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5 A EFETIVAÇÃO DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA POLÍTICA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL

Ao analisar o trabalho do assistente social inserido na Política de Habitação de Interesse Social nas três esferas de governo, cabe contextualizar o Estado e, com ele, as políticas públicas, pois este profissional se firma na perspectiva de garantia de direitos e nos meios de exercê-los; portanto perpassa pelo Estado, que, a priori, representa o interesse coletivo de todos os cidadãos e as políticas públicas que representam sua concretização.

Primeiramente, o termo público, que também qualifica a política, é assim analisado por Pereira (2009, p. 287): “[...] a política pública não pode ser confundida com política estatal, ou de governo, e muito menos com a iniciativa privada – mesmo que, para sua realização, ela requeira a participação do Estado, dos governos e da sociedade e atinja grupos particulares e indivíduos”. Segundo a mesma autora:

O termo público associado à política não é uma referência exclusiva do Estado. Refere-se, antes, a coisa pública, do latim res (coisa), pública (de todos), seja coisa de todos, para todos, que compromete todos- inclusive a lei que está acima do Estado- no atendimento de demandas e necessidades sociais, sob a égide de um mesmo direito e com o apoio de uma comunidade de interesse. Embora a política pública seja regulada e frequentemente promovida pelo Estado, ela também engloba demandas, escolhas e decisões privadas, podendo e devendo ser controlada pelos cidadãos. Isso se chama de controle democrático. (2009, p. 173-174)

As políticas públicas podem ser definidas como o conjunto de ações desencadeadas pelo Estado com vistas ao bem coletivo. Em outras palavras, é um instrumento de planejamento, racionalização e participação. Os elementos das políticas públicas são o propósito da ação governamental, as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua realização. As políticas se materializam pelas leis, orçamentos, planos, projetos e programas, que preveem ações específicas para o interesse público, bem como a forma de gestão e monitoramento (RAMOS, 2002).

Estudos sobre as políticas públicas, particularmente na periferia capitalista, segundo Behring e Boschetti (2006) e Vieira (1992), apontam que elas são estruturalmente condicionadas pelas características políticas e econômicas do Estado e não são dissociadas da forma pela qual se constitui a sociedade capitalista. Sabe-se que as políticas públicas são o resultado de relações complexas e difusas que se estabelecem entre o Estado e a sociedade civil, no âmbito dos conflitos e lutas de classes que envolvem o processo de produção e

reprodução do capitalismo, nos seus ciclos de expansão e estagnação contínuos. As políticas públicas:

[...] fazem parte de um conjunto de iniciativas públicas, com objetivo de realizar, fora da esfera privada o acesso a bens, serviços e renda. Seus objetivos são amplos e complexos, podendo organizar-se não apenas para a cobertura de riscos sociais, mas também para a equalização de oportunidades, o enfrentamento das situações de destituição e pobreza, o combate às desigualdades sociais e a melhoria das condições sociais da população (JACCOUD, apud BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 107).

A abordagem das políticas públicas sob a ótica da cidadania deve ter como referência a construção de padrões de igualdade universal nos quais os direitos constituem o objetivo e a medida da política.

Quanto ao Estado, o conceito é amplo e com múltiplas concepções. Há predominância de três elementos que o constitui:

a) um conjunto de instituições e prerrogativas, entre as quais, o poder coercitivo, que só o Estado possui por delegação da própria sociedade;

b) o território, isto é, um espaço geograficamente delimitado onde o poder estatal é exercido. Muitos denominam esse território de sociedade, ressaltando a sua relação com o Estado, embora esse mantenha relações com outras sociedades, para além de seu território;

c) um conjunto de regras e condutas reguladas dentro de um território, que fazem parte da sociedade nacional ou do que muitos chamam de nação (PEREIRA, 2009, p. 289).

Pereira (2009, p. 290) adverte que a presença desses elementos no conceito tem caráter mais ideal do que real, porque na prática, o Estado tem grande dificuldade de exercer seu poder e regular a sociedade. Na verdade, “o Estado não existe em abstrato (sem vinculações com a realidade e com a história) e nem de forma absoluta (assumindo sempre uma única configuração)”.

O Serviço Social, por sua vez, é reconhecido como uma especialização do trabalho, parte das relações sociais que fundam a sociedade capitalista. Estas são, também, geradoras da questão social em suas dimensões objetivas e subjetivas (IAMAMOTO, 2009, p. 25). O Serviço Social só pode ser desvendado em sua inserção na sociedade, ou seja, “no contexto de relações mais amplas que constituem a sociedade capitalista, particularmente, no âmbito das respostas que esta sociedade e o Estado constroem, frente à questão social e às suas manifestações, em múltiplas dimensões” (YAZBEK, 2009, p. 126).

Iamamoto (2001, p. 67) traz ainda que, o Serviço Social “[...] é socialmente necessário porque ele atua sobre questões que dizem respeito à sobrevivência social e material dos setores majoritários da população trabalhadora”. No parecer de Yazbek (2009), a importância do Serviço Social se dá na medida em que obtém legitimidade no conjunto de

mecanismos reguladores no âmbito das políticas assistenciais, desenvolvendo atividades no âmbito do Estado, apesar de ser considerada uma profissão liberal pelo Ministério do Trabalho (Portaria n.º 35, de 19 de abril de 1949) voltada ao atendimento de sequelas da questão social.

