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1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

1.4.1 Efeitos de sentido

1.4.1.1 Efeito de sentido de realidade

Afirma Peruzzolo (No prelo) que “o efeito de realidade é uma conexão semiótica que ocorre entre o real vivido e o real narrativizado”. Assim, a produção desse efeito visa a dar concretude aos sentidos, através de recursos discursivos exteriorizados por meio de uma materialidade, que pode ser, por exemplo, o texto de uma reportagem jornalística. O efeito de sentido de realidade é entendido por Barros (2010, p.59) como as “as ilusões discursivas de que os fatos contados são ‘coisas ocorridas’, de que seus seres são de ‘carne e osso’, de que o discurso, enfim, copia o real”. Tal efeito pode ser obtido através de estratégias discursivas como, fazer referência a pessoas, a objetos, a lugares, a características individuais e a qualificações profissionais, utilização de discurso direto e de discurso indireto.

Barros (2010, p.59) afirma que os efeitos de realidade podem ser construídos ainda através do procedimento da sintaxe discursiva denominado desembreagem42 interna: “Quando, no interior do texto, cede-se a palavra aos interlocutores, em discurso direto, constrói-se uma cena que serve de referente ao texto, cria-se a ilusão de situação ‘real’ de diálogo”. Nas palavras de Maingueneau (2008, p.141): “trata-se apenas de uma encenação visando criar um efeito de autenticidade”. O efeito de realidade é também construído pela utilização do discurso indireto, no qual, para o autor francês, ocorre o relato do “conteúdo do pensamento” de uma fala.

42 Segundo Barros (2010, p.54) “A enunciação projeta, para fora de si, os actantes e as coordenadas espácio-

temporais do discurso, que não se confundem com o sujeito, o espaço e o tempo da enunciação. Essa operação denomina-se desembreagem e nela são utilizadas as categorias da pessoa, do espaço e do tempo. (...) o sujeito da enunciação faz uma série de opções para projetar o discurso, tendo em vista os efeitos de sentido que deseja produzir”.

Segundo Bakhtin (1986), ao utilizar o discurso indireto, o enunciador realiza um processo de interpretação e de análise para tentar reconstruir um ato de enunciação. Isso também é dito por Authier-Revuz (1998, p.146) quando afirma que as formas de discurso relatado, tanto o discurso direto quanto o indireto, não relatam frases ou enunciados, mas atos de enunciação. O discurso relatado, para a autora, é um acontecimento particular, ou seja, um ato de enunciação, definido por sujeitos, que envolve determinada situação, “com seu Tempo, seu Lugar”, sobre um outro ato de enunciação que, por sua vez, também é definido por sujeitos e envolve uma situação caracterizada por determinado tempo e lugar.

Em ambos os casos, busca-se criar uma ilusão de que o enunciador não é o responsável por aquilo que está sendo dito. No discurso indireto, o trabalho do enunciador é complexo, pois ele precisa fazer “a sua própria arrumação do sentido como ilusão do distanciamento e da responsabilidade” (PERUZZOLO, 2004, p.168). Complexidade que também se aplica ao discurso direto, pois o enunciador necessita realizar recortes de um ato de enunciação e esses recortes podem orientar interpretações variadas.

Uma estratégia comumente acionada para marcar o discurso direto é uso das “aspas”, por exemplo. O uso de “aspas” aponta um responsável pelo dito e encobre a responsabilidade do sujeito de enunciação. Ressalta Maingueneau (1997, p.85) que o discurso direto “não é nem mais nem menos fiel que o discurso indireto, são duas estratégias diferentes empregadas para relatar uma enunciação”.

O uso do discurso direto e do discurso indireto permite que o leitor tenha acesso ao conteúdo do pensamento, ao menos em parte, dos principais atores envolvidos em um dado acontecimento. Como será possível ver no próximo item, o qual trata dos efeitos de sentido de enunciação, discurso direto e discurso indireto servem também para criar uma ilusão de afastamento do que está sendo dito.

De acordo com Barros (2010), os efeitos de sentido de realidade decorrem também de um recurso proveniente da semântica discursiva denominado “Ancoragem”, o qual é construído pela utilização de fatos históricos, fotos, imagens, números, dados estatísticos. Enfim, visam a criar uma ilusão do real, de que aquilo que está sendo mostrado realmente aconteceu. O procedimento da ancoragem concretiza “cada vez mais os atores, os espaços e o tempo do discurso”. Conforme Peruzzolo (2004, p.169), todos esses elementos têm a função de servirem como referentes, pois à medida que lemos uma matéria em um jornal, “produzimos um fato acontecido como uma cópia do real, porque as ancoragens nos permitem iconizar e fazer cópias mentais (ilusão) de algo que aconteceu de verdade”. Segundo Barros (2004, p.14), a construção

de efeitos de realidade está muito ligada à “figurativização43 em grau extremo, ou iconização,

pois leva ao reconhecimento de figuras do mundo”, o que possibilita que o destinatário interprete determinado discurso como sendo “real”.

As estratégias discursivas para a produção de efeitos de realidade contribuem substancialmente para a produção de efeitos de sentido de objetividade, assunto abordado no próximo item. O “funcionamento discursivo da prática jornalística” que, de acordo com Navarro (2010, p.89-91), consiste na aproximação e combinação entre os dois efeitos, “permite ao jornal criar a imagem de um grande veículo de informação (...), combinado ao processo verbal, o efeito de real é deslocado para as palavras, que são assumidas pelos jornalistas, num processo de identificação deles com o acontecimento”. Com efeito, concordamos com Peruzzolo (no prelo) quando escreve que “os efeitos de realidade acrescem força às estratégias de objetividade”.

A construção de um discurso apoiado em dados, pessoas, acontecimentos, lugares reais, passa a impressão de que determinado dito é representação legítima do real. No entendimento de Navarro (2012, p.82), “Os discursos, invariavelmente, empregam procedimentos cuja finalidade é a de garantir e a de solidificar sua legitimidade perante a comunidade que os recebe”. As estratégias mencionadas anteriormente, segundo o autor, são indicações “que remetem o leitor ao real”44.

O uso da fotografia, quando ocorre, também exerce essa função, pois ela é um mecanismo discursivo que exerce a função de “cópia do real” e também serve para ancorar o que é dito pelo enunciador. Entretanto, cabe a ressalva feita por Navarro (2010, p.86) de que a fotografia, bem como as entrevistas e as citações são apenas “recortes do real que atestam a característica lacunar dos discursos” e revelam a existência de uma ação praticada por sujeitos. Ainda sobre a fotografia, vejamos que a visão de Navarro está calcada no paradoxo fotográfico de Barthes (2009). De acordo com Barthes (2009, p.14), a fotografia jornalística funciona como um análogo do real, no entanto, ela não é apenas isso, pois é também “um objeto trabalhado, escolhido, composto, construído, tratado segundo normas profissionais, estéticas ou ideológicas”, ao mesmo tempo em que é “lida (grifo do autor), vinculada, mais ou menos conscientemente, pelo público que a consome, a uma reserva tradicional de signos”.

Apresentamos, agora, de forma resumida, algumas funções que exercem os elementos discursivos que compõem os recursos de ancoragem e de referencialidade, apresentadas,

43 Será possível verificar isso quando for trabalhado o efeito de sentido de tematização. 44 NAVARRO (2010, p.86).

principalmente por Peruzzolo (2004; 2013), Fiorin (2009) e Barros (2012): Pessoas e

respectivos cargos ou funções - mostrar que as pessoas realmente participam de uma situação

e podem apresentar pontos de vista fundamentais para o esclarecimento dos fatos; Espaços

geográficos e objetos concretos – a referência a eles é utilizada para situar o leitor de que os

fatos realmente ocorreram e desenrolaram-se em determinada cidade, região, país;

Qualificações profissionais – apresentar, além da função que determinada pessoa exerce,

algumas qualidades que a capacitam para isso ou influenciam suas ações; Características

individuais – apresentar traços que marcam cada indivíduo; Traços de sentimento e afeto –

apresentar sentimentos e reações dos indivíduos ao passarem por determinada situação, ou que são naturais a eles; Marcas de tempo - mostrar quando um fato ocorreu e que ele realmente ocorreu; Traços de tempo do discurso – conduzir o discurso tendo por base o andamento dos fatos; Acontecimentos e fatos históricos – trazer para a constituição do discurso outros acontecimentos e fatos semelhantes aquele do qual se fala ou que possuem alguma relação e influenciam o atual; Datas – situar o acontecimento precisamente no tempo; Números – quantificar elementos, indivíduos envolvidos em um acontecimento; Dados – geralmente estatísticos, servir de referência, ajudar a entender em determinados momentos a ocorrência de fatos atuais, encaixar o fato atual num grupo de outros fatos.