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Behaviourismo e Cepticismo em Wittgenstein

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Academic year: 2021

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BEHAVIOURISMO E CEPTICISMO EM

WITTGENSTEIN?

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ÍNDICE

Resumo...………....3

Abstract...4

INTRODUÇÃO….………..5

PARTE I………...9

1. O Verdadeiro Argumento da Linguagem Privada……….10

2. O Paradoxo Wittgensteiniano visto por Kripke……….11

3. As Tentativas de Resposta Consagradas ao Paradoxo Wittgensteiniano…..12

4. A Solução Céptica para o Paradoxo Céptico.………... 16

5. O Postscript e o Problema das Mentes Alheias………...25

PARTE II………...28

1. Alex Byrne e a Interpretação Errada do Wittgenstein de Kripke...……..29

2. Warren Goldfarb versus Saul Kripke…...……….32

3. Um Certo Causalismo em Paul A. Boghossian……….37

4. Philip Pettit e o Carácter Público das Regras...………39

5. L. C. Holborow e a Admissão de uma Linguagem Privada Dependente...43

6. Andrew Lewis e a Defesa dos Critérios em Wittgenstein………50

7. As Razões que Assistem a Wittgenstein...……….……...52

PARTE III……….54

1. Wittgenstein e o Behaviourismo………....55

2. O Argumento da Linguagem Privada………....56

3. Novamente a Questão do Behaviourismo Propriamente Dita………...58

PARTE IV……….60

1. Denis McManus e uma Leitura Diferente do Tractatus de Wittgenstein….61 2. Andrea Kern e a Reinterpretação Paradoxal do Cepticismo……….65

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3. Edward Minar e o Problema do Outro...………...69

PARTE V………...73

1. Stanley Cavell visto por Denis McManus……….74

2. De Novo a Reinterpretação da Dúvida Céptica………76

CONCLUSÃO………...83

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RESUMO

Nas Investigações Filosóficas e em Remarks on the Foundations of

Mathematics, por exemplo, Wittgenstein tem sido visto como um combatente acérrimo

do behaviourismo e do cepticismo. Procurámos nesta dissertação contrariar, de alguma forma, esta posição quase estabelecida.

Um dos fios condutores da dissertação é o paradoxo céptico no que a seguir-regras diz respeito, proposto por Wittgenstein e interpretado por Saul Kripke em termos behaviouristas. A análise da sua obra Wittgenstein on Rules and Private Language, onde precisamente é defendida esta interpretação, ocupa a Parte I da dissertação.

Depois da análise desta obra, que vai ao arrepio das interpretações tradicionais de Wittgenstein, faz-se o contraponto com outros autores que seguem a linha tradicional do pensamento nesta questão. Terminamos a Parte II comentando algumas passagens de

Remarks on the Foundations of Mathematics em que o anti-cepticismo não é um ponto

assente.

Na Parte III da dissertação, procuramos opor algumas das passagens das

Investigações Filosóficas à interpretação anti-behaviourista tradicional, ressalvando que

Wittgenstein não é um behaviourista na verdadeira acepção do termo.

Na Parte IV, procuramos abordar algumas das posições de alguns autores que relacionam Wittgenstein ao cepticismo. Nesta parte da dissertação, os tipos de cepticismo analisados são o cepticismo em relação à existência de outras mentes e o cepticismo em relação à existência do mundo exterior.

Na Parte V, baseamo-nos em alguns dos pontos de vista de Stanley Cavell, que merecem a concordância de alguns dos autores reunidos na obra Wittgenstein and

Scepticism e também alguma da nossa concordância, nomeadamente acerca da questão

do cepticismo em Wittgenstein.

Na Conclusão, entre outros aspectos abordados, acrescenta-se mais alguns pontos de vista da nossa responsabilidade em torno de alguns dos temas abordados.

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ABSTRACT

In the Philosophical Investigations and in Remarks on the Foundations of

Mathematics, namely, Wittgenstein has been regarded as a tough opponent of

behaviourism and scepticism. With this thesis we try to refuse, in some way, this almost established position.

One of the main points of the thesis is the sceptical problem concerning rule-following proposed by Wittgenstein and interpreted by Saul Kripke in behaviouristic terms. The analysis of Kripke`s work Wittgenstein on Rules and Private Language, where precisely this interpretation is defended, occupies the first part of the thesis.

After the analysis of this work, which goes against Wittgenstein´s traditional interpretations, we make the counterbalance with other authors that follow the traditional thinking on the matter. We finish the second part commenting some passages of Remarks on the Foundations of Mathematics where the anti-sceptical view is not very well assumed.

In the third part of this thesis, we try to oppose some of the passages of

Philosophical Investigations to the traditional anti-behaviouristic interpretation, making

sure that Wittgenstein is not a behaviourist thinker in the real sense of the word.

In the fourth part, we deal with some of the positions of some philosophers which relate Wittgenstein to scepticism. In this part of our thesis, the kinds of scepticism dissected are other minds scepticism and the external world scepticism.

In the fifth part, we take for granted some of Stanley Cavell´s points of view, which deserve the agreement of some of the authors assembled in the work Wittgenstein

and Scepticism, namely on scepticism in Wittgenstein.

In the conclusion, among other issues, we add some remarks on our own about some subjects discussed in this work.

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As interpretações mais comuns de Ludwig Wittgenstein consideram-no, por exemplo nas Investigações Filosóficas (trad., pref. M. S. Lourenço, intr., coment. de Tiago de Oliveira, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987) e em Remarks on the

Foundations of Mathematics (ed. by G. H. von Wright, R. Rhees, G. E. M. Anscombe;

translated by G. E. M. Anscombe, Cambridge Massachusetts and London England, MIT Press, 1996), um combatente acérrimo do behaviourismo e do cepticismo.

As Investigações Filosóficas são uma obra sobre filosofia da linguagem que explica os fenómenos relacionados com a nossa linguagem e o nosso pensamento através da noção de jogos de linguagem. Estes, por sua vez, seriam explicados em termos de formas de vida que seriam, nada mais nada menos, do que as convenções, instituições, usos e costumes dos homens. As Remarks on the Foundations of

Mathematics versam essencialmente sobre a filosofia da matemática e nesta obra

também se procura – e isto é o que mais interessa para a nossa dissertação – compreender a noção de seguir uma regra, enquadrada no âmbito da filosofia da matemática quando, por exemplo, seguimos uma fórmula ou uma simples regra da adição.

Convém lembrar, antes de prosseguir com esta introdução, que o behaviourismo é uma teoria da psicologia com implicações filosóficas que consagra o princípio que o estatuto mental de um sujeito é-lhe atribuído essencialmente pela observação das relações entre estímulos que lhe são dirigidos e as suas subsequentes respostas, ou seja, pela observação do seu comportamento. O cepticismo, por seu lado, é uma doutrina filosófica que defende a suspensão ou a rejeição de juízos afirmativos em termos gnoseológicos, metafísicos ou morais. Um exemplo de cepticismo gnoseológico radical é o cepticismo pirrónico que defendia um tipo de cepticismo universal. Um outro tipo

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tipo de cepticismo epistemológico radical é o cepticismo de René Descartes, que é, apesar de inicialmente radical, provisório pois permite atingir uma certeza fundadora, o

cogito. Um último exemplo de cepticismo é o cepticismo mitigado de David Hume que

defendia soluções cépticas para as dúvidas cépticas, soluções essas que não implicam a suspensão do juízo e permitem a convivência com dúvidas insanáveis como, por exemplo, a dúvida inexorável se o Sol se levantará amanhã. O tipo de cepticismo que mais interessará à nossa dissertação é o cepticismo humeano, nomeadamente quando este tipo de cepticismo envolve problemas como a nossa relação com outras mentes e com o mundo exterior.

