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Philip Pettit e o Carácter Público das Regras

No documento Behaviourismo e Cepticismo em Wittgenstein (páginas 40-44)

Philip Pettit (filósofo contemporâneo irlandês versado em filosofia da mente e filosofia política), por seu turno, no seu artigo intitulado The Reality of Rule-Following (Mind, New Series, vol. 99, No. 393), parece mostrar algumas afinidades com o

pensamento de Saul Kripke, mas a conclusão do seu artigo é de pendor claramente wittgensteiniano.

Começa, logo na pág. 2, por sublinhar, de uma certa forma, uma das posições defendidas por Paul Boghossian ao explicar que a conformidade com uma regra deve ser intencional, sendo alguma coisa que é conseguida, pelo menos em parte, tendo por base a crença e o desejo. Seguir uma regra é estar de acordo com as suas prescrições, mas o acto de tentar estar de acordo com as suas prescrições deve ser intencional. E o seguidor de uma regra deve ser capaz de nomear apenas de forma falível o que uma regra exige, se fosse de outro modo, a tentativa de integrar isto na noção mais abrangente de acção intencional seria posta em causa.

Na sequência da tentativa de enquadramento da problemática que envolve aquilo a que chamamos seguir uma regra, seria útil, para Philip Pettit, considerar dois domínios em que nos é exigida a capacidade de seguir regras: primeiro porque somos falantes e, em segundo lugar, mais problemático muito embora, porque somos seres pensantes. Pensar exigiria mais do que ter apenas atitudes intencionais, atitudes que estariam mais ou menos de acordo com aquelas que a maioria das pessoas estaria preparada para formular: atitudes de crença e de desejo. Um sistema possuirá essas atitudes na medida em que o seu comportamento for explicado pela presença dessas atitudes, contudo um sistema intencional nesta precisa acepção não precisa ser um sistema pensante. Pensar, apesar do que foi dito, parece exigir, tal como no discurso, a capacidade de seguir regras e tal não surpreende, já que pensar parece estar de acordo com aquilo que tradicionalmente tem sido descrito como discurso interior, quer dizer, falar consigo mesmo.

O desafio céptico proposto por Kripke merece da parte deste autor um pequeno- grande reparo que não destoa, no entanto, de alguma afinidade de pensamento que ele demonstra em relação a Kripke neste particular. Para ele, apenas uma diferença na ênfase separa a sua versão do desafio céptico da versão de Kripke. Deste modo, Kripke procura perguntar que facto sobre a pessoa poderia constituir aquilo que é dar sequência a uma regra, enquanto ele pergunta que tipo de coisa pode constituir uma regra que a pessoa pode seguir, mas esta mudança de atitude não implica qualquer possível resolução do problema céptico de Kripke.: “(…) He [Wittgenstein] tends to ask after what fact about a person could constitute his following a rule whereas I shall ask after what sort of thing could constitute a rule that the person might follow.(…)” (p. 6). Assim, ele encontrar-se-á aberto à possibilidade de haver alguma coisa que se chame

seguir uma regra sem que haja qualquer coisa que constitua uma regra. A aparência de

paradoxo desta última ideia não deixa, para nós, de denotar algum cepticismo a não descurar.

A interpretação behaviourista do paradoxo céptico wittgensteiniano que Kripke leva a cabo não terá o acordo de Philip Pettit, mas o que é facto é que, para este, não há nenhuma maneira através da qual eu possa estar em contacto de forma adequada com um objecto de tal infinitude, ou seja, com a regra que se pretende seguir. Seguindo as orientações de Wittgenstein neste particular, o autor reitera que não há nenhum objecto finito que a mente possa contemplar que, sem ambiguidade, nos permita identificar uma restrição normativa para uma variedade infinita de casos.

Philip Pettit ocupa-se agora de umas das possíveis respostas que o próprio Kripke dá ao seu desafio céptico. Para Pettit, a resposta em termos de disposições, nada nos transmite sobre o que é uma regra e insiste em afirmar que existe algo como seguir-

regras. Ela identifica seguir uma regra com uma disposição para continuar segundo um

certo padrão, um padrão que serviria, por exemplo, para aplicar a palavra mais a novos casos. Esta teoria, salienta o autor, é alvo de inúmeras críticas por parte de Kripke, dado que a disposição falha como candidato a um facto que me deva dizer como continuar uma série em novos casos. Uma teoria deste tipo, segundo Pettit, não ajuda a explicar como é que eu, seguindo determinada regra, sou guiado directa mas falivelmente por alguma coisa que me diz antecipadamente o que eu devo responder. Uma disposição pode esclarecer sobre o que eu faço, mas não pode fazer luz sobre este ser guiado.

