância de clima semiárido. Tem uma população de 34.763 habitantes, dos quais 17.531 residem na área urbana e 17.232 residem no campo (IBGE, 2010). Quase metade da população é rural, fato que se deve ao processo histórico – a partir dos anos 1990 – de lutas pela reforma agrária na região.

Dispondo de áreas cujas terras são férteis e reservas hídricas abundantes (superficiais e subterrâneas), há na região variadas culturas tanto de sequeiro quanto irrigada. Além disso, a abundância hídrica favorece a criação de animais de pequeno, médio e grande portes.

Com essas características, a economia do município tem como principais fontes de renda as atividades desenvolvidas pela agricultura familiar. Elas apresentam-se em três eixos: produção de alimentos, fruticultura de sequeiro e pecuária bovina e caprinovinocultora. Resultado disso é o fato que até 2014, o município de Apodi figurava na segunda posição entre os maiores produtores de mel do país e o primeiro lugar no RN na caprinovinocultura (III ENCONTRO NACIONAL DE AGROECOLOGIA, 2014).

Resultado da luta de trabalhadoras e trabalhadores rurais do STTR de Apodi e da organização de movimentos sociais na região, Apodi é reconhecido em todo o país como um território da agricultura familiar de base agroecológica. Dentre as experiências agroecológicas destacamos a produção de sementes crioulas7, os quintais produtivos8 e a apicultura.

Com o apoio do STTR de Apodi, agricultoras(es) dos assentamentos e das comunidades rurais do município comercializam seus produtos na feira local, que ocorre semanalmente no centro comercial da cidade. A feira estimula a comercialização direta e a relação das(os) com as(os) consumidoras(es), de modo que se estreitem os laços entre quem produz e quem consome. Essa comercialização direta favorece a prática de uma economia baseada em trocas justas e solidárias, ou simplesmente economia solidária.

No entanto, a partir de 2011, a porção norte-rio-grandense converteu-se em uma área de conflitos por terra, água e território. A principal causa desses conflitos é a proposta de

7 De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (2016, s.p.) “sementes crioulas são

variedades desenvolvidas, adaptadas ou produzidas por agricultores familiares, assentados da reforma agrária, quilombolas ou indígenas, com características bem determinadas e reconhecidas pelas respectivas comunidades” que são passadas de geração em geração que as preservam em bancos de sementes.

8 Quintal produtivo é uma área cultivada ao redor de casa. Nos quintais são cultivadas hortaliças,

frutíferas e plantas fitoterápicas. Além disso, são criados pequenos animais (aves, caprinos, ovinos, suínos). Também é possível realizar o beneficiamento da produção no quintal. Ele ainda serve como espaço de organização política e de ações coletivas na comunidade como reuniões, intercâmbios, cursos e treinamentos.

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implantação do Projeto Irrigado Santa Cruz do Apodi no território, coordenado pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), uma autarquia do governo federal. A implementação desse projeto foi viabilizada mediante o Decreto de 10 de junho de 20119, publicado no Diário Oficial da União (DOU) no dia 13 de junho de 2011. Esse documento autoriza a desapropriação de 13.855,13 hectares de terras localizadas em assentamentos da reforma agrária e comunidades rurais de Apodi. A desapropriação para a implantação do Projeto Irrigado Santa Cruz do Apodi, embora coordenado pelo DNOCS, favorece, contraditoriamente, empresas multinacionais do agro e hidronegócio e expulsa centenas de agricultoras e agricultores familiares da região.

O relatório da Comissão Pastoral da Terra (2012) aponta que essas desapropriações afetam diretamente 507 famílias que estão distribuídas em 31 propriedades. Dessas famílias, 261 residem em projetos de assentamentos da reforma agrária. Além disso, outras 962 famílias de comunidades do entorno também correm o risco de serem prejudicadas.