As leituras comuns de Wittgenstein têm, no que à temática da recusa ou não do behaviourismo diz respeito, em Saul A. Kripke, em Wittgenstein on Rules and Private

Language (WRPL) uma excepção – defende-se aí uma interpretação behaviourista do

que é seguir uma regra. A análise desta obra ocupará a Parte I desta dissertação. A ideia fundamental que procuraremos transmitir é que o behaviourismo e o anti-cepticismo em Wittgenstein não são um assunto fechado.

Depois da análise desta obra que vai ao arrepio das interpretações tradicionais (leia-se: rejeição das interpretações behaviouristas) do que é seguir uma regra e do argumento da linguagem privada, procuraremos fazer o contraponto com as interpretações que outros autores fazem deste tema em Wittgenstein e que corroboram, de uma forma ou de outra, esta linha tradicional de pensamento em relação ao filósofo austríaco. Consideraremos assim filósofos tão díspares como Alex Byrne (versado em filosofia da mente, epistemologia e metafísica), Warren Goldfarb (filósofo e matemático), Paul A. Boghossian (filosofia da mente e filosofia da linguagem), Philip Pettit (filósofo irlandês contemporâneo cujos interesses são a filosofia da mente e a filosofia política), L. C. Holborow e Andrew Lewis. Depois deste confronto, procuraremos também mostrar, a partir da análise de algumas passagens de Remarks on

the Foundations of Mathematics, que a posição anti-behaviourista de Wittgenstein não é

de modo algum um dado adquirido. Esta análise tem como propósito sublinhar, de alguma forma de antemão e ainda que de forma ténue, a nossa posição supramencionada. Estas duas análises fundamentais ocuparão a Parte II desta dissertação.

Na Parte III desta dissertação, procuraremos opor algumas passagens das

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não podemos concluir também que Wittgenstein é um behaviourista propriamente dito, nesta ou em qualquer sua obra de referência.

Na Parte IV, abordaremos algumas das posições de alguns autores que relacionam Wittgenstein ao cepticismo, salvaguardando novamente o facto que defender claramente uma posição céptica em Wittgenstein, nomeadamente também em relação às outras mentes e ao mundo exterior, não é uma tarefa fácil.

Na Parte V desta tese, apoiar-nos-emos em alguns pontos de vista de Stanley Cavell reiterados por autores reunidos na obra Wittgenstein and Scepticism (WS), tendo alguns dos pontos de vista referidos a nossa concordância, para reforçar a ideia que a rejeição do behaviourismo e do cepticismo não são posições assim tão vincadas em algumas obras de Ludwig Wittgenstein.

Terminaremos com uma conclusão, onde procuraremos transmitir uma perspectiva particular sobre os temas fundamentais abordados ao longo desta dissertação.

Em jeito de prestação de contas em relação a uma decisão metodológica e para terminarmos esta introdução, convém referir que optámos pela citação de todos os autores abordados nesta dissertação do original inglês, à excepção de Ludwig Wittgenstein que tem a maior parte das suas obras de referência bem traduzidas para português.

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Wittgenstein On Rules and Private Language da autoria de Saul A. Kripke é

uma obra de referência na interpretação de Wittgenstein. Saul Kripke (n. 1940) é um eminente filósofo e lógico norte-americano contemporâneo, reconhecido e galardoado inclusivamente devido a trabalhos na área da Lógica (lógica modal), mas o seu trabalho estende-se a outros domínios da filosofia em que se enquadram as suas teorias da verdade e da referência. Esta obra da sua autoria estende-se ao longo de 145 páginas divididas por três partes e um Postscript. A primeira parte da obra, denominada

Introdução, serve de lançamento ao problema a ser discutido neste ensaio.

1. O verdadeiro argumento da linguagem privada

Deste modo, podemos constatar, na sua introdução, que é opinião comum considerar que o dito argumento da linguagem privada de Wittgenstein começa na secção 243 das Investigações Filosóficas e continua nas secções posteriores. Este ponto de vista leva a considerar, segundo Kripke, o argumento como estando relacionado com aquilo que ele chama a linguagem das sensações. No entanto, para Kripke, o verdadeiro argumento da linguagem privada deve ser encontrado em algumas das secções que precedem a secção 243.

Ainda na sua introdução, um determinado problema ou, na terminologia humeana, um problema céptico seria apresentado, no caso de Wittgenstein, sob a forma

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da noção de regra. Em seguida, Wittgenstein apresentaria, como solução para o problema, aquilo a que David Hume teria chamado uma solução céptica. Uma solução céptica em Hume leva-nos a procurar reintegrar a dúvida céptica no nosso quadro de referências, não a dissolvendo mas apresentando uma solução que serena a nossa inquietação como, por exemplo, em relação à causação: é o nosso hábito e somente o nosso hábito que permite prever que um dado movimento de uma bola de bilhar dará origem a um outro movimento de uma outra bola de bilhar, mas o que é certo é que esta explicação serena a nossa inquietude e suspende o cepticismo mais ou menos prolongadamente.

2. O paradoxo wittgensteiniano visto por Kripke

Na segunda parte da sua obra intitulada O Paradoxo Wittgensteiniano, Kripke propõe uma perspectiva céptica sobre o paradoxo céptico que passa a apresentar.

Começa por supor que se depara com um céptico algo bizarro. Um céptico pode sugerir estranhamente que, tendo em conta a forma como eu utilizei o sinal + no passado, a resposta que eu daria a 68+57 seria 5. Estranha sugestão! Inicialmente poderíamos sugerir a este céptico que voltasse à escola e aprendesse a somar de novo. Kripke sugere-nos, no entanto, que deixemos o céptico continuar. Apesar de tudo, ele afirma: se eu estou agora tão confiante que, dada a maneira como usei o símbolo + no passado, a minha intenção era que 68+57 desse como resultado 125, no entanto, tal poderá não acontecer porque eu dei a mim mesmo instruções em como 125 é o resultado neste caso específico. Vamos supor que eu não fiz isso, mas aqui a ideia é utilizar a regra que eu utilizei múltiplas vezes no passado. Mas como podemos saber qual era a função que estava a ser aplicada no passado? A questão é que eu, no passado, dei a mim mesmo somente um número finito de exemplos que instanciam esta função. A resposta a 68+57 poderia ser 5 porque não há nada na minha história ou nada no meu comportamento observável que me obrigue a responder 125 em vez de 5. Esta é a base do paradoxo céptico levantado por Kripke tendo por referência a obra supramencionada de Wittgenstein.

Seria possível, embora surpreendente, que eu, por exemplo, sob a influência de qualquer droga, pudesse interpretar erradamente a regra da adição utilizada no passado, interpretando-a agora como quadição e indo contra todas as minhas intuições

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linguísticas, calculando agora 68 mais 57 como 5. Não há também nenhum facto sobre mim que me permita afirmar o meu significado de mais em contraponto com quais ou com qualquer outro significado. Essa regra poderia implicar a função quais (a regra da

quadição) em vez de implicar a função mais. Se a função poderia ter tido esta forma é

porque a regra padece de uma arbitrariedade inultrapassável.

O céptico radicaliza o discurso quando afirma taxativamente que não há nada na minha história pessoal ou nada que pertença ao meu comportamento que possa levar à conclusão que eu tenha querido dizer, em quaisquer circunstâncias, mais em vez de

quais: “(…) For the sceptic holds that no fact about my past history – nothing that was

ever in my mind, or in my external behavior – establishes that I meant plus rather than quus. (…)” (WRPL, p. 13). No entanto, em termos de adição, eu posso dar a mim mesmo direcções para as computações futuras de + postas em termos de outras funções e de outras regras. Ainda assim, não pode haver nenhum facto que indique o que eu quero dizer por mais ou qualquer outra palavra em qualquer momento, não há nenhum facto sobre mim que me permita distinguir entre o meu significado de mais e o meu significado de qualquer outra coisa: “(…) there is no fact about me that distinguishes between my meaning a definite function by “plus” (which determines my responses in new cases) and my meaning at all.” (WRPL, p. 21). Este cepticismo do nosso céptico bizarro sustenta, já se vê, uma interpretação behaviourista de Wittgenstein por Kripke: dado nada haver de fixo a atribuir a um significado, tudo se parece resumir a um exterior e a uma arbitrariedade incontornáveis.

