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Edward Minar e o Problema do Outro

No documento Behaviourismo e Cepticismo em Wittgenstein (páginas 70-75)

A análise deste conjunto de artigos que, entre outras coisas, relacionam Wittgenstein ao problema do cepticismo, termina com a abordagem do artigo intitulado

Living with the Problem of the Other da autoria de Edward Minar.

O tipo de cepticismo que foi abordado ao longo destes artigos foi essencialmente o cepticismo relativo à existência de outras mentes. Ainda em relação a este tipo de cepticismo, Edward Minar tenta esboçar algum tipo de refutação do cepticismo quando sublinha que podemos pensar que certos tipos de crenças e de comportamentos fornecem boas razões para certos tipos de crenças sobre outras mentes, ou podemos virar-nos para o nosso próprio caso e extrapolar de quaisquer correlações entre estados mentais e comportamento para outros casos, mas, à maneira de Wittgenstein, imaginar a partir do modelo da minha própria dor a dor de outro não é uma tarefa fácil de levar a cabo porque tenho de imaginar dores que não sinto a partir do modelo das dores que sinto. Este argumento de Wittgenstein não deixa dúvidas quanto às dúvidas que o próprio levanta em relação a saber o que imaginar dores num outro portador ou num outro Sujeito, à la McManus, possa ser.

Nesta suposta tentativa de refutar o cepticismo, Minar considera que as crenças sobre o comportamento dos outros são epistemicamente anteriores às crenças sobre as suas vidas interiores e tudo isto parecerá indicar que as dúvidas quanto à existência de outras mentes estarão dissipadas. No entanto, tudo não passará de uma ilusão se colocarmos a hipótese – que o próprio Edward Minar coloca – que o comportamento

não fornece evidência epistémica suficiente que apoie a existência de outras mentes, ou seja, que ele não mostra que haja uma mente por trás, como tanto o céptico pretende saber de ciência certa.

Segundo Minar, é plausível, pelo menos à primeira vista, supor que todas as manifestações de comportamento poderão existir independentemente de quaisquer processos mentais particulares que elas pareçam mostrar e também é plausível supor que um processo mental individual poderá encontrar um leque de diferentes manifestações, se é que pode encontrar algumas em alguns casos, por isso, as crenças sobre o comportamento são epistemicamente anteriores às crenças sobre outras mentes: “(…) It may now seem to be a short step to the conclusion that we could have complete knowledge of someone`s behaviour without having any knowledge of what is going on in his or her mind.(…)” (WS, p. 223).

Reconhecemos, ordenamos e classificamos os tipos de comportamento referindo-nos aos tipos de estados mentais de que eles são expressão. Tal como, segundo Minar, Wittgenstein defende (IF 285) quando vemos um tipo de comportamento como um sorriso, estamos a fazer mais do que escolher e rotular uma categoria de configurações geométricas que surgem contra um plano de fundo oval. Atente-se no pormenor exteriorista desta afirmação só comparável, entre outras, à afirmação de Wittgenstein: Eu leio medo na sua face.

Será um lugar-comum afirmar que há alguns tipos de comportamento que não são acompanhados pelos estados mentais que lhes são normalmente associados, mas o céptico não se conforma com estas posições, para ele terá de haver sempre um estado mental por trás do comportamento e ele não considera sequer a hipótese do estado mental estar incorporado no próprio comportamento. É o que acontece quando dizemos que vemos ou lemos medo na sua face em vez de dizermos que inferimos medo da face que se nos apresenta.

Wittgenstein realça aqui algum do seu cepticismo porque, se suspendermos a nossa capacidade de atribuir sentido ao comportamento como expressão da mente, alteramos o contexto com o qual estamos a lidar e só através disto criamos a necessidade de uma perspectiva geral à qual Wittgenstein resiste.

