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Sobre Almas e Angola: Um Território de Axé na Grande Florianópolis

ELEMENTO NATURAL OU CULTURAL

Oxalá/ Oxaguiã (jovem)

Jesus Cristo /Menino Jesus de Praga (raro

no altar)

Branco, prata/

Branco e azul-claro Sol, paz, opaxorô (cajado) pomba / pilão, espada Iemanjá Navegantes/IemanjáNossa Sra. dos Transparente, branco, prata Peixes, fertilidade, mar, maternidade

Xangô São Pedro; São Jerônimo Marrom Pedreiras, justiça, trovão Oxum Conceição/parecidaNossa Sra. da Azul-claro Fertilidade, sensualidade, águas doces, mel, ouro Iansã / Oiá Santa Bárbara; Santa Catarina Amarelo, laranja, salmão Raios, ventos, tempestades

Nanã Nossa Sra. Sant’Ana Roxo, lilás Lama, velhice, vida e morte: transformação Obaluaê /

Omolu São Lázaro; São Roque Branco e preto Cura, cemitério, renovação Oxóssi São Sebastião Verdes Caça, abundância, assertividade

Ogum São Jorge Vermelho Tecnologia, estrada, guerra

Tabela 01: Orixás em Almas e Angola 2.2. O “povo-de-lá” (as entidades)

Em Almas e Angola há uma hierarquia entre os entes espirituais. Os religiosos ensinam que as entidades obedecem aos desígnios, as leis dos Orixás, que lhes são superiores. As entidades são também chamadas guias espirituais54, protetores, etc.. Elas estão classificadas em 4 grupos ou linhas, a saber:

Pretos e pretas-velhas: esse grupo de espíritos é formado por africanos e seus descendentes escravizados. É comum serem chamados de Pai, Vovô, Vovó, Tia, Tio (exemplo: Vó Maria Conga; Tio José de Angola). Costumam fumar cachimbo e beber vinho, café ou mesmo marafo (cachaça). Apresentam-se quase sempre curvados, podendo usar bengala e chapéu, e dão suas consultas sentados em banquinhos baixos ou em pedaços de tronco cortados. Procura-se os pretos e pretas-velhas para conselhos, benzeduras, proteção espiritual através de banhos e trabalhos espirituais, e orientações em geral. A Festa de pretos-velhos geralmente é realizada no dia 13 de maio, mas há casas que preferem o dia 20 de novembro para servir essas entidades e convidados com farta feijoada.

Caboclos/as, índios/as e boiadeiros: nessa linha chegam os espíritos relacionados às matas, aos sertões e, assim como alguns pretos-velhos, às antigas fazendas interioranas (caso dos boiadeiros). Exemplo de nomes de caboclos/ as: Caboclo Guaracy; Cobra Coral; Cabocla Jurema; Cacique Araribóia; Cabocla Iara. Alguns fumam cachimbo, mas é mais comum que fumem charutos. Suas vestimentas podem contar com chapéus, cocares, penas avulsas, dentes de animais, entre outros adornos. Em geral os caboclos “benzem”, cruzam as pessoas ou lhes dão passes, para afastar maus espíritos, más energias, trazendo cura receitando chás, banhos, etc. Há terreiros em que os caboclos realizam um passe coletivo ao final da sessão, após terem dançado ou corimbado ao longo da noite. As Festas para caboclo costumam ser feitas junto a de Oxóssi, o orixá que os rege, em 20 de janeiro, preferencialmente no mato, próximo a uma cachoeira. Comem frutas.

Bejadas: também chamados de erês ou Ibeji (que é um orixá, no candomblé), as bejadas são espíritos infantis. No altar, são apresentadas pela imagem dos gêmeos São Cosme e São Damião, e sua Festa é em 27 de setembro. Comem coisas doces e bebem água e refrigerantes. O axé das bejadas é de cura, de pureza (limpeza) espiritual, e de alegria. Costuma-se levar outras crianças para brincar com os erês para que sejam curadas de doenças, para que se recuperem de traumas, para que fiquem alegres ou apenas se divirtam. Os espíritos infantis vêm geralmente rolando pelo chão, falam com voz mais aguda e em sua maioria brincam incessantemente, fazendo bagunças por todo o terreiro. Costumam ser sessões de muita gargalhada e muita sujeira, ao final. Médiuns vestidos como se fossem crianças se veem, ao fim de uma sessão de bejada, com a roupa e o corpo bastante melados. Exemplo de nomes de bejada: Mariazinha da Praia; Luizinho da Cachoeira; Joãozinho da Mata...

