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CAPÍTULO I: CONTRIBUIÇÃO DE MEDIADORES

CONTRIBUIÇÃO DE MEDIADORES ENDÓGENOS E TOXINAS ENZIMÁTICAS NOS EVENTOS INFLAMATÓRIOS LOCAIS INDUZIDOS PELA PEÇONHA DE

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.5 Mediadores inflamatórios envolvidos na resposta edematogênica da peçonha

O processo inflamatório produzido em envenenamentos botrópicos envolve a ação direta das toxinas, bem como uma modulação por parte de mediadores inflamatórios endógenos armazenados ou recém-gerados (TEIXEIRA et al., 2009). Esta resposta inflamatória frequentemente ocasiona edema grave, isquemia e compressão neural, que podem resultar em uma síndrome compartimental que pode levar a perdas permanentes de tecidos ou amputação do local afetado devido necrose (GUTIÉRREZ et al., 2009; TEIXEIRA et al., 2009). A modulação do dano tecidual local por mediadores inflamatórios endógenos costuma diminuir a eficácia dos soros antiofídicos, uma vez que o soro antipeçonhento é capaz de neutralizar as toxinas, porém não consegue reduzir a inflamação provocada pelos mediadores químicos liberados em resposta a elas. Por esse motivo, observa-se que, em geral, o soro antiofídico não é capaz de reverter eficientemente o dano local tecidual já estabelecido (ARAÚJO et al., 2007; BARRETO et al., 2017; GUTIÉRREZ; LOMONTE, 1989).

Em geral, os mediadores inflamatórios responsáveis por este processo podem variar de acordo com a espécie de serpente em questão, mesmo considerando-se espécies de um mesmo gênero (WANDERLEY et al., 2014). Por esse motivo, se faz importante estudar os mediadores inflamatórios envolvidos na resposta edematogênica de PBe, o que foi realizado por meio de diferentes tratamentos farmacológicos.

No presente estudo, observou-se que o pré-tratamento com vários dos fármacos estudados produziu, em diferentes níveis, diminuição significativa do edema de pata induzido pela peçonha. Além disso, o efeito de alguns fármacos foi pontual em alguns períodos de tempo, o que mostra que o efeito edematogênico da peçonha é multifatorial e mediado por diferentes componentes ao longo de seu curso.

O papel da via do metabolismo do ácido araquidônico foi avaliado através do tratamento farmacológico com os fármacos dexametasona, indometacina, celecoxibe e NDGA (Figura 9).

Figura 9 – Papel da via do metabolismo do ácido araquidônico na evolução temporal do edema de pata induzido pela peçonha de Bothrops erythromelas (PBe)

Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo).

A: Dexametasona (2 mg/kg, i.p., 30 min antes de PBe). B: Ácido nordiidroguaiarético (NDGA) (100 mg/kg, i.p., 1 h antes de PBe). C: Indometacina (10 mg/kg, i.p., 30 min antes de PBe). D: Celecoxibe (5 mg/kg, p.o., 1 h antes de PBe).

*P<0,05, **P<0,01 e ***P<0,001 comparados ao grupo controle (PBe + veículo) após ANOVA de duas vias seguido de teste de Bonferroni.

Os eicosanoides resultantes da degradação do ácido araquidônico pelas vias da COX e da LOX, isto é, as prostaglandinas e os leucotrienos, respectivamente, podem agir como agentes pró-inflamatórios ao causarem vasodilatação local e aumentarem a permeabilidade sanguínea (TEIXEIRA et al., 2009). A dexametasona promoveu uma redução bastante significativa (P<0,05) do edema, o que sugere a participação de PLA2s endógenas envolvidas

na liberação de ácido araquidônico e consequente liberação de mediadores inflamatórios na resposta edematogênica (Figura 9-A). Sendo assim, uma vez que o tratamento químico da peçonha com p-BPB também inibiu o efeito edematogênico de PBe, os resultados indicam que há a participação de ambas PLA2s, endógena do tecido inflamado e proveniente da

peçonha, no efeito edematogênico de B. erythromelas. Uma vez que ambos indometacina (Figura 10-C) e celecoxibe (Figura 10-D) foram capazes de inibir significativamente o edema (P<0,05), pode-se sugerir uma ação indutora da peçonha sobre a COX-2 (isoforma da COX induzida em processos inflamatórios), levando a produção de prostaglandinas. Por outro lado, a participação dos mediadores derivados da rota da LOX não pôde ser confirmada, uma vez que o inibidor específico dessa enzima, o NDGA (Figura 10-B), não apresentou resultado

significativo em nenhum dos tempos analisados (P>0,05), o que sugere uma baixa participação dos eicosanoides derivados dessa rota, pelo menos nos momentos iniciais do processo inflamatório. Curiosamente, esse resultado vai de encontro com o que foi previamente observado em modelos de peritonite e bolsa de ar em ratos com a peçonha de B.

erythromelas, nos quais através de tratamentos farmacológicos, verificou-se que mediadores

derivados da via da LOX, tais como leucotrieno B4 (LTB4), possivelmente secretados por

macrófagos, seriam responsáveis pela migração de neutrófilos induzida pela peçonha de B.

erythromelas (FLORES; ZAPPELLINI; PRADO-FRANCESCHI, 1993). Isso pode indicar que a migração celular e o edema provocados por PBe são eventos ocasionados por mediadores diferentes da resposta inflamatória.