A desapropriação de terras de assentamentos é apontada pelos movimentos sociais engajados na luta da Chapada do Apodi como uma grande contradição na história recente da reforma agrária na região. A contradição se deve ao fato que “[…] nos anos 1990, ocorreram muitas desapropriações para fins de reforma agrária. Ocorreu assim uma descentralização de terras e a constituição de um território camponês. No entanto, caso esse projeto seja aprovado, tudo isso vai por ‘água abaixo’” (BEZERRA JÚNIOR, 2012). Moreno (2012), compactua da mesma crítica ao afirmar que “[…] esse projeto foi apelidado de Reforma Agrária ao contrário. Isso porque o projeto tem por objetivo desapropriar 13.855 hectares de pequenas propriedades para concentrar essa terra nas mãos de cinco empresas da agroexportação”.

Nos anos 2000, agricultoras(es) familiares da porção cearense da Chapada do Apodi vivenciaram processo semelhante de desapropriações, expropriação e desterritorialização10 para a instalação do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi (PIJA). As consequências para o ambiente, o trabalho, a saúde e a vida da população camponesa foram, e ainda são, impactantes. Muitas das famílias que resistiram às desapropriações foram expulsas de suas terras de maneira violenta. Em algumas comunidades, as agricultoras e os agricultores foram

9 O Decreto de 10 de junho de 2011 não recebe numeração por tratar-se de um decreto de caráter não

normativo, conforme estabelece o Decreto nº 4.176/2002.

10 De acordo com o Dicionário da Educação do Campo (2012), “desapropriação” compreende a perda

do direito à posse da terra e suas benfeitorias executadas com o pagamento de indenizações. “Expropriação” e “desterritorialização” estão interligados e representam às pressões que as(os) trabalhadoras(es) sofrem para abandonarem suas terras, plantações, práticas culturais, territórios, resultante da negação dos direitos ao trabalho autônomo, à prática da agricultura camponesa, assim como resultados das desapropriações em si.

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obrigadas(os) a abandonarem suas casas depois de atingidos por enxofre aplicado intencionalmente próximo às residências.

Após a instalação do PIJA, há registros de internações e mesmo casos de óbitos, decorrentes de intoxicação por agrotóxico. Desde a instalação PIJA, pesquisas da Universidade Federal do Ceará (FERREIRA FILHO, 2013; RIGOTTO et al., 2013; BARBOSA, 2016) apontam alta incidência de contaminação e intoxicação de seres humanos causados por agrotóxico. O estudo de Rigotto et al. (2013) examinou 545 trabalhadoras e trabalhadores, da região do perímetro, desses 30,7% apresentaram intoxicações agudas. A investigação de Ferreira Filho (2013) estudou amostras de sangue de 43 trabalhadores rurais (apenas homens). A amostra constatou alterações cromossômicas de medula óssea (compatíveis com anemias graves, infecções graves e hemorragias) em 25% das amostras. Já no estudo de Barbosa (2016), que investigou a incidência de câncer infantojuvenil no estado do Ceará, verificou aumento na média anual de mortes por intoxicação em menores de 19 anos nesse período. O estudo constata ainda que na

[...] correlação espacial dos casos de câncer com os polos de irrigação, percebeu-se que as maiores concentrações de casos estão nas microrregiões que apresentam polos de irrigação. Por fim, foi verificado nos relatos de casos de crianças e adolescentes do Baixo Jaguaribe que o fator de risco para câncer mais presente foi o de exposição a agrotóxicos (BARBOSA, 2016, p. 101).

Considerando que a experiência cearense mostrou na prática como o agronegócio destrói qualquer possibilidade de agricultura familiar e vida saudável no campo, o Projeto Irrigado Santa Cruz do Apodi significa um perigo real à vida da população apodiense, principalmente a camponesa. Esse projeto é uma ameaça à vida, às alternativas agroecológicas e às experiências de convivência com o semiárido e de economia solidária na Chapada do Apodi – que é conhecida no Brasil inteiro como um território agroecológico, com destaque para a apicultura e a caprinovinocultura, sendo o município de Apodi o “[…] 2o maior produtor de mel do país e o maior do estado em caprinovinocultura” (CADERNO DE PARTICIPANTES, 2013, p. 3).

