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1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

1.4.1 Efeitos de sentido

1.4.1.3 Efeito de sentido de tematização e a figurativização

Os efeitos de sentido de tematização são os mais complexos entre aqueles aqui apresentados, pois é através deles que os sentidos são investidos e reiterados em temas e subtemas num enunciado. Tais efeitos são produzidos por meio de um fluxo temático (traços, cadeia de ideias - plano abstrato) e fluxos figurativos (formas peculiares de tematização – plano concreto). Ambos os fluxos visam à elaboração de argumentos, informações, pensamentos, sentimentos e valores. Os efeitos de tematização constroem outros efeitos, como o de ficção, por exemplo, e aparecem seguidamente conectados com os efeitos de realidade e de enunciação, pois deles são constituintes e podem ser constituídos por eles.

Parte-se do princípio de que, na relação de comunicação, o enunciador realiza um investimento persuasivo em determinado enunciado, já o destinatário possui um papel interpretativo, realiza um processo de leitura com intuito de elaborar sentidos para sua própria vivência e usufruir daqueles valores, ideias, pensamentos que foram disponibilizados através de estratégias discursivas pelo enunciador. Conforme Bakhtin (1986, p.142), “Se o discurso ignorasse totalmente o destinatário (um tipo impossível de discurso, é claro), a possibilidade de decompô-lo em constituintes seria próxima de zero”. O enunciador pensa o enunciado de maneira estratégica, constitui-o com intuito de guiar o destinatário no processo de interpretação.

De acordo com Barros (2010, p.68), os valores, no nível discursivo, são “disseminados sob a forma de percursos temáticos e recebem investimentos figurativos. A disseminação dos

temas e a figurativização deles são tarefas do sujeito da enunciação”, no caso, do enunciador. Os valores são manuseados dessa maneira para que possam, segundo os dizeres de Peruzzolo (2004, p.185), constituir e “assegurar efeitos de sentido”.

Para a tentativa de explicação sobre a constituição do efeito de sentido de tematização, inicia-se pela definição de tema. De acordo com Fiorin (2009, p.91), temas são palavras e expressões que não remetem ao mundo natural, os temas “são categorias que organizam, categorizam, ordenam os elementos do mundo natural”. Peruzzolo (2004) acrescenta que os temas fazem referência a valores, os quais podem ser manuseados, afirmados e determinados pelos sujeitos humanos e estruturados em um texto. O tema é tido como um assunto, o qual “é uma ideia ou núcleo delas que sustenta um pensamento sobre o modo de ser, fazer, crer, sentir e/ou pensar de um sujeito ou objeto ou função” (PERUZZOLO, 2004, p.191). Os valores são organizados em percursos temáticos e sua formulação ocorre de modo abstrato através da disseminação de temas, ou seja, da tematização (BARROS, 2010). De forma resumida, Peruzzolo (No prelo) afirma que os efeitos de sentido de tematização são produzidos por determinado conjunto de ideias, são dados pelos modos de dizer, de compor, organizar uma informação e podem recorrer a investimentos figurativos:

Ao desenvolver um tema (...) o enunciador tece o discurso com uma trama de argumentos, que são diferentes temas que se imbricam para estruturar os valores de condutas, sentimentos e pensamentos (...) com o intuito de produzir efeitos de sentido, que permitam auferir um princípio moral, pois, fundamentalmente o que um enunciador pretende é fazer o destinatário acreditar nos valores que sustentam o discurso, que propõe.

A função de remeter a algo existente no mundo natural cabe às figuras, tidas como “todo conteúdo de qualquer língua ou de qualquer sistema de representação que tem um correspondente perceptível no mundo natural” (FIORIN, 2009, p.91). Exercem essa função, por exemplo, os substantivos concretos, verbos que, geralmente, indicam ação e adjetivos relacionados a qualidades físicas. Dessa forma, estão também muito ligados à construção dos efeitos de sentido de realidade:

O discurso figurativizado resulta da construção do sentido efetuada pelo sujeito da enunciação, trabalho esse representado sob a forma de percurso gerativo. O discurso não é a reprodução do real, mas a criação de efeitos de realidade, pois se instala, entre o mundo e o discurso, a mediação da enunciação. (BARROS, 1988, p.117).

Para a autora, é um processo de fazer-crer idealizado por um enunciador, no qual o enunciatário realiza seu próprio juízo sobre as figuras do discurso utilizadas e a que elas remetem.

Barros (2010, p.72) afirma que, por meio do procedimento de figurativização, as “figuras do conteúdo recobrem os percursos temáticos abstratos e atribuem-lhes traços de revestimento sensorial”46. Tem-se, então, que tema é abstrato e figura é concreta. O

investimento figurativo é responsável pela concretização gradual de determinado tema. O processo de figurativização de um discurso serve ainda para dar um acréscimo de qualidade e investir determinado tema.