Aliás, o “Estado tem sido historicamente o maior empregador dos assistentes sociais atribuindo uma característica de servidor público a esse profissional” (IAMAMOTO, 2009, p. 355). Dentro disso, há o perigo de confundir o Serviço Social com política pública:

[...] o Serviço Social enquanto profissão não é o mesmo que política pública – esta é de responsabilidade do Estado e dos governos. A diluição da visibilidade das ações profissionais no campo dessas políticas tem sérias consequências em nível de identidade profissional e do reconhecimento da particularidade da área de Serviço Social no campo da produção de conhecimento (IAMAMOTO, 2008, p. 460).

Ora, a dimensão política da profissão não se confunde nem com política pública e muito menos com partidos políticos. Também não se identifica com as relações de poder entre governados e governantes, ainda que o assistente social igualmente possa exercer funções de governo (IAMAMOTO, 2009). As políticas públicas são instrumentos legais e transversais ao trabalho e representam espaços sócio-ocupacionais para os profissionais de Serviço Social. Esses espaços contêm elementos contraditórios que percorrem os fenômenos históricos e as instituições101 e, representam ao mesmo tempo, um terreno de embate e de resistência na garantia de direitos. Superar as múltiplas contradições requer competência ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa dos profissionais envolvidos, além de uma rigorosa capacidade de mediação frente à correlação de forças existentes nas instituições que ainda teimam em não garantir direitos, e sim, perpetuar velhas práticas assistencialistas ou clientelistas.

O espaço ocupacional do assistente social, na ótica de Iamamoto pode ser explicado da seguinte forma:

[...] um produto histórico, condicionado tanto pelo nível de luta pela hegemonia que se estabelece entre as classes fundamentais e suas respectivas alianças, bem como pelo tipo de respostas teórico-práticas densas de conteúdo político dadas pela categoria profissional. Essa afirmativa fundamenta-se no reconhecimento de ser o trabalho profissional tanto resultante da história quanto dos agentes que a ele se dedicam (IAMAMOTO, 2009, p. 344).

101Instituições: surgem sempre a partir de determinadas demandas. Como no confronto entre classes os grupos

privilegiados têm mais poder para fazerem valer as suas demandas são dominantemente as soluções para responder estas demandas que emergem como instituições, mescladas a supostos interesses dos demais grupos sociais. [...] Valores, normas e ideologias, assim como práticas institucionais, têm, pois este caráter que em geral esconde a defesa específica da ordem social assumida como função principal (SOUZA, 1982, p. 42).

A reconfiguração “dos espaços ocupacionais é resultante das profundas transformações sócio-históricas, com as mudanças regressivas nas relações entre o Estado e a sociedade em um quadro de recessão na economia internacional, submetida à ordem financeira do grande capital” (IAMAMOTO, 2002, p. 13). Os espaços ocupacionais sofrem significativas e contínuas alterações, pois não estão dissociados do processo da reestruturação produtiva, da intensificação e desregulamentação do trabalho, da perda de direitos e conquistas sociais e históricas da classe trabalhadora e da reorganização do Estado, segundo os preceitos liberais.

A interferência da mundialização do capital “tem profundas repercussões na órbita das políticas públicas e suas conhecidas diretrizes de focalização, descentralização, desfinanciamento e regressão do legado dos direitos do trabalho” (IAMAMOTO, 2009, p. 26), de sorte que as mudanças macroscópicas que ocorrem na sociedade interferem diretamente no trabalho dos assistentes sociais inseridos nas instituições. A falta de acesso à moradia digna e à cidade também compõe as expressões da questão social, e, por esta razão, o profissional de Serviço Social é chamado a formular e implementar propostas para seu enfrentamento, especialmente no fórum público.

Mediante a relação entre política pública, Estado e o trabalho do assistente social na PHIS buscou-se compreender a inserção e a importância deste profissional nessa política, razão pela qual foi elaborado um projeto de pesquisa, com vistas a estudar a atuação do assistente social inserido nos órgãos governamentais responsáveis pela PHIS nos estados e capitais da região Sul e da Secretaria Nacional de Habitação/Ministério das Cidades.

O quadro a seguir mostra o número de profissionais que atuam e que aderiram ao presente estudo nas referidas secretarias e departamentos da região Sul, bem como na Secretaria Nacional de Habitação.

Quadro 9 - Assistentes sociais atuantes nas instituições e participantes do estudo Assis. sociais nas

instituições Instituições Assis. sociais que participaram 2102 Secretaria Nacional de Habitação – SNH /M. das Cidades 2

14 Companhia de Habitação do Estado do Paraná - COHAPAR 4 28 Companhia de Habitação Popular de Curitiba - COHAB-CT 4 14 Companhia de Habitação do Estado de S. Catarina - COHAB-SC 5 10 S. M. de H. e Saneamento Ambiental de Florianópolis - SMHSA 1 1 Secretaria Especial de Habitação e Saneamento do RS - SEHABS ? 10 Departamento Municipal de Habitação - DEMHAB- Porto Alegre 8

Total 79 24 respondentes

Fonte: pesquisa de campo (2012).

102

A Secretaria Nacional de Habitação integrou ao quadro de profissionais mais uma assistente social em 2012, totalizando 80 profissionais; porém, esta não foi inclusa no momento da coleta de dados.

Das 79 assistentes sociais convidadas, 24 responderam ao instrumento de pesquisa