Povo-de-rua: é a linha composta pelos exus e pelas pombagiras, tidos como

catiços ou serviçais dos orixás. Em Almas e Angola, Exu não é um orixá (como o é

nos Candomblés). A linha de exu ou linha de esquerda compreende espíritos que ocuparam um lugar socialmente marginalizado: foram assassinos, prostitutas, ladrões, malandros, gigolôs, mendigos, ciganas, etc. Há a Festa para os exus (13 de junho) separada da Festa para as pombagiras (13 de agosto), mas na sessão comum destinada ao povo-de-rua, exus e pombagiras dançam juntos. Essas sessões são marcadas pela sensualidade, pela impudência, e o farto consumo de bebidas alcoólicas, cigarros e charutos. O povo-de-rua é bastante procurado para resolução de questões (extra)conjugais, de guerra espiritual (combatendo ou

revidando feitiços), para conselhos amorosos, mas igualmente para abrir caminhos, solucionar problemas com a justiça, curar doenças e fazer limpeza espiritual. São exemplos de nome de exu e de pombagira: Seu Tranca-Ruas; Maria Padilha; Seu Caveira das Almas; Exu Sete Encruzilhada, Cigana da Praia; Maria Molambo; Sete Saias; Zé Pilintra, entre outros.

2.3. O povo-de-cá

Como já dito, o povo-de-cá somos nós, os humanos encarnados, também chamados (principalmente pelos pretos-velhos) de povo-da-terra. Um terreiro de Almas e Angola é composto por três tipos de cargos (ou funções, títulos, postos):

ogãs, cambones, e médiuns de incorporação. Apesar de se ouvir que todas as pessoas

possuem mediunidades, são aquelas cuja mediunidade permite a materialização corpórea de orixás e espíritos a quem se chama pela forma simples de médium, diferenciando-se assim dos demais cargos existentes.

Título-status na hierarquia

1 Anjo-de-guarda

2 Borí, Oborí ou, ainda, Oborizado/a 3 Mãe Pequena / Pai Pequeno

4 Pai-de-santo (babalorixá ou babá) / Mãe-de-santo (ialorixá ou iá)55

5 Reforço de 7 Anos 6 Reforço de 14 Anos

7 Reforço de 21 Anos (Tata ou Imperatriz de Almas e Angola) 8 Cambone ou Cambono/a

9 Ogã; Ogã Kolofé

Tabela 02: Títulos religiosos de Almas e Angola

Esses cargos e títulos obedecem uma distribuição hierárquica e espacial num terreiro. De acordo com a Tabela 03, os sete primeiros correspondem aos médiuns

de incorporação, ocupam o salão principal, alternando entre as fileiras próximas

às paredes, e o centro, quando dançam ao ritmo de atabaques, cantos, palmas e outros instrumentos musicais.

Anjos-de-guarda são as pessoas que, via de regra, passaram a integrar o

terreiro há pouco tempo. Em geral, essa expressão refere mais os médiuns de incorporação que ainda não passaram pelo ritual de bori. Ogãs e Cambones são assim chamados desde o início de seu ingresso no terreiro. Veremos que os que passaram pelo ritual de batismo usam somente um colar de contas brancas.