O cepticismo quanto às regras proposto por Wittgenstein, segundo Kripke, tem em conta o passado, todavia para reafirmar a dúvida céptica em relação às regras: se não existiu nada como o meu querer dizer mais em vez de quais no passado, também não poderá existir nada como o meu querer dizer mais em vez de quais no presente.

3. As tentativas de resposta consagradas ao paradoxo

wittgensteiniano

Uma resposta clara ao céptico, segundo Saul Kripke, seria considerar que eu quero dizer mais em vez de quais em termos de disposição para um determinado comportamento, em vez de estados mentais em curso. Mas esta resposta não convencerá o céptico.

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Desde Gilbert Ryle, afirma Kripke, que as análises disposicionais passaram a exercer muita influência sobre o pensamento contemporâneo. Alguns filósofos vislumbram no Wittgenstein da maturidade uma tentativa de resolver o paradoxo céptico através de disposições para o comportamento. De acordo com esta proposta, eu

estaria disposto a dar uma resposta 125 à soma 68+57.

O céptico poderá propor ainda a hipótese que antes eu queria dizer quadição num sentido, enquanto ele propõe a hipótese que eu agora queira dizer quadição num outro sentido. Uma perspectiva disposicionalista poderia ser decisiva para fazer recuar a proposta do céptico, no entanto, podemos considerar que há um número inimaginável de sentidos que o céptico pode apresentar para desempenhar a regra da quadição.

Por outro lado, se um disposicionalista tentar definir qual a função que eu queria aplicar para um número extenso de argumentos, ele esquecerá o facto que a minha capacidade é finita e só poderei responder a um número determinado de argumentos. Se ele tentar apelar para as minhas respostas em condições ideais, ele terá sucesso somente se esta idealização incluir o pormenor que eu responderei, nestas condições ideais, de acordo com a tabela da função, e apenas da função, que eu queria utilizar. Mas então a circularidade do processo torna-se evidente: as disposições idealizadas estão determinadas porque está já estabelecido que função eu queria aplicar.

Ainda no decurso da análise disposicionalista que Kripke faz na tentativa de resolver o paradoxo céptico, temos que a maioria de nós tem disposições para cometer erros. Quando instados a somar certos números algumas pessoas esquecem-se de transportar o número resultante da soma de cada coluna, dando assim uma resposta que difere da tabela da adição convencional. Dizemos que estas pessoas cometeram um

erro. Mas o disposicionalista não pode dizer isto. De acordo com ele, estas pessoas

estariam dispostas a dar respostas que diferem da tabela convencional e não pode estar suposto à partida qual a função que se quer dizer. Tudo isto não abona em favor, mais uma vez, dos que rejeitam uma leitura céptica do paradoxo wittgensteiniano, nomeadamente através da análise disposicional.

A falta de apetência que o disposicionalista tem para considerar um mero erro de cálculo a falha através de uma resposta que difere da tabela da adição convencional mostra como podemos notar que a interpretação behaviourista do paradoxo céptico de Wittgenstein levada a cabo por Kripke pode ter a sua legitimidade porque não estaria suposto à partida qual a função a utilizar e tudo passaria pelo crivo das respostas observáveis pelo comportamento. Por outro lado, a resposta disposicionalista a uma

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eventual querela entre a função mais e a função quais poderia servir também de pretexto a uma interpretação behaviourista porque tudo ficaria resumido a uma disposição para o comportamento e não seria possível reduzir o significado a nenhum facto superlativo, facto esse alvo de inquirição permanente por Kripke.

O disposicionalista dá um ponto de vista descritivo da relação entre a suposição de que pelo sinal + queremos dizer adição e da forma como responderemos ao problema 68+57 se por + queremos dizer adição, mas esta não é a melhor maneira de ver a relação que, segundo Saul Kripke, é normativa e não descritiva: “(…) The relation of meaning and intention to future action is normative, not descriptive.” (WRPL, p. 37). A questão não é se eu quero dizer adição através do sinal +, então eu responderei 125, mas sim se eu pretendo estar de acordo com o significado dado no passado para o

sinal `+´, então eu devo responder 125. A finitude da minha capacidade, erros de

cálculo e outros factores imprevisíveis podem levar-me a não estar disposto a responder como devia, mas então não actuaria de acordo com as minhas intenções. A perspectiva disposicionalista cai, assim, por terra porque, não actuando de acordo com as minhas intenções, não obedeço a nenhuma normatividade que aliviasse a sensação de cepticismo que rodeia o paradoxo céptico envolvendo as regras.

Saul Kripke procura ainda descrever outras formas – goradas – de compreensão do paradoxo wittgensteiniano e do cepticismo que o rodeia.

Deste modo, considera que a simplicidade no acesso aos dados internos podia ser relevante contra um céptico que defendesse que a intermediação no acesso aos factos do significado e da intenção nos impediria de saber se nós quisemos realmente dizer mais em vez de quais. O céptico não sustenta que as nossas próprias limitações de acesso aos factos nos impeçam de aceder a alguma coisa misteriosamente escondida.

Uma outra forma de abordar o paradoxo céptico é considerar um estado mental hipotético ou de dúvida, mas nenhum estado hipotético poderia satisfazer uma exigência de justificação das minhas acções futuras tendo em linha de conta a utilização das palavras com o mesmo significado que tinham no passado: se eu apenas posso formar hipóteses sobre se agora eu quero dizer mais ou quais, se a verdade sobre esta questão está inculcada no meu inconsciente e só pode ser considerada sob a forma de hipótese, então no futuro só posso proceder com dúvidas, supondo que provavelmente devia responder 125 ao problema 68+57 em vez de 5. Esta não é, mais uma vez, a melhor forma de abordar a questão.

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Um outro caminho de resolução do paradoxo céptico seria o seguinte: o facto que eu quero dizer adição por mais estaria relacionado com uma sensação idêntica a quando tenho uma dor de cabeça e, assim, o facto que eu quero dizer adição por mais teria o seu próprio quale: “(…) The fact that I mean addition by plus is to be identified with my possession of an experience of this quality [quale]” (WRPL, p. 41). Os qualia seriam sensações especiais que acompanhariam os passos da operação da adição.

Uma vez mais – como veremos a seguir – tal como no caso da perspectiva disposicionalista e das outras perspectivas, esta teoria erra o alvo como uma resposta ao desafio inicial do céptico. Relembremos que o céptico, no entender de Saul Kripke, queria saber por que é que eu estava tão seguro que devia responder 125 quando questionado sobre 68+57. Suponhamos que eu nunca tenha pensado nesta adição antes, mas não será a interpretação do sinal + como quais compatível com tudo o que eu pensei? Suponhamos que eu na realidade sinto uma dor de cabeça de um cariz especial sempre que eu penso na regra da adição. Como é possível que esta dor de cabeça me ajude a perceber se eu devia responder 125 em vez de 5 quando perguntado sobre 68+57? Nenhuma impressão interna, como um quale, poderia dizer-me como é que a regra da adição deve ser aplicada noutros casos e esta é mais uma marca da interpretação behaviourista que Kripke faz do paradoxo céptico. A experiência, supostamente única e especial, de querer dizer adição por mais não existe claramente para Wittgenstein, na maneira como é entendido por Saul Kripke, para quem querer

dizer adição por mais não é mais do que um facto arbitrário.

Depois de explanar algumas tentativas goradas de resposta ao paradoxo céptico, Kripke dedica-se agora à abordagem do interior e da introspecção em Wittgenstein. O autor, apesar de tecer uma interpretação behaviourista do paradoxo, não deixa de considerar que Wittgenstein não baseia os seus argumentos em quaisquer pontos de partida behaviouristas que releguem o interior para segundo plano. Para ele e pelo contrário, uma grande parte da sua argumentação é baseada em considerações introspectivas demoradas.