Segundo Fiorin (2009), pensando os procedimentos de tematização e figurativização, nota-se que existem discursos temáticos e figurativos47, os quais geralmente aparecem imbricados, pois não há a existência de discursos exclusivamente temáticos ou figurativos, o que ocorre é a predominância de um sobre o outro. Mesmo quando se toma um texto recoberto por figuras, é preciso desvendar o tema que provocou a sua utilização, pois as figuras, para adquirirem sentido, “precisam ser a concretização de um tema” (FIORIN, 2009, p.92). Assim sendo, para o autor, “não há texto figurativo que não tenha um nível temático subjacente, pois este é um patamar de concretização do sentido anterior à figurativização” (2009, p.94).

No procedimento de análise dos efeitos de tematização e da figurativização, é preciso ter em mente que, antes de tudo, o texto é um tecido, uma composição, dotado de intuitos e estratégias. O tema de um discurso é constituído por subtemas, também chamados temas menores. Na análise, deve-se compreender a relação que existe entre o tema central e subtemas, pois estes são constituintes daquele. A mesma atenção deve ser dada à análise das figuras, as quais constituem uma trama que só é compreendida se analisado o conjunto das figuras e suas relações. As figuras, como já foi dito, possuem importância fundamental para a constituição de um tema. Devido a isso, é fundamental que se identifique a qual tema elas estão atreladas, lembrando sempre que um tema pode ser construído por figuras variadas, enquanto as mesmas figuras podem construir temas diferentes.

Para Peruzzolo (No prelo), o discurso é uma teia de fios temáticos. Por conseguinte, o discurso é uma composição. Os termos vão se repetindo e remetendo a outros ao longo da

46 De acordo com a autora “Os temas espalham-se pelo texto e são recobertos pelas figuras. A reiteração dos temas

e a recorrência das figuras no discurso denominam-se isotopia. A isotopia assegura, graças à ideia de recorrência, a linha sintagmática do discurso e sua coerência semântica (...). A isotopia temática decorre da repetição de unidades semânticas abstratas, em um mesmo percurso temático (...) A isotopia figurativa caracteriza-se pela redundância, pela associação de figuras aparentadas. A recorrência de figuras atribui ao discurso uma imagem organizada e completa da realidade” (2010, p.74).

47 Os discursos temáticos e os discursos figurativos possuem funções diferentes. Os figurativos “têm uma função

descritiva ou representativa, enquanto os temáticos têm uma função predicativa ou interpretativa. Aqueles são feitos para simular o mundo; estes, para explicá-lo” (FIORIN, 2009, p.91).

construção de uma reportagem, de um artigo de opinião, de um editorial com intuito de dar integridade, unidade ao texto.

Dessa forma, tentar desvendar os sentidos e os valores dados à violência no futebol, pelo jornalismo esportivo impresso, passa pela análise e identificação de estratégias discursivas, as quais produzem e organizam efeitos de sentido, pelos lugares que são atribuídos aos sujeitos no discurso, pelas vozes presentes nos textos e pela relação com outros discursos.

Encerramos esta parte dos efeitos de sentido com duas concepções muito importantes. A primeira delas refere-se a nós, como analistas, que, de uma maneira ou de outra, fazemos parte do conjunto de destinatários imaginados por quem produz um discurso. Dessa maneira, podemos interpretar de modo diferente o que é dito, de modo diferente de outros destinatários, de outros pesquisadores, bem como de modo diferente daquele imaginado pela instância produtora do discurso. A segunda é que nossa análise resulta em um novo texto. No entanto, como afirma Charaudeau (2012, p.15), “não é mais do que um novo texto a respeito de um outro texto, que depende, por sua vez, de um outro texto, que depende, por sua vez, de outro texto, etc.”, o autor diz ainda que “todo sujeito que estuda a linguagem é incapaz de ‘se curto- circuitar’ enquanto sujeito analisante”.

O nosso texto, portanto, está sempre circunscrito por outros textos, depende de outros textos e é constitutivo de outros textos, compondo um fluxo contínuo e infinito. Baseada no dialogismo bakhtiniano, Authier-Revuz (1990, p.27) assinala que toda palavra está “carregada”, “ocupada”, “habitada” e “atravessada” por outros discursos e pelo discurso do outro (pela voz dos outros), assim, todo discurso possui um caráter heterogêneo. Authier-Revuz (1998, p.122) afirma também que o receptor não é um alvo exterior, “mas sim um co-enunciador incorporado à produção do enunciado”. Não há a possibilidade de ser a fonte-primeira de um discurso, pois o outro é uma condição constitutiva do discurso de um dado sujeito.