• Nenhum resultado encontrado

Stanley Cavell visto por Denis McManus

No documento Behaviourismo e Cepticismo em Wittgenstein (páginas 75-77)

Um dos autores que apoiam as posições de Cavell é, como já vimos, Denis McManus para quem Cavell interpretou Wittgenstein como ajudando a expor alguma verdade no cepticismo e a expor a possibilidade que, no caso das outras mentes, nós possamos viver com o nosso cepticismo. Apesar disso, a obra de Wittgenstein tem sido rotulada tradicionalmente, aliás como já vimos, como uma refutação, ou mais frequentemente, como uma dissolução do cepticismo.

As questões levantadas pelo céptico não são, por isso, despiciendas, já que este suscita questões pertinentes, como as que coloca em relação às outras mentes, ao mundo exterior, ao passado, etc., e este preparou-se com o arsenal teórico resultante de um trabalho vasto de reflexão filosófica. As questões levantadas pelo céptico, da forma que ele as coloca, não têm pura e simplesmente uma resposta clara.

Em relação às dúvidas sobre a existência do mundo exterior, para McManus, uma resposta possível ao céptico seria considerar que, se o pensamento e as palavras do céptico devem ser inteligíveis, deve então haver, pese embora o céptico, uma comunidade de outras pessoas e um mundo exterior para elas o povoarem, naquilo que seria uma boa forma de responder às dúvidas do céptico em relação à existência de um mundo real, exterior, independente e continuado. Este argumento em defesa da certeza da existência de um mundo real, exterior, independente e continuado parece partir somente do pensamento e da linguagem de alguém tomado isoladamente, mas como a sua inteligibilidade carece de aprovação de uma comunidade que habitaria o mundo exterior, o argumento parece-nos, pelo menos aceitável, quanto à existência de uma comunidade de outras pessoas. Não nos parecerá tão avisado aceitá-lo como justificação da existência de um mundo exterior, porque extrapolar da existência das pessoas para a existência do mundo exterior parece-nos um salto algo arriscado.

Em relação ao problema das outras mentes, ainda de acordo com McManus e a sua leitura de Cavell, o céptico, da maneira como é lido por Cavell em Wittgenstein,

epistemologiza o problema das outras mentes, acrescentando um problema cognitivo, ou

seja, gnoseológico aos problemas existenciais que caracterizam o que é realmente conhecer alguém, sentir que alguém já não conhece outra pessoa, sentir-se enganado

pela forma como alguém se comporta, etc.

O cepticismo em relação à existência de outras mentes e o cepticismo em relação à existência de um mundo exterior toma por vezes contornos bizarros. Uma das analogias lembradas por Denis McManus é proposta por Dretske e Nozick, em que estes afirmam que se o céptico insiste em duvidar da existência do mundo exterior é porque ele não sabe se ele não é apenas um cérebro num recipiente, o que, diga-se de passagem, poderá ser incompatível com a afirmação da existência de um mundo que me seja familiar. Neste âmbito, McManus lembra ainda Crispin Wright quando este afirma que não podemos correr o risco de desistir de juízos que envolvam proposições contra o cepticismo porque, se assim fosse, nunca nos encontraríamos numa situação em que a partir de um certo domínio ou de um certo estado de coisas poderíamos extrapolar para um outro domínio para além dele mesmo.

O cepticismo em relação ao passado revela-se em Wittgenstein nas IF, essencialmente em 472 e 478, onde o filósofo sublinha a crença na uniformidade da natureza que se revelaria, por exemplo, nas sensações que precedem uma dada expectativa. Assim, a crença na uniformidade da natureza e o reconhecimento da

importância do passado, embora relativizada, é deste modo apresentada: Nada me pode levar a pôr a minha mão na chama, embora eu só me tenha, de facto, queimado no

passado (IF 472). Em 478, o cepticismo em relação ao passado prossegue o seu

caminho quando Wittgenstein pergunta que tipo de fundamento é que tenho para crer que será com dor que cravo a ponta de um lápis na mão. Uma resposta céptica de tipo humeano seria considerar o hábito como origem dessa crença.

Denis McManus, que defende que mesmo no Tractatus há indícios de behaviourismo associado ao cepticismo, salienta que, embora mais raramente discutido que as reflexões tardias de Wittgenstein sobre o cepticismo, o Tractatus oferece-nos uma corajosa mas pequena avaliação do cepticismo como irrefutável, mas claramente sem sentido, como já salientámos de resto (Parte IV, p. 61).

Se, tal como Wittgenstein afirma, eu sou o meu mundo, então o céptico, contemplando a eventualidade desse mundo não existir, está a contemplar uma situação em que o sujeito seria negado, não só o seu conhecimento, mas também o meio para a sua existência: o céptico está à procura de uma prova da existência de alguma coisa sem a qual as suas dúvidas não seriam possíveis. Assim, McManus defende – e nós corroboramos a sua tese – que o céptico tenta duvidar numa zona de pensamento onde nenhuma questão pode ser levantada. Esta firme posição anti-céptica mostra não só que o cepticismo poderá não ter sentido, mas também, segundo McManus, poderá ser refutável e desmontável, embora esta suposição seja assumida por nós enquanto vemos o cepticismo e as suas várias formas como não tendo utilidade prática e como não contendo em si nenhuma posição definitiva – e de outra forma não poderia ser – sobre a existência ou não do mundo exterior ou sobre a existência ou não de outras mentes. A dúvida sobre estas matérias pode ser apenas reflexiva e provisória pois o mundo lá fora e os outros impõem-se-nos irremediavelmente.

No documento Behaviourismo e Cepticismo em Wittgenstein (páginas 75-77)