Ainda em relação à introspecção e segundo o autor, nas secções 137-242 das

Investigações, Wittgenstein elabora sobre o seu paradoxo céptico que é também o

problema deste ensaio de Kripke. Depois de uma reflexão geral sobre o processo de compreensão supostamente associado à introspecção, Wittgenstein considera a questão em relação com o caso especial de ler e para ele os aspectos que dizem respeito ao significado parecem ser, do ponto de vista introspectivo, ilusórios. Ler é tão-só para

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Wittgenstein um caso especial de seguir uma regra. No entanto, fala em diversos

processos mentais introspectivos que, em circunstâncias especiais, ocorrem quando eu

compreendo uma palavra, mas nenhum destes corresponde ao processo de compreensão propriamente dito.

Em clara oposição a Wittgenstein, Kripke defende que compreender ou aprender parecem-lhe ser processos mentais, se é que alguma coisa o é. Por outro lado, querer dizer adição através de mais não pode ser considerado um estado introspectivo, embora nós estejamos conscientes disso com alguma certeza sempre que isso acontece porque, se assim não fosse, não daríamos respostas certas e coerentes a problemas de adição, parece-nos. Compreender ou aprender são processos mentais tais que permitem seguir uma regra, como no caso especial de ler.

Kripke assume que Wittgenstein tem afinidades importantes com o behaviourismo. Wittgenstein afirma, a dada altura, nas Investigações, que a minha atitude para com alguém é uma atitude para com uma alma, o que não quer dizer que se possa dizer que essa pessoa tenha uma alma.Kripke considera uma afirmação como esta demasiado behaviourista. No nosso entendimento, afirmar que não se pode dizer que alguém tenha uma alma – o que quer que isso seja – é uma afirmação com um pendor fisicalista e até behaviourista que não podemos negligenciar. O autor, por seu lado, inclina-se a pensar que qualquer pessoa que pensa que uma outra pessoa não é consciente está errada, mas não é má, ou até monstruosa, por persistir nesta atitude.

4. A solução céptica para o paradoxo céptico

Na última parte do seu ensaio intitulada A Solução e o Argumento da Linguagem

Privada, Kripke procura dar resposta às questões levantadas pelo paradoxo céptico,

sempre apoiado em Wittgenstein.

O filósofo retoma ainda o pensamento de Wittgenstein, nomeadamente na secção 201 das Investigações, em que este afirma que não pode haver alguma coisa que possa ser significada por uma palavra, qualquer intenção presente pode ser desmentida por uma outra qualquer aplicação que queiramos dar a uma determinada palavra:“(…) Each new application we make is a leap in the dark; (…)” (WRPL, p. 55). Posto isto, não pode haver acordo nem desacordo quanto ao significado de uma palavra.

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Sendo assim, em torno da questão do significado levanta-se o problema de saber se há quaisquer factos objectivos aos quais nos possamos referir e parece-nos que Wittgenstein não consegue aqui desviar as atenções de um possível cepticismo, embora não se possa considerar Wittgenstein um céptico na acepção mais forte da palavra. Quine, segundo Kripke, parece corroborar estas posições com as suas conhecidas referências à indeterminação da tradução e à inescrutabilidade da referência que levantam efectivamente a questão se há quaisquer factos objectivos aos quais nos possamos referir. Convém referir que Quine, no que à indeterminação da tradução diz respeito, defende que os enunciados significativos não são traduzíveis em enunciados sobre a experiência imediata e este defende também quanto à referência que não existe uma relação directa entre frases consideradas isoladamente e estados de coisas. A questão do acordo quanto ao significado é também uma questão cara a Quine (sendo ele um eliminitivista dos significados ou dos factos dos significados) e os problemas levantados pela compreensão daquilo que é a atribuição do significado são problemas que envolvem disposições para o comportamento em Quine. É claro, mais uma vez, que, quanto à disposição para o comportamento como solução do paradoxo céptico, Kripke não afina pelo mesmo diapasão de Gilbert Ryle, por exemplo.

A solução de Kripke para o paradoxo céptico será uma solução céptica baseada em Wittgenstein. A solução de Wittgenstein conteria o argumento contra a linguagem

privada porque a solução não admitirá uma linguagem desse tipo uma vez que se trata

de uma solução céptica.

A interpretação céptica do argumento contra a linguagem privada presente neste ensaio não está de acordo com as perspectivas tradicionais que, segundo Kripke, são muito verosímeis, a menos que sejam definitivamente afastadas, e essas perspectivas só consideram como identificações as identificações de sensações. A interpretação céptica do argumento contra a linguagem privada, que não dá a noção de identificação de sensações como um dado adquirido, conduz a questão num outro sentido.

Para compreendermos a solução do paradoxo céptico é necessário comparar o cepticismo de Wittgenstein com o cepticismo de David Hume. David Hume pensa, segundo Kripke, que uma impressão ou uma imagem podem constituir uma ideia, sem perceber que uma imagem nunca nos diz como ela deve ser aplicada. Para Kripke, o principal problema em Wittgenstein é que ele parece ter mostrado que todas as formações de conceitos são incompreensíveis ou até mesmo impossíveis. Wittgenstein defende, nas secções 183-93 das Investigações, segundo Kripke, a ideia que o nosso

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conceito mais vulgar do significado é o resultado de um mal-entendido filosófico em relação a algumas expressões: “(…) the appearance that our ordinary concept of meaning demands such a fact [a superlative fact] is based on a philosophical misconstrual – albeit a natural one – of such ordinary expressions as `he meant such-and-such´, `the steps are determined by the formula´, and the like. (…)” (WRPL, p. 66). O significado também não é, deste modo, um facto interior para Wittgenstein.

Uma solução céptica para um problema filosófico de cariz céptico começa por conceder que as afirmações destrutivas do céptico não têm sentido. Apesar disso, as nossas crenças habituais estão justificadas porque, apesar de não parecer, elas não precisam da justificação que o céptico considera imprescindível. O céptico levanta questões que pura e simplesmente não têm resposta.

Comparar o cepticismo de Wittgenstein com o cepticismo de Hume é ver, de alguma forma, em Hume que, quando os acontecimentos a e b são considerados isoladamente, nenhuma noção causal é aplicável à situação. A esta conclusão humeana chama Kripke a impossibilidade da causação privada e aqui as semelhanças com Wittgenstein são evidentes. Parece claro, mais uma vez, que Kripke está a sugerir que o argumento de Wittgenstein contra a linguagem privada tem uma estrutura parecida com a estrutura do argumento de Hume contra a causação privada. Wittgenstein também defende um paradoxo céptico e, tal como Hume, ele aceita o seu próprio argumento céptico e dá-nos uma solução que não deixa de ser céptica para tornear a aparência de paradoxo do argumento que, a nosso ver, tal como em Kripke, não desaparece. A sua solução envolve uma interpretação céptica sobre aquilo que está envolvido em afirmações comuns como, por exemplo, Jones quer dizer adição através do sinal +. A impossibilidade da linguagem privada acontece como apogeu do desenvolvimento do argumento céptico de Wittgenstein (não há nenhum facto superlativo ou privado do significado), tal como acontece em relação à impossibilidade da causação privada em Hume (não existe nenhum facto mental que possa justapor causalmente os factos a e b). A solução céptica propõe-nos que não pode haver nenhum indivíduo, considerado em qualquer momento, como querendo dizer alguma coisa: “(…) It turns out that the sceptical solution does not allow us to speak of a single individual considered by himself and in isolation, as ever meaning anything.(…)” (WRPL, p.69). Daí o

comunitarismo como solução céptica apresentada por Kripke para o paradoxo céptico,

isto é, só no interior de uma comunidade ou de uma forma de vida é que certos comportamentos podem querer dizer isto ou aquilo.