O papel de aminas vasoativas foi avaliado através do tratamento farmacológico com os fármacos prometazina, cromoglicato e ioimbina (Figura 10). O pré-tratamento com os antagonistas dos receptores H1 (prometazina) (Figura 10-A) e 5-HT (ioimbina) (Figura 10-B)

foi capaz de inibir significativamente (P<0,05) o efeito edematogênico de PBe, o que indica, portanto, que ambos histamina e serotonina estão envolvidos na resposta inflamatória induzida por essa peçonha. Além disso, uma vez que os mastócitos armazenam diversos mediadores que são liberados durante o processo inflamatório, incluindo histamina e serotonina, o papel dessas células foi investigado através do pré-tratamento com cromoglicato de sódio, um agente inibidor da degranulação de mastócitos. Conforme observado na Figura 10-C, esse fármaco foi capaz de inibir significativamente (P<0,05) o edema produzido por PBe, o que indica que mastócitos estão envolvidos nesse processo. Em conjunto, os dados sugerem que a resposta parece ser, ao menos parcialmente, dependente da habilidade da peçonha em ativar mastócitos. Além disso, a inibição com cromoglicato pode indicar que não há a participação, ao menos não exclusivamente, de histamina exógena, proveniente da própria peçonha, o que é algo comum em peçonhas de escorpiões, por exemplo (NASCIMENTO et al., 2005).

Figura 10 – Papel de aminas vasoativas na evolução temporal do edema de pata induzido pela peçonha de

Bothrops erythromelas (PBe)

Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo).

A: Prometazina (15 mg/kg, i.p., 1 h antes de PBe). B: Ioimbina (5 mg/kg, s.c., 1 h antes de PBe). C: Cromoglicato de sódio (10 mg/kg, i.p., 1 h antes de PBe).

*P<0,05, **P<0,01 e ***P<0,001 comparados ao grupo controle (PBe + veículo) após ANOVA de duas vias seguido de teste de Bonferroni.

Outros mediadores importantes em processos inflamatórios foram avaliados, como NO, substância P, PAF e bradicinina (Figura 11). O L-NAME (Figura 11-A), a partir de 2 h, foi capaz de reduzir parcialmente (P<0,05) o efeito edematogênico de PBe, indicando o envolvimento do NO no processo. A participação de substância P (Figura 11-B) e PAF (Figura 11-C) também pode ser sugerida, uma vez que os antagonistas dos receptores desses mediadores foram capazes de inibir, ainda que apenas parcialmente, a atividade edematogênica de PBe, durante praticamente todas as 4 h de observação (P<0,05). A participação de cininas, como a bradicinina, pôde ser verificada, uma vez que o captopril (Figura 11-D) foi capaz de aumentar significativamente o efeito edematogênico da peçonha (P<0,05), uma vez que ao inibir a enzima conversora de angiotensina, esse fármaco também diminui a degradação da bradicinina, dessa forma potencializando seu efeito. Esse resultado corrobora com o resultado anterior com o tratamento químico com PMSF (inibidor de serinoproteinases), onde é possível sugerir que a origem da bradicinina com ação pró- inflamatória seja da ação cininogênica das SVSPs de PBe.

Figura 11 – Papel do óxido nítrico (NO), sustância P, fator de ativação plaquetária (PAF) e bradicinina na evolução temporal do edema de pata induzido pela peçonha de Bothrops erythromelas (PBe)

Fonte: Resultados experimentais.

Valores expressos como média ± EPM (n = 5/ grupo).

A: éster metílico de Nω-Nitro-L-arginina (L-NAME) (30 mg/kg, i.p., 30 min antes de PBe). B: CP-96,345 (2,5 mg/kg, i.p., 30 min antes de PBe). C: Apafant (5 mg/kg, s.c., 1 h antes de PBe). D: Captopril (5 mg/kg, s.c., 30 min antes de PBe).

*P<0,05, **P<0,01 e ***P<0,001 comparados ao grupo controle (PBe + veículo) após ANOVA de duas vias seguido de teste de Bonferroni.

Portanto, em conclusão, os resultados indicam que o edema de pata induzido por PBe é de início precoce e multifatorial, envolvendo a participação de mediadores endógenos (metabólitos do ácido araquidônico, aminas vasoativas, mastócitos, NO, substância P, PAF e bradicinina) e da ação de toxinas enzimáticas da peçonha (principalmente SVSPs e PLA2s).

Dessa forma, a modulação dessas vias e a inibição dessas classes de toxinas pode representar uma importante estratégia no tratamento de pacientes envenenados por essa serpente.

CAPÍTULO II: