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CAPÍTULO V: ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS,

ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS, HEMATOLÓGICAS E HEMOSTÁTICAS INDUZIDAS PELA PEÇONHA DE Bothrops erythromelas EM CAMUNDONGOS

4.7 Hemorragia pulmonar

Os pulmões dos animais foram coletados, lavados rapidamente com PBS gelado para remover excesso de sangue na parte externa e então foram homogeneizados por 30 segundos em 1 mL de solução de Drabkin para extração da hemoglobina. Após incubação em overnight a 8ºC, ao abrigo da luz, as amostras foram centrifugadas a 16.000 g por 30 min a 4ºC. O sobrenadante obtido foi lido a 540 nm, utilizando solução de Drabkin como branco. A concentração de hemoglobina extraída foi determinada através de uma curva padrão com hemoglobina, como um índice quantitativo de hemorragia pulmonar. Os resultados foram expressos como miligramas de hemoglobina por grama de tecido.

4.8 Análise estatística dos dados

Todos os resultados são apresentados como média ± erro padrão da média (EPM), com n=5 animais por grupo experimental. Testes t de student foram realizados utilizando o

software GraphPad Prism versão 5.00 (San Diego, CA, EUA). Valores de P menores que 0,05

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados demonstram que PBe induz significativa resposta sistêmica, que se inicia tão rápido quanto 2 h após o envenenamento experimental, caracterizando-se principalmente por efeitos na coagulação sanguínea, hemorragia pulmonar e toxicidade renal e hepática. Análises hematológicas e hemostáticas não foram possíveis de serem realizadas no tempo de 2 h após a injeção, pois mesmo com o uso do anticoagulante e do soro antiofídico para neutralização das proteases in vitro, o sangue dos animais envenenados coagulou rapidamente, impedindo sua análise.

No que diz respeito à hemostasia, PBe produziu rápido e significativo consumo do fibrinogênio plasmático, já a partir de 4 h após a injeção da peçonha e que foi parcialmente restaurado após 24 h (Figura 27-A). Esse quadro é bastante característico em envenenamentos botrópicos (atividade defibrinogenante), porém, dependendo da espécie de serpente, pode ter intensidade, cinética e envolver diferentes classes de toxinas. Essa defibrinogenemia também foi acompanhada de um decréscimo significativo do número de plaquetas, caracterizando um quadro de trombocitopenia, que já se iniciou nas primeiras quatro horas após a injeção da peçonha e se manteve até 24 h (Figura 27-B).

Figura 27 – Efeito da administração intraperitoneal da peçonha de Bothrops erythromelas (PBe) em camundongos nos níveis de fibrinogênio plasmático e plaquetas

Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo). A: Fibrinogênio plasmático. B: Contagem de plaquetas.

PBe diminuiu significativamente o TP e, de forma mais acentuada, também o TTPA (Tabela 12). Esse resultado pode ser associado à ação ativadora de fatores da coagulação da peçonha in vitro, que pode estar ocasionando esse quadro de hiperativação da coagulação sanguínea, que por sua vez poderá repercutir em consumo desses fatores circulantes in vivo e assim contribuir para o quadro de defibrinogenemia. De fato, estudos anteriores demonstram que PBe é uma das peçonhas com maior atividade pro-coagulante e ativadora de fator X e protrombina in vitro dentre várias espécies de Bothrops testadas (FURTADO et al., 1991).

Tabela 12 – Efeito da administração intraperitoneal da peçonha de Bothrops erythromelas (PBe) em camundongos nos tempos de protrombina (TP) e tromboplastina parcial ativada (TTPA)

Parâmetro Grupo Tempo (h)

4 6 24

TP (s) PBS 11,50 ± 0,09 11,46 ± 0,12 11,10 ± 0,14

PBe 10,66 ± 0,26* 10,28 ± 0,11*** 9,24 ± 0,35**

TTPA (s) PBS 25,10 ± 0,27 25,46 ± 0,80 25,70 ± 0,39

PBe 17,72 ± 1,41*** 15,86 ± 1,45*** 7,94 ± 0,78*** Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo).

*P<0,05, **P<0,01 e ***P<0,001 comparados ao grupo controle (injetado apenas com PBS) após teste t.

