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3. AS JUNTAS ADMINISTRATIVAS DA PROVÍNCIA DO CEARÁ

3.5. A EFÍGIE DO IMPERADOR

português, portanto a unidade do império.

Assim, o constitucionalismo também lançou as bases para o surgimento dos discursos políticos no Ceará, incentivando a formação de grupos através de alianças interparentais para se chegar ao poder ou se proteger de adversários que, eventualmente, compunham o governo.

3.5. A EFÍGIE DO IMPERADOR

Tanto para os comerciantes do litoral, como para os senhores de terras do interior, o constitucionalismo também possibilitou uma primeira tentativa de se pensar o Ceará como um corpo administrativo único, ainda longe de ser uma comunidade imaginada390, mas antes um esforço em direção à construção de um espaço

administrativo em comum, ligado a um discurso identitário local.

Até então, os representantes do governo português em Fortaleza, eram vistos com desconfiança pelas câmaras municipais, normalmente associados a arbitrariedades pessoais do governador, por contrariar os interesses das elites políticas das vilas. Ou seja, até princípios do século XIX, simplesmente não existia a ideia de um governo que representasse os interesses dos senhoriatos, no Ceará391.

Mas antes, o contrário. É aí onde entra a importância da Revolução do Porto: a mesma possibilitou pensar em um governo das casas locais e para as casas, onde os “cearenses” das diversas paróquias eram convidados a escolherem representantes políticos para formar uma junta administrativa, que governaria toda a província392.

...fiz público, que se mudaria do sistema de Governo sendo vontade geral da Província, que passara escrever as 23 câmaras das Villas de que se compõem esta Província em uma população de 15023 almas

390 Cf. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

391 Sobre as mudanças de sentido do conceito de Pátria e Nação, Cf. HSPANHA, Antônio Manuel. Pequenas Repúblicas, grandes estados. Problemas de organização política entre Antigo Regime e liberalismo. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec; Unijuí; Fapesp, 2003, p. 92-108.

392 Na eleição de 03 de novembro de 1821, basicamente só a comarca de Fortaleza participou. Todavia,

frente aos protestos dos vogais das demais comarcas e atendendo a ordem dos líderes do movimento constitucionalista de Lisboa, em 17 de fevereiro de 1822 foi eleita uma segunda junta administrativa, agora com os eleitores de toda a província. Ver THÉBERGE, Pedro. Op. Cit.

que convocariam e ouviria cada uma opinião dos Cidados [cidadãos] zelosos e inteligentes sobre tão melindrosos objetos, e sendo [ilegível] passarão a plenitude de todos a escolher um Cidadão para na Capital se juntarem e elegerem o governo Provisório, que a mim me parecia isto o melhor ao meio Constitucional.393

Em 18 de fevereiro de 1822, 80 eleitores das freguesias de Fortaleza Arroches, Messejana, Sauré, Aquiraz, Aracati, Monte-Mor o Novo, São Bernardo, Amontada, Sobral, Granja, Viçosa, Serra dos Cocos, Icó, Riacho de Sangue, Lavras, São Matheus, Quixeramobim e Aroeiras, reuniam-se na paróquia de Fortaleza para escolherem um governo provincial394. Criava-se ali um novo espaço de sociabilidade

na província, uma vez que, ao convocar eleições provinciais e reunir na mesma paróquia casas de diversas ribeiras do Ceará, possibilitava o estabelecimento de relações de empatia e de disputa provincial por espaço de poder entre as elites de diferentes vilas. Portanto, já se pensando o Ceará como uma só unidade política. Claro, a experiência das eleições concentradas só na paróquia da capital não perdurou, depois da Confederação do Equador, as eleições tornaram-se novamente locais. Todavia, mesmo aí, chefes de casas assentados no litoral passaram a viajar ou se corresponder com as casas sertanejas para negociarem alianças políticas, formando os chamados partidos políticos provinciais395.

De qualquer forma, o que nos referimos aqui é a um primeiro movimento em prol da construção, se não de uma identidade territorial e política de “cearense”, para além dos espaços das vilas, comarcas e paróquias, pelo menos para uma primeira experiência administrativa, que impunha o pensar a província como um corpo unificado396. Somando-se a esse discurso, as lutas emancipacionistas de 1822

trouxeram também, juntamente com a ação dos deputados da província nas Cortes de Lisboa, um debate sobre a identidade e cidadania brasileira397, como algo diferente

393 CONSELHO ULTRAMARINO-CEARÁ. Ofício do [secretário de estado dos Negócios da Marinha e

Ultramar], Inácio da Costa Quintela, ao [Presidente das Cortes Gerais], João Batista Figueiras, remetendo ofÍcio do governo do Ceará, Francisco Alberto Rubim, sobre os reflexos da revolução de 1817, ocorrida em Pernambuco, na capitania do Ceará. Doc. Cit.

394 CONSELHO ULTRAMARINO. FORTALEZA: Carta da Câmara da vila de Fortaleza ao rei [D. João VI], sobre a instalação do governo interino no dia 17 de fevereiro. 23 de fevereiro de 1822, caixa 23, doc. Nº 1449. AHU.

395 Trabalharemos esta questão em dois capítulos específicos sobre o tema.

396 Como já lembrou o professor Almir Leal de Oliveira, essa ideia de uma unidade provincial não se desenhara tão facilmente, até a metade do século XIX as pessoas continuavam se referindo a Fortaleza como se esta fosse o Ceará. As vilas, ou no máximo as comarcas do sertão eram sentidas como um corpo político independente. Cf. OLIVEIRA, Almir Leal de. Op. Cit.

397 Em 1822, Manuel do Nascimento, juntamente com os deputados pela província de São Paulo, recusou-se a assinar e jurar a Constituição recém-elaborada pelas Cortes de Lisboa, enquanto

do português. Filgueiras, por exemplo, já afirmava lutar pela independência do Brasil no Ceará:

...deliberou o Conselho Eleitoral, reunido nesta vila do Icó, instalar um Governo temporário composto de seis membros nomeados pelas respectivas Câmaras com os eleitores de seus termos, que formando nesta Comarca um Centro de união, e uma Autoridade legal, [que] pudesse proteger, e animar a todos os honrados, e generosos brasileiros, que livremente se quisessem desenvolver a favor da Santa causa da Independência do Brasil = Este passo virtuoso, e filho do heroísmo, e mais que tudo da cega fidelidade, respeito, e amor a sua Majestade o Senhor Dom João Sexto, e a seu Prezado Filho o Príncipe Regente e Perpetuo Defensor do Brasil...398

Para além da questão por demais interessante de se proclamar a Independência do Brasil em nome da “mais sega fidelidade” e “amor” a João VI e ao príncipe regente Pedro, já comentado acima, aquele movimento era também, para a província, um primeiro esboço de construção de um sentimento de pertencer a uma unidade territorial chamada Brasil. No mesmo, em pouco tempo, o português do sertão central era coagido a abandonar sua identidade de português e ressignificar sua ideia de pertencimento à pátria menor: o Ceará399. No exato momento em que se

ensaiavam os primeiros passos para inventar-se o sentimento/discurso do ser “cearense”, que por sua vez já representava o início de um processo de aglutinação das diferenças e interesses das vilas e paróquias, lança-se uma segunda força para subordinar esse discurso de ser cearense a uma identidade de pátria maior: o ser brasileiro. Esta identidade local e nacional, era tão recente, que se pegarmos o discurso dos vereadores da vila de Fortaleza do início do século XIX, percebe-se que a ideia de “cearense” simplesmente não existia:

Na Torre do Tombo se há de achar registrada a carta, que há cento e sessenta e quatro anos, mais ou menos, escreveu o senhor Rei D. João 4º, de saudosa memória à Câmara de Olinda, e aos povos

Martiniano falava em Independência por inconsiabilidade entre os interesses dos “brasileiros” e dos portugueses. Ver Sessão de 14 e 20 de setembro de 1822. In: PORTUGAL: Diário das Cortes gerais, extraordinárias, e constituintes da nação portuguesa. Segundo anno da Legislatura. Tomo Sétimo. Doc. Cit. p. 433 e 505.

398 José Pereira Filgueiras. Quartel da Villa do Icó vinte e nove de Outubro de mil oitocentos e vinte e dois. Doc. Cit. Grifo nosso.