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Para o autor, Wittgenstein concorda com o seu próprio hipotético céptico em como não há nenhum “facto superlativo” quando eu quero dizer adição através do sinal

+, nem nenhum facto desse tipo, quer no mundo exterior quer no mundo interior.

Mas não se pode considerar Wittgenstein nem um realista clássico nem um platonista das entidades. A análise filosófica wittgensteiniana é uma análise da linguagem, e quando olha para a linguagem, Wittgenstein olha de uma determinada maneira: por exemplo, qualquer leitor das secções iniciais das Investigações poderá estar ciente que Wittgenstein não está interessado em dar especial destaque a frases proferidas no modo indicativo (é só verificar os primeiros exemplos de frases no modo imperativo Pilar!, Laje!, etc.). Algo como isto desempenha um papel fundamental na sua rejeição da visão realista clássica. Por outro lado, Wittgenstein rejeita também a concepção platonista das entidades e pede-nos que não pensemos a priori e que prestemos atenção (Não penses, olha!) às circunstâncias em que, por exemplo, as proposições matemáticas são ditas e às funções que elas desempenham nas nossas vidas ou no nosso quotidiano.

Como já vimos, não há quaisquer factos correlativos, mas também não há quaisquer condições de verdade que sustentem a afirmação Jones quer dizer adição

através do sinal +. De acordo com esta ideia, afirma Kripke: (…) Jones now means

addition by + if he presently intends to use the + sign in one way, quaddition if he intends to use it another way. But nothing is said to illuminate the question as to the nature of such an intention.(…) (WRPL, p. 77). A natureza da intenção ou o facto superlativo permanecem sempre obscuros e quanto maior o número de funções possíveis de aplicar maior será essa obscuridade.

Ainda quanto ao argumento da linguagem privada, Wittgenstein pensa que, se não perdermos de vista as suas conclusões sobre as regras, estaremos habilitados a perceber melhor as suas perspectivas sobre a matemática e a experiência interior. Desta forma, as suas conclusões sobre a aplicação (ou não) das regras são de crucial importância, quer para a filosofia da matemática, quer para a filosofia da mente. Kripke propõe que, embora na sua análise das sensações (secção 243 das Investigações em diante) Wittgenstein não cite meramente as suas conclusões gerais sobre o tema mas saliente este como um caso especial, apenas aumentaremos a nossa incapacidade de compreender um argumento já de si complexo se, segundo Kripke, chamarmos ao argumento contido nas secções 243 e seguintes o verdadeiro argumento da linguagem

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Kripke a colocação deste argumento neste ponto da obra não é inocente e terá que ver, pensamos nós e de acordo com o vocabulário kripkeano, com a justificação da impossibilidade de uma linguagem das sensações no contexto de uma interpretação céptica do problema das regras em Wittgenstein.

Assim, a discussão das regras nas secções anteriores à secção 243 é que é para Kripke fundamental à resolução do paradoxo céptico, mas o autor salienta a ambiguidade das regras e a possibilidade de uma regressão infinita na necessidade de

regras para interpretar regras (Wittgenstein). Na perspectiva de Wittgenstein, não há

necessidade de regras para interpretar regras porque seguir a regra é somente uma

praxis (IF, 202) e, para ele, quando eu sigo uma regra, eu não escolho, eu sigo a regra

de uma forma cega (IF, 219). Toda a acção subordinada à regra (seguir a regra é uma

praxis) é, por si só, uma interpretação da regra, para a qual não é necessária uma nova

regra. Estas ideias de Wittgenstein poderão consubstanciar uma interpretação behaviourista do problema das regras porque, se não necessárias regras para interpretar regras, tudo se resumirá aos dados observáveis pelo comportamento de quem segue uma determinada regra.

Por outro lado, devemos estar atentos à forma como afirmações como Jones

quer dizer adição através do sinal + são usadas e aqui assoma a questão do uso como

central para a solução céptica que Wittgenstein vai apresentar para o seu problema céptico.

Sempre segundo o pensamento de Saul Kripke, ninguém observando, se isso fosse possível, a mente de alguém ou o seu comportamento, poderia dizer qualquer coisa como Ele está errado se não fizer alguma coisa que esteja de acordo com as suas

próprias intenções no passado; a grande questão do argumento céptico era a de que não

podia haver quaisquer factos sobre uma pessoa em virtude dos quais ela concordasse ou não com as suas intenções. Tudo o que podemos afirmar, se considerarmos uma única pessoa isoladamente, é que a nossa prática usual lhe permite aplicar a regra da forma que ela considere mais convincente (“to apply the rule in the way it strikes him”, WRPL, p. 88).

No entanto, se alguém de quem normalmente penso que dá respostas que eu daria em circunstâncias normais começa a dar respostas diferentes das habituais, poderei então pensar que alguma coisa lhe aconteceu e que ele já não está a seguir o padrão de respostas anterior. Se isto lhe acontece normalmente e se as suas respostas obedecem a um padrão indiscernível, então poderei pensar que provavelmente terá enlouquecido,

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estará sob o efeito prolongado de uma droga pesada ou outra coisa qualquer de igual modo estranha.

De acordo com Saul Kripke, a nossa comunidade actual (Wittgenstein) é quase uniforme nas suas práticas em relação à adição. Qualquer indivíduo que julgue já ter dominado o conceito de adição será avaliado positivamente pela comunidade se as suas respostas coincidirem com as respostas da comunidade em número satisfatório, sobretudo no caso das respostas mais simples e se as suas respostas não são estranhamente erradas, como no caso de 5 para 68+57, mas sim se forem parecidas com as nossas respostas no procedimento, mesmo quando comete um erro de cálculo. A passagem do problema céptico pelo crivo da comunidade constitui, como já tinha sido referido atrás, parte da solução céptica proposta por Wittgenstein.

Kripke relaciona também o tema dos jogos de linguagem com a solução do paradoxo céptico wittgensteiniano. Na verdade, quando jogamos um jogo de linguagem e reconhecemos os outros como manejadores de conceitos, não nos detemos sobre algum estado especial das suas mentes, mas reconhecêmo-los, ainda que provisoriamente, como parte da comunidade, o que só deixará de acontecer se eles optarem por um comportamento desviante. No entanto e concretamente, um comportamento deste tipo raramente ocorre. Os diferentes jogos de linguagem dão-nos, assim, autoridade para a atribuição de conceitos aos outros e para excluir alguém da comunidade num caso excepcional de incumprimento dos requisitos desses jogos de linguagem.

A solução céptica apresentada por Wittgenstein também consiste nesta forma de descrição da atribuição de conceitos aos outros. Essa descrição providencia a nossa capacidade de atribuição de conceitos aos outros e dá-nos uma ideia da utilidade desse tipo de jogos no nosso quotidiano e nas diferentes formas de vida: “(…) It provides both conditions under which we are justified in attributing concepts to others and an account of the utility of this game in our lives.(…)” (WRPL, p. 95).

Na concepção de Wittgenstein, tal como em Quine de resto, o acordo é essencial ao jogo de atribuição de conceitos e de regras aos outros, por isso, seres que aquiescessem em dar, de forma consistente, respostas estranhas do tipo quais partilhariam, obviamente, uma outra forma de vida. Esta questão vem já de trás (Gottlob Frege), Wittgenstein tenta lidar com ela da melhor maneira e na contemporaneidade mais próxima é conhecida como a questão do logical alien. O acordo da comunidade é, mais uma vez e em Wittgenstein, uma forma de resposta ao paradoxo céptico e

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partilhamos a ideia que o acordo obtido dentro da comunidade é sempre válido, salvo raras excepções, como já foi adiantado.

Por outro lado, poderia parecer que o paradoxo de Wittgenstein defende que não há um motivo a priori pelo qual uma criatura não pudesse seguir a regra quais em vez de mais e, deste modo, neste sentido, podemos considerar essas criaturas como concebíveis, mas também é perfeitamente natural da nossa parte que nós sigamos a regra da adição da forma específica como nós o fazemos no interior das nossas formas

de vida.