Devido as consequências das desapropriações, como a contaminação do solo e da água, ameaça à biodiversidade e à vida humana na Chapada do Apodi, o Projeto de Irrigação Santa Cruz do Apodi é denominado por agricultoras(es) da região como o "Projeto da Morte". Todavia, em decorrência da resistência e da luta dos sujeitos políticos que atuam no território – articulados no Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi, na Comissão Pastoral da Terra, na Marcha Mundial das Mulheres, nas instituições de assistência

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técnica (ATER), em grupos de pesquisas de universidades e em movimentos e organizações sociais –, o perímetro irrigado não chegou a ser implementado integralmente.

Dentre as várias ações de resistência ao “Projeto da Morte” estão seminários, debates, oficinas, atos de rua, dossiês de denúncia, audiências com o poder público – municipal, estadual e federal. Essas ações visam reposicionar o modelo de desenvolvimento a favor da agricultura familiar e camponesa da região.

Nesse esforço, para as finalidades desta pesquisa, destacamos o processo de escrita de duas mil cartas enviadas à então Presidenta da República Dilma Rousseff. Ressaltamos, assim, nesta pesquisa, o que se deu antes, durante e após a escrita das cartas. Essa ação de escrita ocorreu entre julho e novembro de 2011 e teve grande repercussão local, nacional e internacionalmente. Uma das respostas de apoio que fortaleceu as ações de escrita das trabalhadoras rurais de Apodi foi organizada pela Marcha Mundial das Mulheres. No ano de 2012, “Somos Todas Apodi” foi o lema brasileiro da ação mundial de 24 horas de solidariedade feminista pelo mundo coordenada pela Marcha Mundial das Mulheres.

Desse contexto de resistência e luta na Chapada do Apodi, três questões foram levantas e se tornaram nossas questões de pesquisa. Vejamos.

a. Como são construídos eventos de letramento de resistência na luta por terra e território na Chapada do Apodi?

b. Que estratégias e táticas de linguagem são construídas pelas trabalhadoras rurais de Apodi para fortalecer suas práticas de agricultura familiar e, ao mesmo tempo, contrapor-se ao discurso das grandes empresas do agro e hidronegócio?

c. Que impactos sociais resultam dos letramentos de resistência protagonizados pela Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi no processo de luta por terra e território na Chapada do Apodi norte-rio-grandense?

Para responder a essas questões de pesquisa, traçamos três objetivos, apresentados do mais específico para o geral. Vejamos.

Compreender o processo de construção de eventos de letramento de resistência por trabalhadoras rurais de Apodi na luta por terra e território na Chapada do Apodi.

(i) Examinar estratégias e táticas de linguagem construídas por trabalhadoras rurais de Apodi para fortalecer suas práticas de agricultura familiar e, ao mesmo tempo, contrapor-se ao discurso das grandes empresas do agro e hidronegócio.

(ii) Analisar os impactos sociais que resultam dos letramentos de resistência vivenciados pela Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e das

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Trabalhadoras Rurais de Apodi no processo de luta por terra e território na Chapada do Apodi norte-rio-grandense.

O corpus da pesquisa está constituído pela (1) carta da Comissão de Mulheres do STTR de Apodi enviada à então Presidenta Dilma Rousseff, (2) pela correspondência da Presidência da República, (3) pela placa instalada pelas militantes da Marcha Mundial das Mulheres em Apodi, (4) por e-mails da Marcha Mundial das Mulheres, (5) por postagens em blogs e sites nacionais e estrangeiros em resposta à Marcha Mundial das Mulheres e (6) pelas transcrições dos áudios dos eventos de geração de dados.