399 Como dissemos, a formação de um discurso de unidade provincial se antecipa ao discurso de unidade nacional, este só inicia-se em 1822 com a convocação de uma eleição para a assembleia legislativa de 1823, aquele já em 1821, com as eleições das juntas administrativas e dos deputados para as Cortes de Lisboa, inaugurando uma tímida narrativa em prol da unidade provincial.

pernambucanos, de que sempre fomos parte prometendo-lhes, que nunca seriam gravados com tributos, e prêmio de sua felicidade. Por esta razão senhor, e por todas as mais, que a V. A. R. temos expostos, nos animamos a ir rogar a V. A. R. se digne, de querer piedoso e como pai político de seus amados, e fieis vassalos pernambucanos, em que entramos nós desta colônia desgraçada do Ceará...400

O trecho acima foi escrito em 1803, onde a câmara de Fortaleza reclamava ao rei os impostos que passaram a pagar com a instalação da Fazenda Real no Ceará, e lembravam que D. João IV, como forma de recompensa pela expulsão dos holandeses, havia concedido isenção de impostos a todos os pernambucanos, dentre os quais estavam inclusos os pernambucanos do Ceará. Assim, podemos considerar que o discurso e as ações políticas para se construir uma identidade nacional, que sucedeu ao processo de Independência, também o era de estabelecer fronteiras imaginativas401 e políticas, hierarquizando os espaços de pertencimento dos

indivíduos em uma relação de força do maior para o menor.

Pelo menos em termos de discurso, este projeto de construção da comunidade imaginada brasileira, ou antes, a cearense, deveria ser abstrata o bastante para incluir e comprimir especificidades como as dos múltiplos grupos étnicos indígenas; dos negros libertos ou alforriados, oriundos de diversas matrizes africanas; os desclassificados ou desqualificados andarilhos, os jornaleiros dos centros urbanos que viviam de pesca, carpina, etc.; os “cabras” e caboclos dos sertões, ciganos e demais grupos étnicos que habitavam a província. Inventava-se ali o cidadão brasileiro com o intuito de construir um sentimento de empatia, referendado nos princípios universalistas da tradição ilustrada da ideia de pacto, associação ou contrato social.

Mas como bem lembrou Bonifácio “a amalgamação muito difícil será a liga de tantos metais heterogêneos, com brancos, mulatos, pretos livres e escravos, índios

400 CONSELHO ULTRAMARINO-CEARÁ. Carta da Câmara da vila de Fortaleza ao [príncipe regente D. João] sobre as dificuldades atravessadas pela capitania, devido à seca de 1791-1793, o que acabou por prejudicar a agricultura e as rendas reais, e sobre as medidas tomadas pelo governador Bernardo Manuel de Vasconcelos acerca da derrubada das matas. Doc. cit.

401Pensamos aqui em uma fronteira imaginada a partir do conceito de “Comunidade Imaginada”, de Benedict Anderson. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

etc., etc. em um corpo solido e político”402. De fato, uma amalgamação tão difícil que

atravessara todo o Império e adentrou a República403.

...no caminho, [do] distrito do Jardim, mandei prender dois cabras, vindo os meus oficiais notificar a minha ordem, quanto passou os acompanhar, responderam, que não conheciam mais ouvidor, nem justiça, e só obedeciam ao Capitão-mor do Crato.”404

A definição acima foi relatada por Pereira do Lago, então ouvidor da vila do Crato em 1821, sobre o posicionamento de um dos homens de Filgueiras durante a Rebelião dos Cerca Igrejas. A importância desta afirmativa de que o sertanejo, “soldado” de Filgueiras, não reconhecia outra autoridade que não a de seu senhor, é muito representativa para entendermos a relação entre as populações locais e as casas sertanejas senhoriais. O Estado ali, para afirmar-se como governo, só o poderia fazer se estivesse em parceria com estas casas locais, e assim o fez405. Uma política

que passava necessariamente pela difusão do culto cívico, simbolizado principalmente no Imperador.

Então quais os meios seguidos para pôr em prática estes planos centralizadores? Era preciso dar materialidade à ideia de Brasil e o primeiro passo rumo a este fim era associar a ideia de nação à personagem Pedro I406:

Tendo vindo abordo do Brigue Beaunepaire um busto da Esfinge [efígie] de S.M. O Nosso Augusto Imperador para ser colocado na sala do cortejo deste palácio; e convém que ele desembarque com toda

402 SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Projetos para o Brasil. Cit. p. 170.

403 Sobre as políticas de construção de uma identidade nacional na república ver CARVALHO, José

Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

404 CONSELHO ULTRAMARINO-CEARÁ. Carta de José Joaquim Pereira do Lago, Ouvidor do Crato,

à Francisco Alberto Rubim, Transcrita em Oficio do Governador do Ceará, Francisco Alberto Rubim, a Carlos Frederico da Cunha, sobre o juramento da Constituição pela vila do Crato. Fortaleza, 20 de agosto de 1821, caixa 22, doc. N 1317, AHU.

405No entanto, o grande dilema deste processo de afirmação ou institucionalização do Estado no sertão, era que dificilmente nas vilas existia só uma casa senhorial, sendo, portanto, muito recorrente disputas locais entre duas ou mais famílias inimigas. Esta característica fazia com que este avanço do Estado para o sertão cearense desse-se mediante uma tomada de partido por parte do governo central, apoiando uma das casas rivais, em detrimento da outra.

406 “...julguei que só Pedro era o homem que podeia efetuar as refrmas políticas que nos convinham, firmar o governo que requeriam nossos costumes, nossos vícios e funesta divisão de partidos.” José Bonifácio de Andrada e Silva. Projetos para o Brasil. Cit. p. 213.

aquele cerimonial devido a tão Augusto Objeto, convido a vossa excelência para que [fl. 67] amanhã as quatro horas da tarde se ache comigo no porto do desembarque, tendo antes expedido as ordens necessárias para o arrumamento de toda a tropa disponível, salvar nas Fortalezas, e todo o mais cortejo devido para a condução do mesmo Busto a este Palácio.407

Devendo-se solenizar o próximo dia doze do corrente mês Aniversario Natalício de Nosso Augusto Imperador e Sua Aclamação como cumpre e exige tão recomendável objeto; devendo eu persuadir-me de que a vossa excelência não escapará ato algum respetivamente aplicável por essa repartição, tendo simplesmente de prevenir a vossa excelência que as onze horas da manhã do mencionado dia, depois de arrumada, e dadas as salvas de estilo se efetuará o cortejo na sala do dossel deste palácio, onde vossa excelência durante o ato poderá formar parede / seguindo a pratica a que observada / acompanhado de [seu] ajudantes decentes.408

Aos olhos inertes petrificados da escultura do busto do imperador, a tropa prestava continência, sucessivas descargas de tiros eram dadas, vez por outra alguém entoava um “viva a D. Pedro, à Deus e ao Império”, que era respondido em coro pelos presentes. Os tambores ditavam o ritmo da marcha. Por fim, os oficiais da cavalaria desfilavam em seus requintados trajes e brasões prestando continência ao busto de gesso.

407 Oficio de Antônio de Sales Nunes Berford, então presidente da província do Ceará, a Conrado Jacob

de Niemeyer Comandante das Armas do Ceará em 20 de setembro de 1826. CEARÁ. Ofícios dirigidos ao comandante das Armas e demais autoridades Militares. Fundo: Governo da Província. Dara: 1826- 1829, Caixa 02, Livro 06, Fl. 66v, APEC.

408 Oficio de Antonio de Sales Nunes Berford, então presidente da província do Ceará, a Conrado

Figura 4: Pedro I

Fonte: PEDRO I: Imperador do Brasil]. [S.l.: s.n.], [18--]. 1 grav, litograv., col, 37 x 27cm em papel 44,4 x 29,1cm. Disponível em:

http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon106609/icon106609.jpg. Acesso

em: 2 jul. 2018.

A festa concluía-se com o hasteamento da bandeira do Império na frente do paço do governo da província, seguido de um almoço oferecido por algum figurão local, interessado em barganhar um cargo ou comenda409.

As associações da imagem do imperador à imagem da pátria, em celebrações públicas, foram adotadas na província tão logo os conflitos da década de 1820 deram uma trégua, como o afirma o então presidente Pedro José da Costa Barros em março de 1825: “...houve grande Parada das Tropas aqui estacionadas e cumprimento à sagrada Esfinge (sic) do Nosso Augusto Monarca, o que determinei para satisfazer aos desejos que tinham todos os bons brasileiros”410. Festas e ritos

para se celebrar a pessoa do imperador foram difundidos em toda a província, práticas que nestes primeiros anos, restringiram-se à capital Fortaleza, mas em pouco tempo se estendeu às demais vilas.