A solução céptica de Wittgenstein para o problema céptico, que é também a solução kripkeana encontrada em termos wittgensteinianos, baseia-se no acordo e na verificabilidade (checkability nas palavras de Kripke), verificabilidade esta que nos permite confirmar se uma outra pessoa segue a regra da maneira como nós o fazemos.

Ainda quanto aos critérios exteriores de verificação, para Wittgenstein, o comportamento e as circunstâncias características da dor, por exemplo, são determinantes para o êxito da sua solução céptica. É isto que o filósofo austríaco quer dizer com o comentário: Um “processo interior” necessita de critérios exteriores (IF, 580). A procura de critérios exteriores não corresponde a uma premissa verificacionista ou behaviourista que Wittgenstein dê por adquirida no seu argumento da linguagem privada. Se, segundo Kripke, a sua procura de critérios exteriores é de alguma forma concretizada, ela é-o de uma forma dedutiva que se aproximaria da forma de dedução kantiana. Para nós e em Kant, a dedução transcendental das categorias não esquece nunca a importância do que é empírico. Havendo autores que pensam que Kant esquece completamente a importância do que é empírico, seria melhor destacar que o próprio Kant considera, no final da Crítica da Razão Pura, que as suas propostas filosóficas vão ao encontro de um realismo empírico e na dedução transcendental das categorias não é só o sujeito transcendental (enquanto sujeito a priori que seria o mesmo em todos nós, o que quer que isso seja) que se revela, mas também o sujeito empírico, sujeito à experiência e, portanto, variável.

Os critérios exteriores de verificação aplicados às sensações e àquilo a que costumam chamar o argumento da linguagem privada, contra a vontade de Kripke, permitem dizer que deve haver alguma expressão natural ou, pelo menos, algumas circunstâncias exteriores, além da minha simples inclinação para dizer que a mesma sensação está a ocorrer novamente, em virtude das quais alguém possa dizer se a sensação está presente e se eu, por exemplo, já domino o termo sensação correctamente.

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Assim, a perspetiva correcta seria: para cada frase da forma “Eu tenho a sensação S” deve haver um critério exterior associado a S, além da sua mera verbalização, através do qual os outros reconheçam a presença ou a ausência de S. Este é mais um indício da interpretação behaviourista que Kripke faz do paradoxo céptico wittgensteiniano e ele reserva-se o direito de, a respeito da verificabilidade, salientar que qualquer perspectiva que suponha que um processo interior necessita sempre de critérios exteriores parece-lhe empiricamente falsa. Parece-parece-lhe perfeitamente evidente assumir que nós temos sensações de um tipo especial (qualia) que não possuem manifestações naturais e que só são reconhecíveis desde que nós as verbalizemos: (…) It seems to me that we have sensations or sensation qualia that we can perfectly well identify but that have no “natural” external manifestations; an observer cannot tell in any way whether an individual has them unless that individual avows them.(…) (WRPL, p. 103).

Aquilo que Kripke sublinhou não significa que a linguagem do nosso falante possa ter a forma duvidosa de uma suposta linguagem privada em que qualquer coisa que ele afirme ser certo é definitivamente certo. O falante pode demonstrar através de inúmeros casos de sensações que exigem critérios públicos que ele dominou a

linguagem das sensações. Tudo isto está sujeito à correcção exterior e corresponde a

uma parte elementar do nosso jogo de linguagem, mas se o indivíduo satisfizer critérios para a utilização geral da linguagem das sensações, então respeitaremos a sua vontade sempre que ele disser que identificou uma sensação, mesmo que essa sensação não esteja relacionada com alguma coisa exteriormente observável. Nesse caso, podemos dizer que o único critério que permite a justificação da identificação da sensação é a verbalização sincera por parte do falante. Esta honestidade do falante é fundamental no processo de identificação de sensações privadas.

No entanto, Wittgenstein rejeita aquilo que seria um modelo privado de seguir regras, em que o facto de uma pessoa seguir determinada regra deve ser analisado em termos de factos sobre essa pessoa e em que ela não é considerada como pertencendo a uma comunidade mais vasta. Por isso, uma pessoa considerada isoladamente não pode ser considerada como estando a seguir regras, considerada por si só dentro da comunidade ou considerada fisicamente isolada.

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Como acrescento à sua obra, Saul Kripke inclui um Postscript intitulado

Wittgenstein e o Problema das Outras Mentes (nossa tradução) que aborda uma

temática que vai ser também do nosso interesse ao longo desta dissertação.

Kripke começa por lembrar Norman Malcolm que, no seu conhecido comentário sobre as Investigações Filosóficas1, sublinha que Wittgenstein desfere também um

ataque externo à linguagem privada, para além do seu ataque interno. O que é atacado, de acordo com Malcolm, é a afirmação que, se eu sei pelo meu próprio caso o que são a dor, a consciência ou a comichão, então eu poderei transferir esse conhecimento para objectos exteriores a mim. Esta é, contando com a ajuda de Norman Malcolm, a questão que subjaz ao problema das outras mentes.

Kripke engendra agora um enquadramento para o problema das outras mentes, um problema complexo de abordar, como adiante se verá. Alguns filósofos – os chamados solipsistas – duvidam ou recusam liminarmente que algum corpo exterior a mim tenha uma mente. Outros filósofos – os pampsiquistas – atribuem mente a todos os objectos, inclusive os objectos materiais. Outros ainda – os cartesianos – admitem que há mente nos corpos humanos, mas não nos corpos animais e muito menos nos corpos inanimados. A posição mais habitual talvez seja a que atribui mente quer aos corpos humanos quer aos animais, mas nunca aos corpos inanimados. A abordagem deste assunto, de todas as perspetivas filosóficas, envolve um preconceito sobre aquilo que é um dado objecto material ter ou não ter uma mente. Para Kripke e para muitos outros filósofos há um problema de base que é o de saber se os objectos têm mente e por que é que eles devem ser entendidos como tendo ou não tendo uma mente: (…)All presuppose without argument that we begin with an antecedently understood general concept of a given material object`s “having”, or not having, a mind; there is a problem as to which objects in fact have minds and why they should be thought to have (or lack) them.(…) (WRPL, p. 115).

Para Wittgenstein, segundo Kripke, a atribuição de sensações aos outros é duvidosa se, seguindo o modelo tradicional, tentarmos especular a partir do nosso próprio caso. Atribuir sensações aos outros seria um caso particular de um problema mais geral que seria aplicar um conceito a um qualquer novo caso: (…) That imagining the pain of others on the model of my one is “none too easy a thing to do” would simply be a special case of the more general point that applying any concept to a new case is “none too easy a thing to do”.(…) (WRPL, p. 118). No modelo tradicional, Wittgenstein

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defende que é discutível que possamos ter crenças em outras mentes e em sensações que devam ser justificadas. Parafraseando Wittgenstein, será difícil imaginar dores que eu não sinto a partir da dor que eu realmente sinto.

Ainda quanto aos pontos de vista de Malcolm, é de salientar que lhe foram movidas acusações de verificacionismo quando este, contra Wittgenstein, parecia defender que um critério para atribuir sensações aos outros seria uma forma de saber se os outros têm essas sensações.

Apesar destas críticas, parece que, em certa medida, a necessidade de critérios exteriores desempenha um papel importante na tarefa difícil que é atribuir sensações aos outros a partir do modelo das minhas próprias sensações. Kripke não assume claramente esta posição, mas admite que se trata de um argumento a ter em conta nesta discussão.

Para melhor continuar a explanação deste problema céptico, que será exposto explicitamente mais à frente, seria bom recordar a concepcão de sujeito presente no TLF de Wittgenstein. Este defende que a existência de um sujeito metafísico no mundo é uma questão espúria e um mito que transbordou da filosofia ao longo dos séculos e a analogia que o próprio faz com a relação entre o olho e o campo visual é elucidativa: nada no campo visual nos permite inferir que o olho faz parte desse mesmo campo visual.