Cambonas e cambonos ocupam algum canto do salão principal, porém, assim como

os ogãs, não passam pelo transe ou incorporação56. São pessoas encarregadas de administrar os rituais junto a quem está comandando a sessão (pais/mães-de-santo 55 Em Almas e Angola é comum que as mães-de-santo venham a ser chamadas pela forma dimin- utiva do mesmo nível hierárquico ocupado por homens – isto é, são chamadas babá.

ou seus espíritos incorporados). Devem saber manipular ingredientes e objetos; saber como e com o quê servir orixás e entidades; são as principais responsáveis pelo que se cozinha num terreiro; traduzem as mensagens espirituais; transmitem os recados da espiritualidade para médiuns outrora em transe; e conhecem ainda mais uma infinidade de procedimentos e saberes.

Ogãs são quase sempre homens, responsáveis por tocar os atabaques e

entoar as cantigas que iniciarão, manterão e encerrarão os diversos tipos de ciclos rituais (as variadas sessões, as Festas e os rituais de Feitura). Muitos deles são também responsáveis pelas imolações animais e outras tarefas que possam exercer, de acordo com as regras do terreiro em que se encontram. A fileira de atabaques que ocupam (um tambor por ogã) em geral também se encontra em algum canto do salão principal, de costas para o público de visitantes – a

assistência (ver Figura 01, no Anexo).

2.4. O carrêgo de santo

Entre os praticantes de Almas e Angola entende-se que toda pessoa é médium57, e que há vários tipos de mediunidade. Uma pessoa pode vir a

trabalhar ou desenvolver vários desses dons – contudo, há pessoas que não

possuem, momentânea ou permanentemente, esta ou aquela modalidade mediúnica. Mediunidade poderia ser resumida como a “habilidade”, por assim dizer, de estabelecer algum contato direto com os seres espirituais (Delatorre, 2014). Há dons que não parecem ser universais, como o de ouvir os espíritos, de vê-los e de incorporá-los, por exemplo; já os contatos por sonhos e por intuições parecem ocorrer com qualquer pessoa. Mas, independente dos dons mediúnicos que se tenha, toda e qualquer pessoa é acompanhada (ou, antes, constituída) por um coletivo espiritual. Em Almas e Angola, este coletivo recebe o nome de carrêgo de santo58, composto pelos orixás Pai e Mãe-de-cabeça e por entidades das quatro linhas já mencionadas.

Pai e Mãe-de-Cabeça: toda pessoa possui um casal (necessariamente heterossexual) de orixás principais, que a regem. Destes dois, um deles é mais importante, “dominante” ou de frente. Em Almas e Angola, é comum que uma orixá seja de frente na cabeça de mulheres, e que seu orixá secundário seja um orixá, o contrário disso valendo para os homens – observo que essa “regra” costuma ser invertida a homens e mulheres homossexuais. Há ainda outros casais de orixás, a serem conhecidos ou revelados ao longo da vida no santo. Todos os demais entes que compõem o carrêgo espiritual de alguém devem estar alinhados com / obedecer a essas forças superiores, que são o Pai e a Mãe- de-Cabeça (ou vice-versa) do/a médium.

57 Informam os religiosos que toda pessoa é médium independente de saber ou não disso, de ter ou não alguma religião, de frequentar ou não um terreiro, e da função que desempenhe no terreiro: portanto, como consta acima, ogãs e cambones são também considerados médiuns. 58 Ou, abreviadamente, carrêgo. Dependendo do contexto, a palavra carrêgo possui outro sen- tido, designando as “macumbas, “feitiçarias” e “magias” que visam o mal.

O carrêgo espiritual é composto ainda por pelo menos uma entidade de cada linha. Isto é, toda pessoa conta, além do casal de orixás principais, com pelo menos um caboclo ou cabocla, um preto-velho ou preta-velha, uma bejada, um exu e uma pombagira. Há, entretanto, médiuns que carregam várias entidades de cada linha. Assim, não é raro saber de alguém que diz ter dois exus e duas pombagiras, um caboclo e duas caboclas, uma bejada menino e uma bejada menina, e um casal de pretos-velhos. Alguma dessas entidades da linha de preto-velho ou de caboclo desempenhará a “função” de Responsável Espiritual de seu/sua médium59. Assim, o carrêgo espiritual varia de médium para médium, tanto em quantidade, como nos nomes das entidades e dos orixás. Segue um exemplo hipotético de “carrêgo”:

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