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CAPÍTULO VI: EFEITO DO TRATAMENTO ORAL COM EXTRATO AQUOSO DAS FOLHAS DE Jatropha gossypiifolia FRENTE À TOXICIDADE

CONCLUSÃO GERAL

4. EFEITOS LOCAIS DO ENVENENAMENTO BOTRÓPICO

4.1 Hemorragia

Hemorragia local é um dos mais característicos sintomas do envenenamento botrópico. Esse efeito é associado à ação de SVMPs hemorrágicas, também conhecidas como hemorraginas, que causam proteólise de componentes da lâmina basal de microvasos, com perda da integridade das paredes vasculares, levando ao extravasamento de sangue para a pele (GUTIÉRREZ et al., 2016). De acordo com evidências experimentais, um modelo em duas etapas foi proposto para explicar o mecanismo de ação in vivo das SVMPs hemorrágicas (GUTIÉRREZ et al., 2005) (Figura 3).

Figura 3 – Esquema ilustrativo do modelo em duas etapas proposto para ação das metaloproteinases (SVMPs) hemorrágicas

Fonte: Adaptado de Escalante et al. (2011).

Na primeira etapa, SVMPs se ligam e hidrolizam componentes estruturais críticos da lâmina basal de vasos capilares e na MEC circunjacente, particularmente colágeno tipo IV e perlecan, resultando em enfraquecimento mecânico do arbouço estrutural e aumento da

distensibilidade da parede do vaso. Na segunda etapa, as forças hemodinâmicas operando na microcirculação, especialmente a força hidrostática, induzem uma distensão na parede, o que eventualmente culmina na interrupção da integridade e no extravasamento de sangue (GUTIÉRREZ et al., 2016).

Em geral, P-III SVMPs apresentam maior potencial hemorrágico que P-I SVMPs, devido a presença de exosítios nos domínios adicionais das P-III SVMPs que permitem a ligação dessas toxinas a alvos da lâmina basal (ESCALANTE et al., 2011). Evidências experimentais sugerem que o domínio proteinase estaria mais relacionado com a integridade dos microvasos, enquanto os domínios dis-like e CRD contribuem para o direcionamento das toxinas aos capilares, o que pode justificar a maior atividade hemorrágica das P-III SVMPs (GUTIÉRREZ et al., 2016). Algumas P-I SVMPs, por sua extremamente baixa ação hemorrágica local, são denominadas SVMPs não hemorrágicas. A menor habilidade dessas toxinas de alcançar e degradar proteínas da lâmina basal e componentes de suporte circunjacente à MEC parece ser um dos principais determinantes para a ausência de indução de dano microvascular dessas toxinas (BALDO et al., 2010; ESCALANTE et al., 2011).

Adicionalmente ao papel das SVMPs no processo de hemorragia local, é descrito que hialuronidases podem exercer importante papel como fator de espalhamento que aumenta a ação de SVMPs hemorrágicas, bem como se especula que SVMPs não hemorrágicas também poderiam potencializar o efeito de SVMPs hemorrágicas agindo da mesma forma, ao degradar vários componentes da MEC (GUTIÉRREZ et al., 2016).

4.2 Inflamação

Envenenamentos botrópicos são caracterizados pelo rápido desenvolvimento de um intenso processo inflamatório no sítio de injeção da peçonha, caracterizado por edema, dor e recrutamento de células inflamatórias (GUTIÉRREZ, 2016). Edema e dor podem ocorrer como consequência da ativação de diversas vias inflamatórias, com a liberação de histamina e geração de prostaglandinas, leucotrienos, cininas, óxido nítrico (NO), anafilotoxinas do sistema complemento e citocinas, em conjunto com a síntese de metaloproteinases de matriz (MMPs) (GUTIÉRREZ, 2016; GUTIÉRREZ; LOMONTE, 1989). Em geral, os mediadores inflamatórios responsáveis por este processo podem variar de acordo com a espécie de serpente estudada, mesmo considerando-se espécies de um mesmo gênero (WANDERLEY et al., 2014). Esta resposta inflamatória frequentemente ocasiona edema grave, isquemia e compressão neural, que podem resultar em uma síndrome compartimental que pode levar a

perdas permanentes de tecidos ou amputação do local afetado devido à necrose (GUTIÉRREZ et al., 2009; TEIXEIRA et al., 2009).

A modulação do dano tecidual local por mediadores inflamatórios endógenos costuma diminuir a eficácia dos soros antiofídicos, uma vez que o soro antipeçonhento é capaz de neutralizar as toxinas, porém não consegue reduzir a inflamação provocada pelos mediadores químicos liberados em resposta a elas. Por esse motivo, observa-se que, em geral, o soro antiofídico não é capaz de reverter eficientemente o dano local tecidual já estabelecido (ARAÚJO et al., 2007; GUTIÉRREZ; LOMONTE, 1989).

Toxinas presentes nas peçonhas ofídicas, principalmente SVMPs e PLA2s, exercem

importante papel na inflamação e hiperalgesia produzidos por peçonhas ofídicas (TEIXEIRA et al., 2009). Essas toxinas vão induzir efeitos patológicos diretos após sua injeção, tais como mionecrose, hemorragia, degradação da MEC e dano a vasos linfáticos e nervos, que por sua vez vão gerar uma resposta inflamatória que causa dor e edema (GUTIÉRREZ, 2016; TEIXEIRA et al., 2009). Produtos de degradação de diferentes componentes da MEC são descritos como padrões moleculares associados a danos (DAMPs) extracelulares, que são estimuladores do sistema imune e pró-inflamatórios por natureza, induzindo várias vias inflamatórias, aumentando a expressão de citocinas tais como fator de necrose tumoral α (TNF-α), interleucina 1β (IL-1β) e interleucina 6 (IL-6), agravando assim o quadro inflamatório produzido por peçonhas ofídicas (SUNITHA et al., 2015).

PLA2s são capazes de induzir intensa resposta inflamatória mediada pelo metabolismo

do ácido araquidônico. No entanto, inflamação também pode ser provocada por PLA2s

homólogas catalicamente inativas (Lys49 PLA2s), o que indica que os efeitos pró-

inflamatórios de PLA2s não são exclusivamente relacionados a hidrólise de fosfolipídeos,

sugerindo a presença de sítios farmacológicos adicionais ao sítio catalítico, com papel também relevante nos efeitos pró-inflamatórios das PLA2s (GUTIÉRREZ; LOMONTE, 2013;

TEIXEIRA et al., 2003).

SVMPs induzem edema e a liberação de citocinas pró-inflamatórias quando injetadas em tecidos musculares ou quando incubadas com macrófagos in vitro. A degradação da MEC provocada pela ação de SVMPs pode afetar os processos de cicatrização e reparo. SVMPs também podem ativar MMPs, o que pode contribuir para mais dano tecidual promovido pela degradação da MEC pela ação dessas proteinases endógenas no processo inflamatório (GUTIÉRREZ; RUCAVADO, 2000; TEIXEIRA et al., 2005).

Entretanto, embora a maioria dos estudos tragam evidências quanto a um papel mais importante de SVMPs e PLA2s nas atividades pró-inflamatórias de peçonhas, a participação

de outras toxinas, tais como SVSPs e hialuronidases, ou outros componentes da peçonha agindo em cascastas inflamatórias plasmáticas ou induzindo degranulação de mastócitos, não pode ser descartada (TEIXEIRA et al., 2009).

4.3 Miotoxicidade

Dano muscular é um importante e grave efeito do envenenamento botrópico, uma vez que pode levar a perdas permanentes de tecido, incapacidades e até amputação (HERRERA et al., 2016). Trata-se de um efeito patológico que representa um desafio médico difícil, devido ao seu desenvolvimento extremamente rápido, fazendo com que, devido questões farmacocinéticas, a eficácia de soros antipeçonhentos em prevenir dano muscular permanente seja, em geral, bastante limitada (LOMONTE; RANGEL, 2012). A miotoxicidade pode ocorrer devido a uma ação direta ou indireta de toxinas presentes nestas peçonhas (GUTIÉRREZ; LOMONTE, 1989).

As lesões diretas são resultado da ação de Asp49 ou Lys49 PLA2s. Essas miotoxinas

ligam-se a sítios aceptores ainda não identificados na membrana plasmática das células musculares esqueléticas, induzindo rápidas e drásticas perturbações na membrana através de eventos dependentes ou não de catálise. Tais danos resultam no influxo proeminente de cálcio que inicia uma série de eventos intracelulares degenerativos, tais como hipercontração de miofilamentos, alterações mitocondriais e ativação de proteinases citosólicas dependentes de cálcio e PLA2s endógenas, levando assim a danos celulares irreversíveis, culminando na

morte celular por necrose (GUTIÉRREZ, 2016; GUTIÉRREZ; OWNBY, 2003).

A miotoxicidade indireta, que é induzida por SVMPs hemorrágicas, é resultante da isquemia provocada por distúrbios na microvasculatura decorrentes da ação hemorrágica dessas toxinas, que podem levar a necrose muscular (GUTIÉRREZ; LOMONTE, 1989; GUTIÉRREZ et al., 2009). Como consequência da ação das hemorraginas, os capilares colapsam e o sangue extravasa para o espaço extravascular, o que causa um efeito imediato no suprimento de sangue às células musculares, induzindo isquemia e posterior morte celular (GUTIÉRREZ; LOMONTE, 1989). Adicionalmente, outras alterações vasculares, tais como angionecrose e trombose, também podem comprometer a perfusão do tecido muscular contribuindo para a necrose, assim como o aumento da pressão intracompartimental do músculo (como consequência do extravasamento de líquido associado ao edema, inflamação e hemorragia) também pode contribuir para isquemia (GUTIÉRREZ et al., 2009). No entanto, para algumas serpentes, como é o caso da Bothrops asper, se observa um papel protagonista

das PLA2s miotóxicas (lesão direta) na mionecrose, indicando que apenas cerca de 30% da

atividade miotóxica dessa peçonha seja devido a miotoxicidade indireta (LOMONTE et al., 1987).