Wittgenstein recorda entretanto Lichtenberg e a sua noção de sensações sem sujeito. Wittgenstein adoptaria esta linguagem quando atribuições de sensações aos outros tivessem a forma de expressões como O corpo A está a comportar-se de forma

semelhante à forma como X se comporta quando este sente dores, em que X pode ser a

designação para aquilo a que habitualmente distingo como o meu corpo. Esta é uma afirmação behaviourista e simplista daquilo que podemos entender como imaginar as dores de outrem a partir do modelo da minha própria dor, no entanto, atribuir uma sensação a A de modo algum quer dizer que em A se passa alguma coisa semelhante ao que acontece quando eu sinto dores, ou melhor, quando o meu corpo sente dores. Esta atracção de Wittgenstein por esta combinação de solipsismo e de behaviourismo nunca se deu sem um certo desalento. Apesar disso, durante a sua fase mais verificacionista, Wittgenstein reconheceu que, uma vez que o comportamento é a única forma de verificação da nossa atribuição de sensações aos outros, a solução behaviourista é tudo o que nos resta para uma competente atribuição de sensações aos outros (nomeadamente, segundo Kripke, em Philosophical Remarks, secções 64-65). Quanto a nós, podemos no entanto pensar que imaginar dores nos outros a partir do nosso próprio modelo é

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legítimo desde que os outros sejam sinceros na manifestação das dores e desde que sejam verificadas as condições dessa sinceridade.

Saltitando entre as questões do behaviourismo e do solipsismo, Saul Kripke faz a seguinte pergunta: Assumindo que eu posso imaginar que uma dor está localizada noutro corpo, fará sentido a suposição de que alguém pode estar com dores? Para perceber esta pergunta é vital retomar a terminologia lichtenbergiana: se há dor, talvez haja dor na pedra (pampsiquismo?) ou talvez haja dores nesse braço, em que esse braço não é o meu braço. Acreditaríamos que Wittgenstein concordaria com esta terminologia quando, por exemplo, questiona por que é que a dor deve ter sequer um portador (IF, secção 285).

Acerca do problema da identidade, uma outra questão pode eventualmente ser colocada: Qual é a diferença entre a situação em que Eu tenho dores noutro corpo (relações com o pampsiquismo?) e uma outra situação em que dores noutro corpo são efetivamente dores de outra pessoa e não minhas? Uma das formas de tentar responder a esta questão é tentar saber o que é para um corpo ter uma mente. Wittgenstein tenta apontar um caminho na secção 302 das Investigações Filosóficas, citado por Kripke: “(…) O comportamento de dor pode apontar para o lugar da dor – mas o sujeito da dor é a pessoa que lhe dá expressão.” Para Kripke, tal consideração parece contrariar efectivamente o conteúdo da secção 285. No entanto, e agora Kripke socorre-se do pensamento de Lichtenberg, só uma concepção – ilusória – do que é um outro Eu e da sua relação – também ilusória – com o seu corpo e com as suas sensações, poderia dar uma ideia do que é para uma outra pessoa ou para um outro objecto sentir dores ou qualquer outra sensação.

Em Philosophical Remarks, secção 65, Wittgenstein volta a dizer: A experiência de sentir dores não quer dizer que uma pessoa Eu sente alguma coisa. Eu distingo uma intensidade, um lugar, etc., na dor, mas não um portador. Isto parece, segundo Kripke e mais uma vez, um repúdio total da noção de portador da dor. Por outro lado, e logo a seguir, Wittgenstein pergunta de uma forma contraditória: Que tipo de coisa seria uma dor que ninguém tem? Uma dor pertencendo a rigorosamente ninguém? Tudo isto torna a noção de que uma pessoa pode estar a sentir dores num outro corpo ainda mais complexa, segundo Kripke, e o eventual pampsiquismo que podemos entrever nas anteriores afirmações de Wittgenstein e de Lichtenberg aparece agora como contraditório.

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Como no caso do paradoxo céptico envolvendo as regras, Wittgenstein apresenta-nos um problema céptico: parece impossível imaginar a vida mental dos outros a partir do modelo da minha própria vida mental. Não tem sentido por isso atribuir sensações aos outros da mesma forma que as atribuímos a nós? Devemos contentar-nos com uma afirmação behaviourista a este respeito? O próprio Wittgenstein, deixou-se seduzir, a dada altura, por estas conclusões pessimistas, mas uma reavaliação da sua filosofia tardia mostra que essas conclusões são precipitadas se tivermos em linha de conta as posições mais amadurecidas de Wittgenstein. Wittgenstein sugere que, em alternativa, abandonemos a tentativa de saber o que é um Eu e que vejamos qual a função que as atribuições de estados mentais desempenham nas nossas vidas. Deste modo, poderemos conseguir uma solução céptica para o nosso novo paradoxo céptico, mas o próprio Kripke sugere na página 135 de WRPL que o comportamento adequado poderá determinar se existe ou não uma dor em determinados casos: “(…) `He is in pain ´ is said when the behavior of another person is appropriate.(…)”. O comportamento de dor pode alertar para algo interior que supere a mera visibilidade.

Não há, por isso, maior legitimidade em duvidar se nós fazemos o que está certo quando aplicamos está com dores aos outros do que duvidar se nós estamos certos em proceder como procedemos com a regra da adição.

Concluindo este Postscript, Saul Kripke sublinha que este novo paradoxo apresentado gira em torno do solipsismo: a ideia que deve haver mentes para além da minha com os seus pensamentos e as suas sensações parece não fazer sentido. Por seu lado, Wittgenstein fornece-nos uma solução céptica para este novo problema céptico, defendendo que, quando as pessoas utilizam expressões atribuindo sensações aos outros, elas não querem de modo algum dar qualquer sentido a afirmações cuja inteligibilidade é denunciada pelo céptico solipsista. Segundo Kripke, a interpretação correcta do nosso discurso comum implica uma inversão: nós não temos pena dos outros porque atribuimos dores aos outros, nós atribuímos dores aos outros porque nós temos pena deles, ou melhor, a nossa atitude torna-se uma atitude para com uma alma em virtude da nossa pena e de sentimentos afins. Esta seria, no entender de Saul Kripke, a solução céptica apresentada por Wittgenstein para este novo paradoxo céptico. Este é o ponto de vista de Kripke em relação a esta questão, em contradição com uma sua afirmação na presente obra que esclarece, em termos gerais, que ele não a escreveu para transmitir os seus próprios pontos de vista.

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1. Alex Byrne e a má interpretação do Wittgenstein de Kripke

Depois da análise da obra Wittgenstein on Rules and Private Language, cuja interpretação behaviourista do paradoxo céptico wittgensteiniano do que é seguir uma

regra consubstancia um marco na história da filosofia e que adensa algumas nuvens de

cepticismo que pairam sobre Ludwig Wittgenstein, procuraremos auscultar os pontos de vista de autores que rejeitam a presença de qualquer forma de behaviourismo ou de cepticismo em Wittgenstein, alguns deles corrigindo aquilo a que chamam uma má

interpretação do que Kripke quis dizer sobre Wittgenstein..

Começaremos com o artigo de Alex Byrne (filósofo norte-americano versado, entre outras áreas, em filosofia da mente, epistemologia e metafísica) intitulado On

Misinterpreting Kripke´s Wittgenstein (Philosophy and Phenomenological Research,

vol. 56, No. 2). Este autor começa por considerar que o Wittgenstein de Kripke pergunta por que tipo de coisa é essa que faz com que eu queira dizer qualquer coisa através de uma palavra, por exemplo, adição através de mais, como no célebre exemplo de Kripke. Para Byrne, uma conclusão provisória a retirar desta dúvida é que não pode haver

alguma coisa como querer dizer qualquer coisa através de uma palavra (nossa

tradução, WRPL, p.55). Este paradoxo céptico não poderia ser mais perturbador. Uma reacção a ter em conta e possível é acolher esta afirmação literalmente e tomar uma atitude radical em relação às atribuições de significado, ou seja, afirmar que todas elas

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são falsas. O Wittgenstein de Kripke, no entanto, não vê com bons olhos esta opção mais simples.