2.3 COLABORADORAS DA PESQUISA

Antes de apresentar as colaboradoras desta pesquisa, julgamos importante explicitar os espaços políticos nos quais elas se articulam, uma vez que a seleção das colaboradoras levou em consideração o sujeito político feminista que atua no território. Mais do que o sujeito político que luta por terra e território, buscamos os sujeitos que atuam entrelaçadamente na Comissão de Mulheres do STTR de Apodi, na Marcha Mundial das Mulheres (a partir deste ponto MMM) e na Marcha das Margaridas.

A Comissão de Mulheres do STTR de Apodi é composta por dez sócias do STTR. Das dez, uma assume a coordenação da comissão e compõe a diretoria do sindicato. A comissão tem o objetivo de contribuir com a organização de grupos de mulheres das comunidades e dos assentamentos no município, com atividades de auto-organização e fortalecimento da participação política das trabalhadoras rurais em espaços locais e nacionais.

A organização dessa comissão é um dos resultados do 1º Encontro de Trabalhadoras Rurais de Apodi, em 1997. Nesse encontro, foi discutido, como estratégia política das mulheres, a participação política das trabalhadoras rurais no STTR e nas associações locais. Com isso, constituiu-se uma comissão de mulheres para coordenar essa estratégia, que durante três anos construiu forças necessárias para conquistar o direito de ser membro da diretoria do sindicato, com poder de voz e voto nessa instância sindical.

Já no ano 2000, a Comissão de Mulheres, em aliança com outras organizações locais, contribuiu com a construção da primeira ação internacional da MMM na região. A MMM é um movimento feminista internacional que teve origem em 1995, na província de Québec, no Canadá, questionando o neoliberalismo e as bases da violência contra as mulheres. Atualmente, o movimento está presente em mais de 60 países. Quatro eixos orientam sua

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atuação: autonomia econômica das mulheres; paz e desmilitarização; bens comuns e o fim da violência contra as mulheres.

Em uma perspectiva de fortalecer alianças com os movimentos sociais para mudar o mundo e a vida das mulheres, “[...] a história da Marcha Mundial das Mulheres está unida a uma dinâmica de leitura da realidade e ação concreta construída no local e sua relação com as demandas internacionais, entendendo que uma atuação não se separa da outra” (DANTAS, 2018, p. 153). A partir da compreensão de que os processos locais não estão desconectados da conjuntura internacional, a MMM se articula com outros movimentos e espaços políticos internacionais antiglobalização de enfrentamento ao capitalismo patriarcal e neoliberal. Na mesma via da articulação entre movimentos, a solidariedade e o internacionalismo são bases da construção da MMM, o que a constitui um movimento permanente no Brasil e em todo o mundo.

No Brasil, a construção da MMM acontece de maneira entrelaçada com a Marcha das Margaridas. Na primeira reunião nacional da MMM, em 1999, foram as mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) que propuseram realizar uma ação das trabalhadoras rurais em adesão à MMM. Essa ação compôs o calendário da campanha internacional “2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista” e foi realizada em agosto do ano 2000, na cidade de Brasília. Essa ação das trabalhadoras rurais recebe o nome Marcha das Margaridas em homenagem a uma liderança rural que foi assassinada por latifundiários, em 1983, no estado da Paraíba, por defender os direitos de trabalhadoras e trabalhadores rurais.

A Marcha das Margaridas transformou-se na maior mobilização nacional de mulheres rurais, das águas e das florestas na história do país. É ainda a mais importante mobilização conjunta de mulheres do continente latino-americano, que, em sua 6ª edição (em 2019), contou com a participação de 100 mil mulheres. Entre elas, militantes de 26 países de diferentes continentes.

Feita essa explanação, apresentamos as colaboradoras deste estudo. Elas são trabalhadoras rurais que integram a atual gestão (2017-2020) da Comissão de Mulheres do STTR de Apodi e também as que integraram a gestão 2009-2012. Além de considerar o sujeito político feminista que atua na luta contra as desapropriações de terra e território na Chapada do Apodi norte-rio-grandense, levamos em conta a significativa atuação das colaboradoras a partir de práticas de escrita, sobretudo as que resultaram nas duas mil cartas enviadas à Presidência da República, em novembro de 2011, conforme veremos na análise de dados.