Minar não aceita que a independência lógica entre os estados mentais e os respectivos comportamentos e que a posição do céptico – que defende que se deve

demonstrar a existência de estados mentais por trás dos comportamentos – obscureça a

Cavell, segundo Minar, aprovaria, no entanto, a existência de uma verdade no cepticismo: a nossa relação com os outros não é uma relação de cariz epistémico. Tal não representa uma falha da nossa parte, mas significa que as restrições no nosso relacionamento com os outros não implicam uma limitação metafísica da nossa capacidade de conhecer.

Wittgenstein lembra-nos amiúde que conceitos mentais como dor estão intrinsecamente ligados à expressão do comportamento e que aprendemos como utilizar o conceito de dor na nossa linguagem por referência a um leque variado de comportamentos que exprimem a dor ou diferentes tipos de dor. Mais uma vez, nós podemos ver ou ler dor no comportamento apresentado pela pessoa que sofre.

No que respeita às nossas atitudes para com os outros, Minar não é menos eloquente do que Wittgenstein porque, para ele, a mudança de questões sobre as nossas atitudes e relações para com os outros abandona o caso do céptico quando se torna a nossa capacidade de resposta o cerne do problema. Eu posso ou não desejar e ser capaz de providenciar ajuda, conforto e simpatia em relação à dor do outro, mas o meu reconhecimento das exigências que as suas expressões me colocam e a minha noção de saber o que conta como uma reacção adequada são inseparáveis da minha compreensão do que entendo por dor. Esta explicação, parece-nos, não elimina o cepticismo em torno da questão da dor, tal como quando Wittgenstein afirma que é a minha pena e não a dor do outro propriamente dita o móbil da minha compreensão e da minha ajuda, o que parece também anular o fenómeno da dor do ponto de vista epistémico ou de um ponto de vista epistemológico, isto numa terminologia filosófica mais precisa.

Stanley Cavell considera esta situação particular ou esta pessoa particular como aquilo que está em questão. Tudo isto torna a mudança de paradigma proposta por Cavell como uma parte da contingência inerente às nossas vidas e não como a consequência das nossas reflexões sobre a limitação das nossas capacidades. Devemos estar preparados para enfrentar uma névoa de desconhecimento existencial e devemos estar preparados para o resultado, à primeira vista chocante, de, por exemplo, reconhecermos que uma pessoa nossa conhecida não nos é tão familiar como pensávamos. Isto é parte da essência da vida quotidiana e não há aqui nenhum problema epistemológico a considerar. O que motiva erradamente o céptico é o seu desejo de generalização relativo às ansiedades e preocupações que nos ligam aos outros na vida quotidiana, e as suas dúvidas em relação aos outros só mostram a sua relutância em aproximar-se dos outros, levantam uma dúvida metafísica onde ela não deve existir e

tentam tecer uma teia filosófica fora dos nossos interesses quotidianos e mais prosaicos (aqui o senso comum afigura-se-nos inultrapassável).

Concluindo o seu artigo, Edward Minar reconhece que, apesar do céptico negar todo e qualquer conhecimento, esta negação exprime um desejo compreensível – e mais vulgar do que se pensa – de legitimar o rigor das nossas relações com os outros, no entanto, muitas vezes, não estamos longe de reconhecer o seu fracasso: “To live our scepticism is to read our ignorance of others, our failures of intimacy and understanding, as out of our hands.” (WS, p. 236).

O balanço destes artigos sobre a relação entre Wittgenstein e o cepticismo poderá ser de algum espanto, mas o facto de Wittgenstein ter algumas afinidades com o cepticismo não poderia ser assim tão surpreendente dada a ambiguidade ou a contradição de algumas das suas afirmações importantes (vide, por exemplo, Eu sou o

Na Parte V desta dissertação procuraremos aproximar-nos de algumas das posições filosóficas de Stanley Cavell e de outros autores que o apoiam, nomeadamente em relação ao cepticismo e em relação a algumas posições de Wittgenstein e de filósofos que também o apoiam, relembrando que algumas destas posições são vistas por aqueles como não resolvendo o problema do cepticismo.

No documento Behaviourismo e Cepticismo em Wittgenstein (páginas 70-75)