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1.2 OS LUGARES DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NA MÍDIA

1.2.2 Lugar das condições de recepção

Embora não seja nosso objetivo falarmos sobre a recepção, apresentamos aqui algumas considerações que a ela estão relacionadas e que se fazem necessárias para entendermos o discurso midiático, pois, o estudo dos sentidos visa a observar as relações que são propostas pelo enunciador ao buscar os destinatários. O lugar das condições de recepção é constituído por um espaço ocupado pelo destinatário ideal, o qual é uma ideia de receptor. O destinatário ideal é o alvo da instância midiática, pois é a ele que esta direciona efeitos visados. O outro espaço é ocupado pelo receptor real, é o público, o consumidor que interpreta o discurso produzido pela instância midiática (CHARAUDEAU, 2006).

A instância de recepção midiática é constituída, então, pelo destinatário-alvo e pelo público. O público, como já afirmamos, quando fizemos referência à lógica econômica, é uma entidade consumidora que usufrui de produtos midiáticos. O veículo de comunicação age segundo moldes empresarias, o que o leva a necessitar de inúmeros consumidores que, no caso da mídia, são os leitores, telespectadores, ouvintes.

Lembramos que o público não é uma massa uniforme e homogênea, pelo contrário, é “heterogêneo e instável”, como diz o autor. O público é segmentado e inúmeras podem ser as suas divisões, por exemplo: faixa etária, classe social, tendência política, lazeres e profissões. É importante lembrar que o público leitor (da imprensa) é diferente do ouvinte (do rádio), que, por sua vez, é diferente do telespectador (da televisão), que é diferente do primeiro. Nada impede que o leitor seja também um telespectador, no entanto, as reações frente a um dispositivo e frente a outro tendem a ser diferentes.

Outro aspecto importante é que a instância midiática não conhece seus receptores, pode no máximo idealizá-los. Segundo Charaudeau (2006), isso ocorre pelo fato que receptores e produtores de um discurso midiático não estão presentes fisicamente ao mesmo tempo em uma relação de comunicação, como ocorre na conversação face a face, por exemplo.

Ao idealizar um destinatário, a instância de produção midiática sabe que ele possui expectativas, que ele pode ser guiado por variados valores. Cabe a ela tentar satisfazer as expectativas do destinatário. Guiada por condições próprias de interpretação, a instância de recepção pode entender os efeitos visados pela instância de produção de maneira diferente, pois ela tem a capacidade de produzir efeitos de sentido próprios que irão depender de seus

interesses, de sua capacidade de interpretação, de seu conhecimento sobre determinado fato representado.

Charaudeau (2006, p.80-82) aponta que o destinatário pode ser abordado como um “alvo

intelectivo” ou um “alvo afetivo”, os quais “se misturam e interagem”. O primeiro está

relacionado à importância que determinado produto midiático pode ter na organização cotidiana de um sujeito, pois este alvo é capaz de avaliar uma notícia, por exemplo, dar credibilidade ou não a ela e estabelecer um posicionamento sobre o que lhe é dito. Para este alvo, a informação pode ser a razão de “estabelecer relações com o outro” tanto de convívio quanto de poder16.

Como é um alvo que, supostamente, tem a capacidade e conhecimento para avaliar um fato noticiado no âmbito da veracidade, da autenticidade, da confiabilidade, cabe à instância midiática da produção atender os referidos requisitos. Diz o autor que “Um alvo intelectivo é um alvo ao qual se atribui a capacidade de pensar”, dessa forma, uma informação apresentada por um veículo e tomada como falsa pelo sujeito que a interpreta pode gerar uma cadeia de desconfiança sobre as demais informações apresentadas por este veículo. Outra questão que diz respeito ao alvo intelectivo é a acessibilidade à linguagem utilizada em um discurso. A acessibilidade depende das pretensões da instância de enunciação sobre quem imagina atingir.

Já o segundo, o alvo afetivo, realiza a interpretação guiado pelas emoções. Devido a isso, Charaudeau (2006, p.82) diz que a instância de produção midiática explora a questão do inesperado, “que rompe com as rotinas”; do repetitivo, “que parece proveniente de um espírito maligno”; do insólito, “que transgride as normas sociais de comportamento dos seres vivendo numa coletividade que pretende ser racionalmente organizada”; do inaudito, “que alcançaria o além, que nos faria entrar em comunhão com a dimensão do sagrado”; do enorme, “que nos transforma em demiurgos”; do trágico, “que aborda o destino impossível do homem”, e apontam para o uso de estratégias discursivas de dramatização.

Após os ditos de Charaudeau (2006), podemos afirmar que a instância de produção organiza os discursos de acordo com as noções que ela possui sobre os possíveis leitores. A interpretação do leitor dependerá da capacidade de compreender o que foi posto em discurso, bem como da intenção e do conhecimento perante o dito. Como assinala Peruzzolo (2004, p.177), o leitor deve desvendar as estratégias e os caminhos elaborados pelo enunciador, condição fundamental para que “os sujeitos comunicantes negociem sentidos”.

16 De convívio, pois se torna motivo de comentários, debates entre os parceiros de uma relação de comunicação.

Quanto às relações de poder, neste caso, elas ocorrem quando um dos parceiros apresenta aquilo que foi noticiado ao outro, sendo que este ignora ou ainda não obteve conhecimento sobre aquilo que foi noticiado.

Concordamos com Vizeu (2003, p.115), quando diz que a elaboração da recepção não pode depender apenas de estudos mercadológicos, pois sua construção dá-se “mediante um conjunto de regras e de instruções construídas pelo campo da produção para serem seguidas pelo campo da recepção”. A audiência é definida pela organização discursiva realizada pela instância da produção. É isso que diz Vizeu (2003, p.108) quando afirma que “é no interior do processo discursivo, por meio de múltiplas operações articuladas pelos processos da própria linguagem, que a audiência é construída antecipadamente”. Dessa forma, a instância de recepção midiática depende do modo como é elaborada pela instância da produção e da capacidade de relacionar-se com os discursos. Salientamos, ainda, que a instância de recepção não é composta por seres passivos. E isso torna-se evidente, pois, no momento em que um discurso é produzido e a instância de produção idealiza um destinatário, este último passa a ser um parceiro da relação de comunicação, agindo e influenciando a produção do discurso.