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No Quadro 1, apresentamos a caracterização dessas colaboradoras e seus respectivos espaços de atuação política. Vejamos.

Quadro 1 – Caracterização das colaboradoras da pesquisa

Colaboradoras Espaço de atuação política

Lideranças locais Grupos de mulheres, associações de comunidades e assentamentos, STTR de Apodi e Marcha Mundial

das Mulheres Diretoras

Coordenadora da Comissão de Mulheres Ex-coordenadoras

Fonte: Acervo da pesquisa, 2019.

Conforme observamos no Quadro 1, além de se organizarem na Comissão de Mulheres do STTR de Apodi, as trabalhadoras rurais atuam em outros espaços políticos.

Essa múltipla atuação fortalece a resistência local e as reverberações nacionais e internacionais da luta, tendo em vista as alianças construídas com movimentos de âmbito

local, nacional e internacional.

Vale salientar que a nomeação das colaboradoras, no âmbito deste trabalho acadêmico, está de acordo com as pesquisas em LA, a saber: a identificação por pseudônimos. Eles foram

escolhidos pelas próprias colaboradoras, a pedido da pesquisadora, durante as oficinas de rememoração e as entrevistas.

Vejamos, no Quadro 2, esses pseudônimos e as respectivas justificativas dadas pelas colaboradoras.

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Quadro 2 – Pseudônimos e suas respectivas justificativas

Planta/Pseudônimo Justificativas

Juazeiro11

“Se eu pudesse ser uma planta e gostaria de ser um juazeiro. O juazeiro é uma planta nativa da caatinga. Acho muito interessante quando é no período de verão todas as árvores estão sem nenhuma folha, mas o juazeiro não, ela está lá bem verdinha. Ela acolhe muito os animais nesse período, tanto pela sombra que ela tem quanto pelo fruto que ela dá. Então se eu pudesse ser uma árvore eu queria ser um juazeiro porque no momento que o animais mais precisam ela está pronta para servir a eles. Eu sempre admirei o juazeiro por isso”.

Macambira12

“Eu seria macambira porque ela é uma planta resistente e nos anos de seca ela alimenta os animais, e já salvou até mesmo milhares de pessoas que utilizaram a massa da macambira para fazer cuscuz".

Mastruz13

“Se eu pudesse escolher ser uma planta, era mastruz que eu queria ser. eu sou apaixonada por mastruz, porque desde que me entendo por gente eu admiro muito essa planta. Ela tem muitos benefícios, ela tem. Ela serve para muita coisa, muita coisa mesmo, muitas doenças, para inflamação... as vezes a gente tem um machucado... até para os animais também serve, por exemplo, uma galinha que quebra um pé, ela pode ficar boa com o suco de mastruz. É por isso tudo que eu sou apaixonadinha por mastruz, na minha casa mesmo eu tenho uns três pés de mastruz”.

Angico14

“Se eu pudesse ser representada por uma planta era um angico. Lá na minha comunidade tem um pé de angico e foi lá onde aconteceu as primeiras reuniões de organização da nossa comunidade, assim foi lá que a comunidade nasceu. Lá a gente conversou como ia ser a primeira associação e quem ia ficar ou não no assentamento quando tinha noventa famílias para apenas trinta casas. Foi lá nesse pé de angico o nosso começo. É lá que as crianças da comunidade brincam. E também era lá que o carro do DNOCS parava quando queria saber alguma coisa e a gente corria pra saber o que eles queriam... era lá que as conversas da comunidade sobre o projeto aconteciam”.

Fonte: Acervo da pesquisa, 2019.

A ação de escolher um pseudônimo para a pesquisa acabou por mobilizar, nas colaboradoras, a construção de representações discursivas de si, conforme podemos verificar na sequência.