O envenenamento experimental com PBe, sobretudo após 6 h, produziu efeitos significativos na série vermelha sanguínea. Houve uma diminuição significativa da contagem de hemácias, no hematócrito e no nível de hemoglobina plasmática (Figura 28).

Figura 28 – Efeito da administração intraperitoneal da peçonha de Bothrops erythromelas (PBe) em camundongos na série vermelha sanguínea

Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo). A: Contagem de hemácias. B: Hemoglobina. C: Hematócrito.

**P<0,01 e ***P<0,001 comparados ao grupo controle (injetado apenas com PBS) após teste t.

Os efeitos na série vermelha também puderam ser visualizados por alterações significativas em alguns índices hematimétricos (Tabela 13).

Tabela 13 – Efeito da administração intraperitoneal da peçonha de Bothrops erythromelas (PBe) em camundongos nos índices hematimétricos

Parâmetro Grupo Tempo (h)

4 6 24 VCM (fL) PBS 61,40 ± 0,24 60,80 ± 0,37 60,00 ± 1,09 PBe 60,20 ± 0,58 60,20 ± 0,66 60,00 ± 0,84 HCM (pg) PBS 18,54 ± 0,34 17,06 ± 0,19 17,40 ± 0,40 PBe 18,06 ± 0,25 21,06 ± 0,88** 16,80 ± 0,20 CHCM (%) PBS 28,50 ± 0,33 28,04 ± 0,20 28,30 ± 0,37 PBe 29,94 ± 0,19** 33,60 ± 1,06*** 27,80 ± 0,20 RDW (%) PBS 12,88 ± 0,18 12,82 ± 0,04 13,54 ± 0,21 PBe 12,62 ± 0,14 12,90 ± 0,11 13,54 ± 0,24 VPM (fL) PBS 7,44 ± 0,17 7,30 ± 0,12 6,76 ± 0,11 PBe 9,04 ± 0,51* 10,24 ± 0,39*** 7,48 ± 0,39 Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo).

VCM: Volume corpuscular médio. HCM: Hemoglobina corpuscular média. CHCM: Concentração de hemoglobina corpuscular média. RDW: Amplitude de distribuição dos glóbulos vermelhos. VPM: Volume plaquetário médio.

*P<0,05, **P<0,01 e ***P<0,001 comparados ao grupo controle (injetado apenas com PBS) após teste t.

Esses efeitos na série vermelha podem ser relacionados ao sangramento intenso, o que inclusive foi observado visualmente nos animais durante a biópsia, no sítio da injeção intraperitoneal, e na quantificação de hemoglobina nos pulmões (Figura 29). A presença de hemorragia pulmonar pode ser observada já a partir de 2 h após o envenenamento, com pico de hemorragia às 4 h, seguido de uma diminuição progressiva do teor de hemoglobina nesse órgão até chegar à normalidade em 24 h.

Figura 29 – Efeito da administração intraperitoneal da peçonha de Bothrops erythromelas (PBe) em camundongos no teor de hemoglobina no pulmão

Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo). Hb: hemoglobina.

A: Pulmão. B: Rim.

Ao compararem-se os resultados da dosagem de fibrinogênio, quantificação de plaquetas, efeito na série vermelha e a hemorragia pulmonar, pode-se observar que houve uma certa coincidência no tempo de resposta em que esses parâmetros foram mais alterados, que foi no período entre 4 e 6 h. Essa observação indica que a atividade defibrinogenante (coagulopatia de consumo) e a trombocitopenia podem ser responsáveis pelo sangramento sistêmico observado. Além disso, é possível observar que a trombocitopenia sozinha parece não ter sido capaz de manter o quadro de hemorragia sistêmica, já que em 24 h houve uma diminuição da hemorragia sistêmica, mas ainda manteve-se o quadro de trombocitopenia. Esse achado pode indicar uma ação protagonista da coagulopatia de consumo nos efeitos hemorrágicos induzidos por B. erythromelas, o que até certo ponto pode ser correlacionado com os altos níveis de proteases pró-coagulantes nessa peçonha.

