• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO VI: EFEITO DO TRATAMENTO ORAL COM EXTRATO AQUOSO DAS FOLHAS DE Jatropha gossypiifolia FRENTE À TOXICIDADE

CONCLUSÃO GERAL

3. PRINCIPAIS CLASSES DE TOXINAS PRESENTES EM PEÇONHAS BOTRÓPICAS

3.1 Metaloproteinases de peçonhas ofídicas (SVMPs)

SVMPs são enzimas chave na toxicidade de peçonhas viperídeas, sendo estimado que compreendam pelo menos 30% do seu conteúdo total de proteínas (KANG et al., 2011). Uma única espécie de serpente pode apresentar mais de uma dúzia de SVMPs em sua peçonha, e suas variantes estruturais podem apresentar diversas funcionalidades, que incluem atividades hemorrágica, fibrinogenolítica, ativadora de Fator X ou protrombina e ação sobre agregação plaquetária (SLAGBOOM et al., 2017).

As SVMPs são enzimas endoproteolíticas depedentes de zinco, apresentando massa molecular que pode variar entre 20 a 100 kDa, podendo ser classificadas em três grupos principais de acordo com a organização dos seus domínios (TAKEDA; TAKEYA; IWANAGA, 2012):

 P-I SVMPs: São as SVMPs mais simples, que contém apenas o domínio proteinase na sua forma madura;

 P-II SVMPs: Apresentam um domínio proteinase seguido de um domínio desintegrina. Frequentemente, essas toxinas sofrem proteólise para formar desintegrinas livres que apresentam forte ação antiagregante plaquetária;

 P-III SVMPs: Contém o domínio proteinase, seguido de um domínio semelhante à desintegrina (dis-like) e um domínio rico em cisteína (CRD).

A maioria das atividades funcionais de SVMPs é mediada pelo seu domínio proteinase (TAKEDA; TAKEYA; IWANAGA, 2012). Estudos mostram que SVMPs são capazes de degradar laminina, colágeno tipo IV, nidogen e proteoglicanas de heparan sulfato (GUTIÉRREZ, 2016). O domínio catalítico é composto de aproximadamente 215 aminoácidos e tem atividade endopeptidase dependente de metais, sendo, portanto, fortemente inibidas por agentes quelantes (RAMOS; SELISTRE-DE-ARAUJO, 2006).

Um grande número de atividades biológicas tem sido atribuído a SVMPs, incluindo hemorragia, mionecrose, dermonecrose, edema, coagulopatias e inflamação (GUTIERREZ et al., 2016; GUTIÉRREZ; RUCAVADO, 2000). Dessa forma, SVMPs são conhecidas por

exercerem importantes papéis nos efeitos locais e sistêmicos induzidos por peçonhas viperídeas em acidentes ofídicos (GUTIERREZ et al., 2016; GUTIÉRREZ et al., 2005).

3.2 Serinoproteinases de peçonhas ofídicas (SVSPs)

SVSPs são enzimas bastante abundantes em peçonhas de serpentes da família Viperidae, nas quais podem chegar a corresponder a 20% do conteúdo total de proteínas (KANG et al., 2011). SVSPs pertencem à família de proteases semelhantes à tripsina, a maior família de peptidases (SERRANO; MAROUN, 2005; ZELANIS et al., 2015). Essas enzimas apresentam, em geral, aproximadamente 235 aminoácidos, possuindo 12 resíduos conservados de cisteína, dos quais 10 são pareados em 5 pontes dissulfeto, baseado na homologia com a tripsina, enquanto os 2 resíduos de cisteína restantes formam uma única e conservada ponte característica entre SVSPs (SAJEVIC; LEONARDI; KRIŽAJ, 2011; SERRANO; MAROUN, 2005). SVSPs são sintetizadas como zimogênios e na sua forma madura elas são geralmente glicoproteínas de cadeia única. Dependendo do conteúdo de carboidrato, a sua massa molecular varia entre 26 e 67 kDa (SAJEVIC; LEONARDI; KRIŽAJ, 2011).

SVSPs são caracterizadas por um mecanismo catalítico comum, que inclui um resíduo de serina altamente reativo que desempenha um papel chave na formação de um complexo acil-enzima transitório, que é estabilizado pela presença de resíduos de histidina e aspartato no sítio ativo da enzima, formando a tríade Histidina-Aspartato-Serina. A ação dessas enzimas pode ser inibida na presença de fluoreto de fenilmetilsulfonil (PMSF) ou outros reagentes modificadores do resíduo ativo de serina, ou com o uso de inibidores competitivos tais como benzamidina (SERRANO; MAROUN, 2005).

Essas enzimas não são letais isoladamente, mas contribuem para o efeito tóxico das peçonhas ofídicas quando em associação com outros componentes proteicos. É característico das SVSPs afetar vários passos da cascata da coagulação sanguínea, tanto inespecificamente, por degradação proteolítica, quanto seletivamente, pela ativação ou inibição da agregação plaquetária, coagulação e fibrinólise (BRAUD; BON; WISNER, 2000; SERRANO, 2013).