11 Juazeiro é uma planta que pode atingir até 10 metros de altura formando grandes copas. Mesmo em

períodos de seca, ela permanece sempre verde, graças às suas raízes profundas que buscam água no subsolo. Assim, onde existe juazeiro é um indicativo de umidade no local.

12 Macambira é uma planta de grande importância para o ecossistema por acolher outras espécies

vegetais, o que garante a diversidade biológica do ecossistema.

13 Mastruz é uma planta fitoterápica bastante utilizada no Nordeste para o tratamento de gripe,

bronquite, tuberculose, contusões e fraturas.

14 Angico é uma árvore que mede entre 3 e 15 metros de altura, o que favorece seu uso na arborização

de parques, rodovias e praças. Por apresentar rápido crescimento, é utilizada para o reflorestamento de áreas degradadas e de preservação permanente.

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“Juazeiro” escolhe para si a representação de uma árvore da Caatinga que é muito resistente à seca: “[...] Acho muito interessante quando é no período de verão todas as árvores estão sem nenhuma folha, mas o juazeiro não, ela está lá bem verdinha”. A colaboradora se representa discursivamente como um lugar de acolhimento e partilha para pessoas e animais. Essa representação de si é muito significativa no processo de luta por terra e território na Chapada do Apodi, uma vez que na resistência e na luta contra o agro e hidronegócio – que com as desapropriações de terra expulsa diversas famílias para se apropriarem da água e da terra para produzir para a agroexportação – é necessário acolher, proteger umas as outras para manter-se na luta, na resistência. Ter entre as(os) lutadoras(es) da Chapada do Apodi trabalhadoras rurais com a compreensão desse acolhimento e então compartilharem os saberes da terra, das sementes crioulas, do clima semiárido e das trocas solidárias é fortalecedor para os indivíduos e grupos que cotidianamente têm que resistir e manter-se na luta para continuarem existindo.

Na linha discursiva de resistência, “Macambira” busca sua representação em uma planta resistente. O fato da macambira, na base de suas folhas acumular água – em uma espécie de tanque –, ela oferecer à fauna local, água, alimento e abrigo. Essa representação de “Macambira” é significativa da luta da Chapada do Apodi, uma vez que a luta que nela se trava é pela proteção e sobrevivência da biodiversidade e das vidas humanas no território. Essa planta com a sua capacidade de abrigar e alimentar outras espécies “[...] já salvou até mesmo milhares de pessoas que utilizaram a massa da macambira para fazer cuscuz”. Essa planta é abrigo e alimento, é vida na Caatinga. As organizações da Chapada do Apodi (STTR, Comissão de Mulheres do STTR, grupos de mulheres, associações comunitárias) são como esse abrigo da macambira para cada trabalhadora e trabalhador que na vida e na luta resistem para continuar existindo, ampliando a luta e a resistência.

Associa-se às noções de acolhimento (“Juazeiro”) e alimento (“Macambira”) a representação de cura feita por “Mastruz” que, desde criança, admira essa planta por suas propriedades medicinais, seja para pessoas ou para animais. Esse reconhecimento e valorização das plantas com potencial curativo (e também preventivo) é bem representativo na Chapada do Apodi, onde as trabalhadoras rurais produzem em seus quintais, junto com hortaliças e frutas uma grande variedade de plantas fitoterápicas que servem para prevenir e curar doenças de baixa complexidade (gripes, alergias, febres, dores de cabeça, problemas intestinais). Essa representação do mastruz demonstra o reconhecimento e a valorização do saber popular do potencial curativo da natureza. Isso é bastante significativo por se apresentar como uma alternativa de resistência a um modelo imposto pela indústria farmacêutica e

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farmacológica, que também são empresas interconectadas com o agronegócio, como a Bayer e Monsanto, por exemplo.

