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1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

1.4.1 Efeitos de sentido

1.4.1.2 Efeito de sentido de enunciação

Os efeitos de enunciação resultam do modo como o sujeito relaciona-se com o seu dizer, ou seja, das relações estabelecidas entre sujeito da enunciação e discurso-enunciado. Ao analisar os efeitos de enunciação, verificamos se o sujeito produz um efeito de sentido de aproximação (subjetividade) ou efeito de sentido de afastamento (objetividade) e através de quais estratégias eles são elaborados.

Quanto ao efeito de objetividade, Barros (2010, p.55) afirma que o que existe é uma ilusão de afastamento, pois a enunciação, de qualquer maneira, está “filtrando por seus valores e fins tudo o que é dito no discurso”. Como assinala Peruzzolo (2004, p.140): “todo enunciado pressupõe um sujeito que o enuncia”. Esse efeito é construído, geralmente, pela produção do discurso com verbos impessoais (diz-se, fala-se, entende-se, etc.) e em terceira pessoa. Afastando-se da enunciação, o falante cria um efeito de imparcialidade, não se compromete e responsabiliza outro sujeito pelo dito, ou seja, a fonte de informação.

No entanto, o enunciador não consegue jamais se ausentar do texto, apenas esconder-se nele. O que é possível criar são apenas efeitos de sentido de objetividade e não um sentido de objetividade, como bem observa Fiorin (2012, p.5): “Depois de Benveniste, sabemos que o discurso é sempre o ponto de vista de um sujeito, seja ele individual ou social. Por conseguinte, não há objetividade na linguagem”. Pensamento análogo é o de Brait (2004, p.47) quando afirma que “cria-se o efeito de objetividade, de transparência como se não houvesse um enunciador. Entretanto, a construção da cena enunciativa revela a existência de um sujeito da enunciação”. Segundo a autora, isso revela as escolhas que foram feitas por um sujeito. Escolhas que estão relacionadas às pretensões do sujeito sobre o discurso e os efeitos de sentido que se pretende produzir no destinatário.

De uma ou de outra forma, o ponto de vista do sujeito estará presente no discurso, seja nas qualificações que ele dá ao outro sujeito, seja na interpretação da fala do outro, do recorte que é feito da fala do outro, nos adjetivos e substantivos utilizados para referenciar-se a algo. É isso que nos diz Fiorin (2012, p.58) quando afirma que “os jornalistas apregoam que seu discurso é objetivo e neutro. Não há objetividade e neutralidade no discurso”.

Como mencionamos no item anterior, o discurso indireto e o discurso direto também são estratégias utilizadas pelos enunciadores para trazer um valor de objetividade ao discurso. No entanto, como vimos acima, a objetividade não passa de um efeito, de uma ilusão. Diz Authier-Revuz (1998, p.148-149), que nenhum discurso relatado, “por mais longa e minuciosa que seja a descrição de enunciação dada” por um locutor, “pode ser considerado como restituição ‘completa’, fiel, de outro ato de enunciação que ele tenha como objeto”. Conforme a autora, com o discurso direto, existe uma “ficção de apagamento, uma ostentação de objetividade”, pois este é constituído por um sujeito que se apresenta como alguém que não interfere no que está sendo “reproduzido”. Isso possibilita ao sujeito apenas esconder-se atrás do que cita, o que torna esta nova enunciação, conclui a autora, “inevitavelmente, parcial e subjetiva”.

Os apelos à autoridade e personalidade, segundo Peruzzolo (2004, p.164), também “constituem valores de objetividade”, ou seja, também podem contribuir para a construção do efeito de sentido de objetividade, pois, ao serem trazidos para dentro de um discurso, acredita- se que eles estejam falando a verdade, que seu dizer tenha importância, que não são capazes de mentir ou enganar o leitor.

Já o efeito de sentido de subjetividade é construído através de pronomes de 1ª e 2ª pessoa (singular e plural), pronomes possessivos, advérbios de modo e ajuizamentos (Peruzzolo,

2004). Fiorin (2012, p.68) acrescenta outra estratégia para a produção do efeito de subjetividade: “utilizar a primeira pessoa do singular no lugar de terceira” e dá o seguinte exemplo: “Aqui, neste país, se eu precisar do SUS, estou perdido”. O “eu”, utilizado pelo autor no exemplo, serve para dizer que além dele todo sujeito que precisar do SUS terá dificuldades. Apresentam-se, agora, quatro figuras discursivas45: – o narrador, o locutor e o observador e o aviador – que são “mecanismos constituídos entre os lugares dos sujeitos do discurso – enunciador e enunciatário. É o leitor (ouvinte e/ou espectador) que os põe em movimento. O destinador os constitui e o destinatário lhe dá vida” (PERUZZOLO, 2004, p.162). A utilização dessas figuras é uma estratégia discursiva, que, segundo o autor, dispersa o sujeito no discurso e afasta-o da responsabilidade pelo dizer.

A figura do narrador pode aparecer no discurso em primeira e em terceira pessoa. Ao narrador é atribuído “o dever e o poder de narrar o discurso” no lugar do sujeito da enunciação – o enunciador (Barros, 2010, p.57). Ao narrar o discurso em primeira pessoa, produz-se o efeito de proximidade (subjetividade). O enunciado torna-se parcial, no entanto, o narrador fabrica a ilusão de credibilidade, pois, “simula a narração do fato acontecido e da experiência por quem os viveu ou presenciou ou os experimentou” (PERUZZOLO, 2004, p.162).

Já o locutor recebe o papel de porta-voz do discurso, é uma posição assumida pelo jornal, para eximir-se da responsabilidade pelo dito, para produzir o efeito de afastamento/objetividade. Normalmente, está atrelado à utilização de verbos em terceira pessoa. Como esclarece Peruzzolo (2004, p.163), não é o indivíduo que fala em um discurso, mas o enunciador e até o dispositivo de enunciação “enrolado no papel discursivo desempenhado pelo locutor”.

Quanto à figura do observador, Barros (2010, p.58) afirma que ele também é delegado da enunciação e cabe-lhe “determinar um ou mais pontos de vista sobre o discurso e dirigir seu desenrolar”. Pode-se dizer que ele interpreta uma situação e apresenta sua visão através do enunciado.

Já o aviador é, como diz Charaudeau (2012, p.55), “uma espécie de testemunha direta e viva de uma realidade social”. Sua credibilidade, segundo o autor, depende da importância que lhe é dada pelo destinatário.

Charaudeau (2012, p.58) afirma que o sujeito comunicante fabrica “para si mesmo diversas imagens de enunciador”. Entendemos, então, que a mutação observada do enunciador em outros personagens é um jogo estratégico da fala.

Através da análise dos efeitos de enunciação e das estratégias que os constituem podemos ver o modo como o enunciador relaciona-se com sua fala e o modo como posiciona- se no discurso. Salientamos que o lugar da enunciação é ocupado por uma série de sujeitos transmutados em figuras, as quais desenvolvem saberes, ideias, hipóteses, conclusões que constituem um texto sobre aquilo de que se fala, no caso, a violência no futebol. Com a análise dos efeitos de enunciação, podemos reconhecer essas figuras nas quais um sujeito enunciador transforma-se. São essas figuras que fazem os valores circularem.

Assim sendo, quando falamos de efeitos de sentido de enunciação, propomo-nos a identificar e analisar como, em termos de arrumação do discurso, o enunciador desenvolve o assunto da violência no futebol. Através deles, encontramos as formas utilizadas por um sujeito para esconder-se (objetivação do dizer) ou mostrar-se (subjetivação do dizer) dentro de enunciados referentes à violência no futebol.