De acordo com os pontos de vista de referência, Wittgenstein, pela voz de Kripke, diria que atribuições de significado não são afirmações de factos, contrariamente ao que tudo faria supor. Sendo frases do tipo declarativo, elas parecem afirmações de factos, todavia elas desempenham uma função diversa. Este tipo de pontos de vista é suportado, segundo Byrne, por comentários de Kripke como: (…) since the indicative mood is not taken [by Wittgenstein] as in any sense primary or basic, it becomes more plausible that the linguistic role of utterances in the indicative mood that superficially look like assertions need not be one of “stating facts” (…) (WRPL, p. 73). Afirmar isto poderá ser aludir ao emotivismo em ética. Sempre nas palavras de Alex Byrne, um seguidor do emotivismo em ética poderá afirmar que, contra todas as aparências, X é bom pode não salientar facto algum. O autor socorre-se de Paul A. Boghossian, para quem o emotivismo é um não-factualismo de tipo ético, assim, não correspondendo a afirmações factuais, as frases de tipo ético não teriam condições de verdade. Sobre frases da forma s quer dizer p, o Wittgenstein de Kripke, defende uma perspectiva semelhante, ele é, deste modo, um não-factualista em relação ao significado.

Alex Byrne lembra Paul A. Boghossian – um filósofo que será analisado neste contexto posteriormente -, quando este defende que um não-factualismo exercido sobre qualquer tipo de frase implica uma concepção de verdade não-deflacionária, ou seja, uma concepção de verdade robusta porque, no âmbito de uma concepção deflacionária da verdade, uma frase terá condições de verdade somente se for propensa a uma interpretação semântica. E será adequada a uma interpretação semântica se for do tipo declarativo e se tiver um significado, todavia é essencial a uma proposta não-factualista a negação a algumas frases do tipo declarativo de condições de verdade. Resulta daqui a conclusão, segundo Boghossian, que uma tese não-factualista sobre qualquer tema implica uma concepção de verdade mais rica do que a concepção deflacionária da verdade

O Wittgenstein de Kripke advoga, no entanto, que Jones quer dizer adição por

+ pode afirmar um facto no sentido mais comum de facto e, por isso, Byrne admite que

Kripke possa não ser um não-factualista, mas então por que é que Kripke é contraditório quando afirma que Wittgenstein defende, com o céptico, que não há nenhum facto que

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é resolvido da seguinte forma: a falta de um facto, que Kripke qualifica como superlativo, que distinga mais de quais não quer dizer certamente, de acordo com o Wittgenstein de Kripke, a falta de qualquer tipo de facto, tratando-se aqui de uma defesa indirecta do ponto de vista de Wittgenstein. A falta de evidência gritante que justifique a regra da adição não quer dizer que esta não envolva factos como seguir uma regra que se justificam de certa forma a eles mesmos, pensamos nós.

Saul Kripke discordaria, a dada altura, com a perspectiva – atribuída por ele a Wittgenstein – que sublinha que a nossa noção comum de significado não implica um compromisso com factos superlativos. Kripke considera, lembrado por Byrne, afirmações da irrelevância do cepticismo filosófico face às crenças do homem comum como quase invariavelmente suspeitas (WRPL, pp. 65-66). Se o argumento céptico é adequado, Kripke defende que não há nenhum facto superlativo e também qualquer facto na origem da atribuição de significado. Kripke acredita que Wittgenstein poderia defender esta perspectiva, mas Kripke, segundo Byrne, contradiz-se quando na página 86 de WRPL salienta que Wittgenstein não a defende. No entanto e sempre segundo a linha argumentativa de Byrne, não podemos esquecer que para Wittgenstein o erro é

dizer que há qualquer coisa que consiste querer dizer alguma coisa (Fichas, secção 16,

citação de Alex Byrne, nossa tradução do inglês).

De acordo com o Wittgenstein de Kripke, afastamo-nos do abismo se adoptarmos a noção de comunidade que nos mostra que nenhum significado portador de verdade é imprescindível à justificação das nossas práticas linguísticas. Jones quer dizer

adição por +, não porque nós tenhamos qualquer evidência desse conteúdo portador de

verdade especial, mas porque nós pensamos que Jones continuará da mesma maneira

que nós no que a problemas de adição diz respeito e no que a outras regras da aritmética

diz respeito, dada a sua inserção na nossa comunidade e as respectivas sanções quando se dá um incumprimento ostensivo das regras. E não ficam por aqui as regras cujo respeito poderá ou não ser validado pela comunidade e cuja transgressão ocasiona o afastamento da comunidade: num âmbito mais lato e, no nosso entender, determinadas normas de conduta, quando não são respeitadas, poderão obrigar o indivíduo a um afastamento da comunidade, compulsivo ou não (questões culturais ou éticas, por exemplo). Byrne formula a ideia de que fomos atraídos nesta questão por perspectivas filosóficas erróneas mas, desde que nós as vejamos tal qual elas são, poderemos concordar que eu quero efectivamente dizer adição por mais, embora tal não seja o facto superlativo que as nossas perspectivas iniciais fizeram crer: “(…) We were seduced (as

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usual) by misleading philosophical pictures; but once we see them for what they are, we can rest assured that is a fact that I mean addition by `plus´, albeit not the superlative one that our pictures led us to expect.” (p. 343). Esta tese é uma clara defesa da posição de Wittgenstein que rejeitaria satisfatoriamente o cepticismo, para nós, as contradições do Wittgenstein de Kripke não afastam, pelo menos de forma clara, a nuvem carregada de algum cepticismo que sobre ele paira.

Uma certa perspectiva filosófica, de acordo com Byrne, da maneira como os nomes funcionam leva-nos a exigir algum tipo de reflexão sobre o que torna afirmações como Holmes consumiu cocaína verdadeiras. Teria de haver certamente alguma entidade ficcional que consumisse cocaína para transformar esta frase numa frase verdadeira, mas não existe tal entidade ou tal pessoa neste caso particular. Um paradoxo céptico poderá acabar por surgir nesta altura: afirmações sobre personagens ficcionais seriam todas sem sentido ou, pelo menos, falsas. No entanto, uma atenção mais cuidada ao papel que a ficção desempenha nas nossas vidas, também uma atenção mais cuidada ao jogo de linguagem representado pela narrativa de Sherlock Holmes, à la Wittgenstein, mostram-nos, segundo Byrne, como a frase Holmes consumiu cocaína poderá ser verdadeira e corresponder a um facto sem que no mundo se dê a existência efectiva de qualquer pessoa com o nome de Sherlock Holmes. A frase poderá, assim, ser verdadeira enquanto considerarmos a existência de Sherlock Holmes como pertencendo a um mundo imaginário ou a um imaginário, no qual existem factos que, sendo imaginários, não necessitam de uma prova empírica, testemunhal ou de qualquer outra espécie.

2. Warren Goldfarb versus Saul Kripke

Outro autor mais ou menos de acordo com as posições de Wittgenstein é Warren Goldfarb (filósofo e matemático cujos interesses são a lógica e a história da filosofia analítica, dos quais se destaca Wittgenstein), e nomeadamente no seu artigo Kripke On

Wittgenstein On Rules (The Journal of Philosophy, vol. 82, No. 9).

Para este e quanto às atribuições de significado, nós justificamo-las no momento em que sentimos necessidade de o fazer, o mesmo é dizer que nós esclarecemos obscuridades gramaticais em relação a factos e a nossa vida não sofre alterações devido

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