Coerente com as representações construídas pelas três anteriores, a colaboradora que escolhe ser representada por “Angico” traz para representar a si própria a árvore angico como um lugar de nascença coletiva, pois “[...] foi lá onde a comunidade nasceu”. Essa concepção de lugar de compartilhamento, de organização e resistência, tendo em vista que é em embaixo dessa árvore que “[...] as crianças da comunidade brincam” e “[...] E também era lá que o carro do DNOCS parava quando queria saber alguma coisa e a gente corria para saber o que eles queriam... era lá que as conversas da comunidade sobre o projeto aconteciam”. “Angico” recupera na representação de si a origem, o cotidiano e a resistência da comunidade, haja vista que foi nos arredores dessa árvore que nasceu a comunidade. Debaixo dessa árvore as crianças brincam e ao redor dela a comunidade continua se organizando, resistindo e lutando para seguir existindo.

As representações de si, construídas a partir das escolhas lexicais de cada uma das quatro trabalhadoras rurais, apresentadas no Quadro 2, evidenciam o entrelaçamento que se dá a partir da vida, do bioma Caatinga, do lugar de moradia, dos conhecimentos e das relações que cada uma estabelece com as plantas do território e com o conjunto da biodiversidade da região. De fato, na porção norte-rio-grandense da Chapada do Apodi, há uma vegetação que acolhe, que alimenta e cura, e há mulheres que juntas resistem, se organizam e lutam pela vida e pela biodiversidade.

2.4 PROCEDIMENTOS PARA A GERAÇÃO DOS DADOS

Para alcançar os objetivos e responder às questões desta pesquisa, realizamos sete eventos de geração de dados. Sintetizamos esse processo de geração de dados no Quadro 3. Vejamos.

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Quadro 3 – Síntese da geração de dados Eventos (mês/ano) Colaboradoras Resultados (dados gerados) Instrumentos Reunião com o STTR de Apodi (16 de janeiro de 2018) - Presidente do STTR - Diretoras(es) do STTR - Coordenadoras da Comissão de Mulheres - Apresentação da proposta da pesquisa de mestrado.

- Aval da Diretoria e da Comissão de Mulheres do STTR.

- Sugestão de trabalhadoras rurais para colaborarem com a pesquisa.

- Notas de campo - Fotografias Duas oficinas Revivendo Memórias (respectivamente, dia 03 de fevereiro e 10 de março de 2018) - Diretoras do STTR Apodi - Coordenadoras da Comissão de Mulheres do STTR - Ex-coordenadoras da Comissão de Mulheres do STTR - Trabalhadoras rurais de comunidades e assentamentos de Apodi - Levantamento de atividades realizadas em Apodi contra o decreto e à implementação do projeto do perímetro irrigado. - Rememoração coletiva da luta e do envolvimento de cada colaboradora. - Rememoração coletiva da escrita colaborativa da carta. - Escolha de pseudônimos. - Gravação de áudio - Notas de campo - Fotografias Quatro sessões de entrevistas individuais (abril de 2018) - Diretoras do STTR Apodi - Coordenadora da Comissão de Mulheres - Ex-coordenadoras da Comissão de Mulheres - Trabalhadoras rurais de comunidades e assentamentos de Apodi

- Informações sobre as oficinas do mutirão de escrita nos assentamentos e nas comunidades rurais de Apodi.

- Cópia da versão da carta coletiva enviada à então Presidenta Dilma Rousseff. - Gravação de áudio - Notas de campo Sessões de pesquisa documental na Internet (janeiro de 2018 a abril de 2019)

- A pesquisadora - Informações sobre eventos de letramento desenvolvidos durante o processo de resistência e luta contra o Decreto de 10 de junho de 2011.

Notas de campo Fotografias

Fonte: Acervo da pesquisa, 2019.

Durante o primeiro evento de geração de dados, uma diretora e o presidente do STTR de Apodi frisaram a importância desta pesquisa para registrar a história da luta e da resistência do povo apodiense. Além disso, acrescentaram que há muitas pesquisas realizadas em Apodi, relacionadas à resistência camponesa contra o Projeto Irrigado Santa Cruz do Apodi, mas sob a perspectiva das mulheres esta pesquisa é pioneira. Isso ressalta a relevância desta pesquisa

Referências

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