3.3 Fosfolipases A2 (PLA2s)

PLA2s são enzimas que hidrolisam especificamente a ligação éster sn-2-acil de

(GUTIÉRREZ; LOMONTE, 2013; KINI, 2003). Além de sua função catalítica, as PLA2s de

peçonhas ofídicas ainda apresentam uma série de atividades farmacológicas adicionais, que podem ser dependentes ou não da sua atividade enzimática (DE PAULA et al., 2009; GUTIÉRREZ; LOMONTE, 2013). Atividades miotóxica, hemolítica, edematogênica, hipotensiva, neurotóxica, cardiotóxica e ativadora ou inibidora de agregação plaquetária são descritas para PLA2s, o que confere o caráter altamente tóxico dessas toxinas (ARNI; WARD,

1996; GUTIÉRREZ; LOMONTE, 2013). Vários estudos vêm demonstrando que as PLA2s de

peçonhas botrópicas estão envolvidas em respostas inflamatórias como edema, dor, migração leucocitária, miotoxicidade e necrose (GUTIÉRREZ; LOMONTE, 2013). Várias PLA2s são

frequentemente referidas com miotoxinas, devido sua marcante capacidade de induzir rápida necrose em fibras musculares esqueléticas (LOMONTE; RANGEL, 2012).

As PLA2s de peçonhas ofídicas apresentam alto conteúdo de pontes dissulfeto, baixa

massa molecular (14 a 18 kDa) e estrutura tridimensional similar (DE PAULA et al., 2009). A ação catalítica dessas enzimas é inibida em presença de brometo de p-bromofenacil (p-BPB), composto que alquila o resíduo His48 do sítio catalítico da enzima, levando à sua inativação (TEIXEIRA et al., 2003). Essas enzimas podem conter um resíduo de aspartato ou lisina na posição 49, sendo a presença de Asp49 essencial para a ligação do cálcio (co-fator enzimático) a essas enzimas. Dessa forma, PLA2 com Asp49 são enzimaticamente ativas,

enquanto PLA2 com Lys49 apresentam pouca ou nenhuma atividade enzimática, embora

biologicamente os dois tipos sejam ativos (LOMONTE; RANGEL, 2012).

3.4 Hialuronidases

Hialuronidases é um grupo de enzimas ubíquoas em peçonhas ofídicas, que hidrolisam preferencialmente o ácido hialurônico, um polissacarídeo longo e linear que está presente em abundância na matriz extracelular (MEC) do tecido conjuntivo frouxo (BOLDRINI-FRANÇA et al., 2017; FOX, 2013). As hialuronidases de peçonhas ofídicas são glicoproteínas com massas moleculares que variam de 28 a 70 kDa (BOLDRINI-FRANÇA et al., 2017). Essas toxinas são popularmente conhecidas como “fatores de espalhamento” uma vez que elas interrompem a integridade estrutural da MEC através da degradação do ácido hialurônico, facilitando a difusão de toxinas do sítio da picada para a circulação (KEMPARAJU; GIRISH, 2006). As hialuronidases, ao aumentarem a taxa de distribuição de toxinas, agem como toxinas auxiliares, sendo muitas vezes essenciais para os efeitos tóxicos de determinadas

toxinas (como, por exemplo, PLA2s, SVMPs e SVSPs), mas que, por si só, são dotadas de

baixa toxicidade (LAUSTSEN, 2016).

3.5 Outras classes de toxinas minoritárias

Desintegrinas são pequenos (40-100 resíduos) polipeptídeos ricos em cisteína que são, na maioria das vezes, toxinas derivadas da clivagem proteolítica de P-II SVMPs (CALVETE, 2013). Essas toxinas são estruturalmente diversas e são melhor conhecidas por sua ação como antagonistas de receptores de integrinas, sendo cada desintegrina capaz de bloquear seletivamente diferentes integrinas relevantes em uma variedade de condições patológicas. Desintegrinas tipicamente possuem uma sequência de reconhecimento de sequências arginil- glicil-ácido aspártico (RGD) que pode inibir a agregação plaquetária mediada por integrinas e interações célula-matriz (TAKEDA; TAKEYA; IWANAGA, 2012).

Proteínas semelhantes à lectinas do tipo C (CTLs) são proteínas com capacidade de se ligar, de modo cálcio-independente e via interações proteína-proteína, com fatores da coagulação sanguínea (Fator IX, Fator X e protrombina), alterando suas funções fisiológicas na hemostasia sanguínea. CTLs também reduzem função plaquetária através da inibição de receptores de superfície, de modo a remover as plaquetas da circulação, produzindo trombocitopenia e contribuindo para os efeitos hemostáticos dos envenenamentos botrópicos (CLEMETSON, 2010; LU et al., 2005).

Fatores de crescimento endotelial vascular de peçonhas ofídicas (svVEGFs) são proteínas com potente ação angiogênica, vasculogênica ou linfoangiogênica. Essas toxinas estão envolvidas em efeitos tóxicos relevantes no envenenamento por peçonhas viperídeas, tais como hipotensão e espalhamento da peçonha por meio do aumento da permeabilidade vascular (BOLDRINI-FRANÇA et al., 2017; JUNQUEIRA-DE-AZEVEDO et al., 2004).

Peptídeos potenciadores de bradicinina (BPPs) são componentes que inibem a quebra do vasodilator endógeno bradicinina, enquanto também inibem a síntese do agente vasoconstrictor endógeno angiotensina II, levando a uma redução da pressão sanguínea (HODGSON; ISBISTER, 2009). Consequentemente, BPPs podem contribuir para a hipotensão observada após os envenenamentos ofídicos, sendo seu efeito provavelmente exarcebado por SVMPs hemorrágicas e por SVSPs com funções semelhantes à calicreína (SLAGBOOM et al., 2017).