A ação defibirinogenante, juntamente com a ação trombocitopênica, pode justificar os quadros de hemorragia semelhante à coagulação intravascular disseminada (CIVD) observados no envenenamento por B. erythromelas em humanos. O consumo do fibrinogênio pode ser devido à ação pró-coagulante em excesso, que pode levar a um quadro de coagulopatia de consumo devido ao total consumo dos fatores da coagulação, incluindo o fibrinogênio, bem como à ação de enzimas fibrinogenolíticas na peçonha, que podem contribuir para o quadro de defibrinogenemia ao clivar inespecificamente o fibrinogênio, tornando-o indisponível para a coagulação sanguínea. A trombocitopenia pode ocorrer em decorrência de toxinas como SVMPs, CTLs e desintegrinas, presentes na peçonha, capazes de agir sobre plaquetas promovendo ativação (com consequente sequestro de plaquetas da corrente sanguínea) ou inibição da agregação plaquetária (inibindo a interação de plaquetas com o colágeno, o fator de von Willebrand ou o fibrinogênio), contribuindo assim para o sangramento sistêmico (LU et al., 2005; SLAGBOOM et al., 2017).

De acordo com estudos anteriores, a peçonha de B. erythromelas é rica em SVMPs, sobretudo as do tipo P-III (JORGE et al., 2015), que são reconhecidas por produzirem, principalmente, efeitos sistêmicos (ESCALANTE et al., 2011; GUTIÉRREZ et al., 2005). Além disso, na peçonha dessa serpente é descrita a presença de PLA2s, SVSPs, CTLs e

desintegrinas, que podem desempenhar importante papel nesses efeitos hemostáticos (JORGE et al., 2015). Berythractivase, a única SVMP caracterizada de B. erythromelas até o momento, é uma P-III SVMP potente ativadora de protrombina, além de apresentar atividade fibrin(oge)nolítica e desencadear respostas celulares pró-inflamatórias e pró-coagulantes (SCHATTNER et al., 2005; SILVA et al., 2003). Um estudo mostrou que esta toxina induz a liberação de fator de von Willebrand e aumenta a expressão de fator tecidual em células

endoteliais da veia umbilical humana (HUVECs) (PEREIRA et al., 2006). A principal PLA2

da peçonha de B. erythromelas, compreendendo cerca de 12% de seu total, é a BE-I-PLA2,

uma Asp49-PLA2 caracterizada como um potente inibidor da agregação plaquetária e indutor

da liberação de prostaglandina I2 (PGI2) de células endoteliais (MODESTO et al., 2006).

A série leucocitária também foi afetada pelo envenenamento com PBe (Figura 30). As alterações mais significativas foram diminuição no número de linfócitos e aumento no número de neutrófilos e monócitos, que são indicativos de processo inflamatório sistêmico.

Figura 30 – Efeito da administração intraperitoneal da peçonha de Bothrops erythromelas (PBe) em camundongos na série branca sanguínea

Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo).

A: Leucócitos totais. B: Neutrófilos segmentados. C: Linfócitos. D: Monócitos.

*P<0,05, **P<0,01 e ***P<0,001 comparados ao grupo controle (injetado apenas com PBS) após teste t. Em relação aos parâmetros bioquímicos, observou-se um significativo aumento nos níveis séricos das enzimas LDH, CK e AST, sobretudo nas horas iniciais após o envenenamento, decrescendo progressivamente até atingir valores semelhantes aos grupos tratados apenas com PBS, em 24 h (Figura 31-A, B e D). A ALT, por sua vez, aumentou significativamente somente após 6 h (Figura 31-C). Os dados indicam que PBe apresenta um potente efeito causador de dano celular e tecidual, incluindo danos muscular e hepático significativos.

Figura 31 – Efeito da administração intraperitoneal da peçonha de Bothrops erythromelas (PBe) em camundongos nos níveis de enzimas séricas

Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo).

A: Lactato desidrogenase (LDH). B: Creatina quinase (CK). C: Aspartato aminotransferase (AST). D: Alanina aminotransferase (ALT).

*P<0,05, **P<0,01 e ***P<0,001 comparados ao grupo controle (injetado apenas com PBS) após teste t. Além do efeito hepatotóxico, PBe também produziu certo grau de dano renal, conforme pôde ser visualizado pelo aumento significativo dos níveis de ureia, creatinina e ácido úrico, sobretudo 6 h após a injeção da peçonha (Figura 32).