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No que diz respeito ao espaço urbano, igualmente uma série de atividades são realizadas pelos membros das casas religiosas de matriz africana. Uma delas é o despacho de trabalhos ou oferendas em encruzas (cruzamentos de ruas), assim como nos cemitérios. No entanto, isto vem se modificado bastante no

transcorrer do tempo. A pouca manifestação a respeito nos questionários que integraram a pesquisa anteriormente mencionada, e que serviram de subsídio para o desenvolvimento deste capítulo, pode indicar uma constante diminuição em sua realização. Há, inclusive, alterações na forma de uso, em que algumas casas não utilizam encruzilhadas na cidade, mas vão a alguma mata, abrem as encruzas, ou se aproveitam de algumas já existentes, e ali fazem suas oferendas. Há que se ressaltar que entre as casas religiosas de matriz africana é comum a ocorrência de atividades externas no sentido de membros de umas casas participarem de celebrações ou festividades em outras casas. Por outro lado, tem sido bastante interessante o fato de certas atividades diretamente ligadas, ou não, aos rituais das religiões de matriz afro ocorrer conjuntamente com a igreja católica. São exemplos, a ida de praticantes de religiões de matriz afro à igreja da Lagoa da Conceição no período das atividades dirigidas à Iemanjá74; a caminhada ao Monte Serrat (bairro localizado no Maciço Central de Florianópolis) com o padre Vilson Groh; a comemoração junto com a igreja católica na igreja do Ribeirão da Ilha; ou ainda, a “caminhada da visibilidade”, até a igreja do Rio Vermelho, no dia 15 de novembro, comemorado como o dia da Umbanda.

Considerações Finais

Os materiais disponíveis à produção deste capítulo nos remetem à comprovação da grande heterogeneidade de elementos presentes nas religiões de matriz africana de Florianópolis e municípios adjacentes de São José, Palhoça e Biguaçú, quanto à realização de suas atividades, tanto internas quanto externas às próprias casas religiosas. Questão essa que ocorre num espaço geográfico que extravasa inclusive as fronteiras dos municípios que as integram. Tais atividades exigem, como vimos, uma inter-relação com elementos naturais da orla oceânica (praia e mar) assim como do interior (matas, rios e cachoeiras).

A forte expansão urbana ocorrida em Florianópolis após os anos 1970, espraiando-se pelos municípios vizinhos, promoveu, inclusive, um marcante processo e conurbação da capital com São José, Palhoça, Biguaçú, e atualmente se expandindo também para Santo Amaro da Imperatriz, com possibilidades futuras de se ampliar para um efetivo processo de metropolização. Isto tem provocado uma forte valorização da terra e sua consequente especulação imobiliária, atrelados a inúmeros interesses, como, por exemplo, aqueles voltados à economia do turismo.

Tal situação tem gerado às religiões de matriz africana, presentes em Florianópolis e municípios adjacentes, imensas dificuldades em manter e praticar suas atividades religiosas em toda sua plenitude, pois já não possuem mais espaços adequados. Principalmente, os espaços externos à casa religiosa, muitos dos quais, absorvidos por diferentes interesses econômicos, com 74 Tal evento não ocorre em alguns anos (como em 2017), em decorrência de mudança de páro- co, que leva a incertezas quanto à sua reação, pois, nem todos os párocos são favoráveis ao culto.

capacidade financeira para tal, e, fechando, assim, a possibilidade da continuidade de uso pelos adeptos das religiões afro-brasileiras. Isto força aos adeptos uma religiosidade cada vez mais restrita ao espaço interno de suas atividades, a casa religiosa, popularmente conhecida por “terreiro”.

Por outro lado, cabe salientar o crescente preconceito e intolerância religiosa em relação às religiões de matriz africana. Situação esta que, em muitos casos, e/ou espaços geográficos (bairros) específicos, tem provocado uma gradual diminuição das casas religiosas ou, alteração quanto aos rituais praticados75. Isto tem, inclusive, levado a modificações forçadas quanto aos próprios rituais inerentes às religiões de matriz afro, quanto aos horários dos cultos, som, uso de instrumentos, situação que não acometem outras religiões.

O próprio Estado, através das instituições públicas, principalmente através das normatizações municipais, tem favorecido ou mesmo fomentado ações que só corroboram com a discriminação e exclusão de determinados grupos sociais, que no caso específico, diz respeito às religiões de matriz africanas. Cite-se como exemplo o fato dos “terreiros” serem, pela legislação municipal, incluídos nos mesmos trâmites das casas noturnas de shows, conforme a lei Municipal 003 de 1999 em seu 11º artigo conhecida como “a Lei do Silêncio”.

Desiludidos, muitos praticantes das referidas religiões têm desistido de realizar determinadas atividades, usuais em sua religião, como forma, segundo afirmam, de “não se incomodarem”.

Referências

CÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Lei Complementar n. 003/99. Dispõe sobre ruídos urbanos e proteção do bem estar e do sossego público, 1999. CAMARGO, Maria Therezinha L. de A. As plantas condimentícias nas comidas rituais de cultos afro-brasileiros. São Paulo, Revista do Instituto de Estudos Brasileiro, n. 31, 1990, p. 81-94.

CAPPELLI, Rogério. Religiões de matriz africana. Rio de Janeiro, Cadernos PENESB, v. 12, Alternativa/EDUFF, 2010, 325-367.

GUEDES, Rejan Rodrigues et al. Plantas utilizadas em rituais afro-brasileiros no estado do Rio de Janeiro – um estudo etnobotânico. Rio de Janeiro, Rodrigesia, 37, jul/dez 1985, p. 3-9.

LEITE, Ilka Boaventura. Negros no sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996. NUER – Núcleo de Estudos de Identidades e Relações Interétnicas

(Coordenação de Ilka Boaventura Leite). Territórios do Axé – religiões de matriz africana em Florianópolis e municípios vizinhos. Florianópolis: Editora da UFSC, 2017.

PAGNOCCA, Tiago Santos. Uso de plantas terapêuticas em religiões afro- brasileiras na Ilha de Santa Catarina. 2017. Dissertação de Mestrado. Florianópolis, PPGB/UFSC.

SERRA, Oderp. A Etnobotânica do Candomblé Nagô da Bahia: cosmologia e estrutura básica do arranjo taxinômico. O modelo da liturgia. In: BACELAR, J.; CARDOSO, C. O modelo da liturgia. Faces da Tradição Afro-Brasileira. Rio de Janeiro: Territórios do Axé, Pallas, 1999.

O Oráculo da Espiritualidade Afro-brasileira

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