A importância da inclinação no que a seguir-regras diz respeito também é desvalorizada neste artigo de Pettit, pois as suas propostas não exigem que o seguidor de uma regra tenha qualquer tipo de consciência da inclinação provocada pelos exemplos da própria regra, muito menos que prestem atenção a essa inclinação propriamente dita. O seguidor de uma regra focar-se-ia tão-somente na regra e nos exemplos da própria regra. No entanto, se a inclinação está associada a priori com a regra, então a inclinação está relacionada com a regra que se adequa àquela de forma apropriada. Se a inclinação deve estar relacionada a posteriori com qualquer coisa, então ela deve relacionar-se com uma regra que lhe está associada de uma outra forma, talvez uma regra que pode não se ajustar perfeitamente a ela. Tal regra pode ajustar-se à minha inclinação somente na medida em que certas condições benignas forem preenchidas, isto é, quando surge um tipo de condições favoráveis em que eu posso

dizer que em alguns casos elas não são preenchidas e que, por conseguinte, eu segui a regra erradamente ou a minha resposta foi perturbada por algumas condições invulgares. A regra a seguir resultaria de uma inclinação standardizada, ou seja, de uma inclinação gerada pelos exemplos que instanciam uma única regra. Para Pettit, teríamos de esperar pelo esforço da inclinação padronizada para ver como é que a regra funciona em novos casos, no entanto, tal significa tão-somente que a qualquer momento poderemos não estar certos sobre o que a regra exige para novos casos e não significa que haja qualquer tipo de indeterminação a priori sobre a exigência para novos casos. O facto de não estarmos certos sobre a regra a seguir não implica que haja uma indeterminação antes que o novo caso seja abordado.

Kripke, segundo Pettit, é por vezes acusado de colocar um desafio tendencioso: o desafio de identificar o facto seguir uma regra de forma redutora com este ou aquele tipo de facto psicológico. O filósofo em causa coloca-se ao lado de Kripke neste particular porque, para ele, este desafio seria tendencioso somente na medida em que tal desafio assumisse que seguir regras não é um facto psicológico sui generis. No entanto, para ele, desde que não tenhamos a tentação de analisar seguir regras em termos redutores não enfrentaremos o tipo de problemas que Kripke enfrentou ao querer responder de forma redutora às questões que seguir uma regra levanta. Para Pettit, por seu turno, é importante apenas tentar dar uma explicação de como é para um seguidor ver-se a si mesmo como tendo cometido um erro e tentar explicar como é que nós podemos ver que a sua inclinação falhou.

O fenómeno de seguir-regras, seguindo a linha de pensamento de Pettit, não é apenas precário, deve ser também interactivo. Seguir uma regra exige que o sujeito que segue uma regra interaja ou possa interagir com outros portadores da inclinação ou com uma contraparte que actue nele, isto é, com outras pessoas ou com ele mesmo em tempos não recuados. Sem essa interacção não poderia haver uma relação estreita entre a inclinação e a regra. Enquanto eu posso lutar de forma falível por ser fiel a uma regra objetiva na tarefa de seguir-regras, a regra que eu estou a seguir é determinada pela minha natureza e pela natureza da minha espécie. Alguém a quem faltasse esta natureza, alguém a quem faltasse esta contraparte que eu sigo, não poderia vislumbrar que tipo de regra eu estou a seguir ou sequer se eu estou mesmo a seguir uma regra.

Há uma condição que é comumente aceite na noção de regra: a noção que a regra deve ser pública, num sentido mais ou menos wittgensteiniano. Mas suponhamos que uma pessoa identifica a regra tendo por base uma inclinação interiormente

intertemporal, ou seja, registada em tempos diferentes, ela não esperará com certeza que os outros identifiquem a regra de forma convergente. Em tais condições, eu apenas posso acreditar que uma outra pessoa identificou a regra, uma regra que eu represento para mim mesmo padronizada e intertemporalmente, mas eu não posso saber se ela identificou a regra da mesma forma que eu o fiz. No entanto, se há uma regra exemplificada que nós partilhamos, então eu estou em condições de dizer de que regra se trata e poderá, deste modo, haver acordo entre nós.

O desafio céptico continua a ser respondido quando, na parte final do seu artigo, Pettit afirma que há uma condição que é habitualmente imposta na noção de uma regra e essa condição é que a regra devia ser pública num sentido mais ou menos wittgensteiniano: “(…) There is a condition that is commonly imposed on the notion of a rule, (…). This is that the rule should be public in roughly the Wittgensteinian sense. (…) (p. 19). Se seguir uma regra tem de ser um facto público, então os seguidores de uma regra devem interagir uns com os outros assim como com os seus eus anteriores e posteriores. Este é um tipo de justificação para a perspectiva, alegadamente wittgensteiniana, que defende que seguir uma regra só seria possível num contexto comunitário. A interacção com outras pessoas só deve ser exigida se a regra for pública, isto é, se for uma regra que uma outra pessoa possa saber que eu estou a seguir. A publicidade das regras é, no entanto, parece-nos, ainda uma solução céptica para o problema das regras porque continua a não haver um facto – superlativo ou não – propriamente dito ao qual eu me possa referir quando sigo uma regra.

5. L. C. Holborow e a admissão de uma linguagem privada

No documento Behaviourismo e Cepticismo em Wittgenstein (páginas 40-44)