Já em 1824, para demonstrar a adesão do governo temporário às forças oficiais enviadas do Rio de Janeiro, o então presidente interino José Felix de Azevedo e Sá, organizou uma procissão pelas ruas de Fortaleza com uma pintura de Pedro I:

409 Idem.

410 Pedro José da Costa Barros, 9/3/1845. In: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ. A

“O dito retrato pois andou em procissão, em ardor pelas ruas desta cidade, e com ele fui à praia para receber a tropa [...] que com o mais vivo entusiasmo querem ver o seu retrato411.” Em 1827 Eduardo de Castro e Silva, João Tibúrcio Pamplona, Francisco

José da Costa Barros, João Francisco Sampaio e Manoel Gomes Valente deram cada um 20 mil réis para a compra de uma cópia da estátua do busto do imperador, com a finalidade de a colocarem na câmera da vila de Aracati412. Claro que o intuito era antes

de tudo, o de bajular o Imperador. Todos, sabiam e esperavam que a compra do busto fosse informada ao jovem monarca através do presidente de província e, na lógica da economia de mercê, assim que possível destacarem aquela atitude “patriótica”, quando fossem solicitar uma comenda, patente ou cargo público. Mas também e inegavelmente, ao levar a imagem do imperador para outras vilas, potencializavam- se os ritos públicos, visto dar visibilidade a uma imagem associada ao nacional nas festas cívicas. Mesmo para as vilas que não haviam cidadãos dispostos a financiarem a compra de uma cópia de gesso da escultura de Pedro I elaborado pelo francês Marc Ferrez, eram enviadas pinturas imponentes do jovem rei, que por sua vez eram postas em destaque nas casas de câmara das vilas.

Em meio à tamanha variedade de interesses e identidades que compunham o Ceará e o Brasil naqueles conturbados anos de início de século e de nação; o Imperador, ou pelo menos sua imagem/efígie nas províncias distantes da Corte, representou uma materialidade sobre a qual o discurso oficial quis ancorar à representação da unidade nacional413. O Imperador assumia ali a personificação

411 José Felix de Azevedo e Sá à Pedro José da Costa Barros. Cidade da Fortaleza a 28 de outubro de 1824. In: Abelha do Itaculumy, n. 150, 24 de dezembro de 1824, HDBN.

412 Relação Nominal dos Cidadãos que na Villa do Aracati tem subscrevido para a Guavura da Effigie

de S.M. O Imperador a que se tem proposto e Diretor d’Academia das Bellas Artes Henrique Jozé da Silva.

Os Snres

Eduardo de Castro Silva ...20$000 / João Tibúrcio Pamplona ...20$000/ Francisco José da Costa Barros ... 20$000 / João Francisco Sampaio ...20$000 / Manoel Gls’ [Gonsalves?] Valente ...20$000

Secretario do Governo do Ceará 20 de Abril de 1827 = Jozé de Castro Silva Secretario. Ao Tenente Coronel João Tiburcio Pamplona encarregando-o da Cobrança da Subscripção tirada na Villa do Aracati para a Gravura da Effigie de S.M. o Imperador [20/04/1827]. CEARÁ: Ofício dirigido ao comandante das armas e demais autoridades militares. Fundo Governo da Província. Dara: 1826-1829, Caixa: 02, Livro 06, fl. 111v APEC.

413“Sendo no dia 12 de outubro aniversário de Sua Majestade o Imperador e seu natalício, e por isso

mesmo o mais memorável para todo o Império Brasileiro. Parece que deve haver n’estes dias todas as demonstrações de prazer e aparato a nosso alcance. Eu de acordo com o Sr. Comandante das Armas interino nos conformamos que Vossa Senhoria nesse dia continuasse a pôr em prática o q[eu] tem feito nos anos anteriores, podendo utilizar-se da pólvora que tem em seu poder, pertencente ao Estado para as descargas de B[atalhão]. [...]. Persuado-me que não me poderei despencar de fazer marchar parte

necessária para materializar a nação, no sentido de possibilitar o ver e, como tal, dar sentido à abstração nacional, compondo mais um elemento de empatia ao constituir uma base para se edificar um discurso/sentimento que se expressava em um culto ao nacional414: todos os habitantes das terras da América portuguesa eram igualmente

filhos simbólicos do mesmo grande pai protetor Pedro, que personificava a nação.