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PLURALIDADE DE ENFOQUES: ESTADOS DO CONHECIMENTO

O fenômeno de pesquisa das FR é alvo de interesse de muitos pesquisadores. Evidenciamos alguns que apresentaram em suas proposituras analíticas o canto como apêndices ou parte de suas análises em seus trabalhos. Assim, Cassiano (1998) em “Memórias Itinerantes: um estudo sobre a recriação das FR em Campinas”, a partir da delimitação de um

corpus de quatro grupos com características socioculturais distintas e da compilação de

depoimentos orais, imagens e vídeos, pode arguir a respeito de algumas FR brasileiras, dando ênfase a diversas correntes das ciências humanas, dentro do que aponta como uma abordagem da Antropologia Dinâmica, amparada na história oral e associada ao uso das imagens, como expansão da memória coletiva. Discute ainda conceitos como o de costume, invenção das tradições, tradição oral e memória a partir da transcrição de narrativas orais. Por fim, traz à baila aspectos da vida sociocultural das folias pesquisadas, com ênfase no êxodo rural.

Sustentado e movido pelo desafio etnográfico, Chaves (2003), em “Na Jornada de Santos Reis: uma etnografia da FR do Mestre Tachico” aborda por meio de uma (a) perspectiva sincrônica e estrutural, como uma FR é representada em sua composicionalidade social e interna, apresentando a jornada e a posição dos brincantes no ritual, bem como a organização social do grupo e em uma (b) perspectiva temporal e diacrônica, aventa o trajeto da folia, retomando os momentos da FR e a presença de novos brincantes e, por fim, em (c) propõe uma reflexão sobre o caráter performativo do ritual.

Silva, A. (2006) em “A FR da família Corrêa de Goianira: uma manifestação da religiosidade popular” apresenta-nos a gênese, conceitos e consolidação das FR no catolicismo popular e religioso. Discorre ainda, amparada na etnografia, o giro, mostrando as transformações entre o sagrado e a dessacralização e o sistema de religiosidade como fenômeno universal.

Através da “Música, ritual e devoção no Terno de FR do Mestre Joaquim Poló”, Kimo (2006), observamos uma construção textual etnográfica do ritual das FR a partir de concepções relacionadas à realidade sociocultural dos brincantes e seu entrelaçamento com expressões africanas na prática de cultos católicos. Nesse caso, retoma os cantos e danças e em uma análise sistemática de seu repertório, identifica os momentos dos rituais de uma FR e as relações estruturais que lhe dão forma. Entretanto, há no constructo teórico desta pesquisa a alusão aos momentos do giro, mas não se reporta à estrutura do canto, retomando somente alguns momentos desse ritual.

A trajetória percorrida por Patrício (2006) em “Sertão-de-dentro (e) dos cantos Veredas entre palcos e memórias no auto Boi de Reisado de Quixeramobim-CE (1940-2005)” mostra-nos a historicidade dos sujeitos sociais que participam dessa FR. Parte da pressuposição de que FR é uma representação turística, não evidenciando o canto como parte da performance dos brincantes.

No uso do auto popular, como fenômeno de pesquisa, também é observado em “Do tempo da Sussa ao tempo do Forró, música, festa e memória entre os Kalunga de Teresina de Goiás”, proposto por Siqueira (2006), que aborda a partir das reminiscências populares femininas os aspectos comunitários, como a presença quilombola, a escravidão, a grilagem de terras, a diversidade de gêneros musicais, que envolvem os contextos festivos musicais, a historicidade desses autos em cotejo e suas transformações mais contemporâneas. Ao longo do texto, insere alguns cantos tradicionais de FR, mas somente como exemplificação sem recorrer a eles para uma análise mais significativa.

Mendes (2007) em “As folias de reis em Três Lagoas: a circularidade cultural na religiosidade popular” instiga a rememoração da jornada bíblica dos brincantes, partindo da cultura e da religiosidade popular como elemento histórico, mostrando o espetáculo de Reis, os elementos simbólicos, a identidade religiosa e o mundo sagrado dos devotos.

Devemos, ainda, assinalar a contribuição de Bitter (2008), em “A bandeira e a máscara: estudo sobre a circulação de objetos rituais nas folias de reis”. Tese que ancora a presença de objetos e suas trocas em um ritual. Toma roupagem no arcabouço teórico, suscitando os domínios sociais e cosmológicos, desencadeado por transformações sociais e simbólicas. Mais notadamente, focaliza na bandeira e nas máscaras, presentes nas FR, como acontece sua manipulação e materialidade, permitindo a emergência de ideias e sentidos a partir do que ele chama de “enquadramentos” particulares.

Santos (2008) preocupa-se em retomar alguns autos populares para aventar sua hipótese. Em “Os palhaços nas manifestações populares brasileiras: bumba-meu-boi, cavalo- marinho, FR e Pastoril Profano” focaliza a figura do palhaço nesses autos e suas similitudes à figura do palhaço circense a partir de material audiovisual e entrevistas.

Chaves (2009) mostra em “A bandeira é o santo e o santo não é a bandeira: práticas de presentificação do santo nas FR e de São José” a sensibilidade devocional e discute paradoxos e antonímias relacionais de presentificação dos santos nos espaços de algumas folias.

Kodama (2009) com a “Iconografia como processo comunicacional da FR: o avatar das culturas subalternas” toma as FR de Ribeirão Grande em Ourinhos/SP e cidades

circunvizinhas para suas proposituras analíticas. A partir de algumas FR retratadas em pinturas no acervo do Museu de Arte Primitiva de Assis José Nazareno Mimessi, analisa as características estéticas, simbólicas e elementos fundantes, e sua permanência ou possíveis descaracterizações, além dos processos de assimilação e acomodação de diferentes culturas realça as projeções de como as FR eram vistas e de como é compreendida no presente e suas prospectivas futuras. Além disso, retoma categorias como representações imagéticas, acomodação e reestruturação de processos comunicacionais da contemporaneidade.

Com o objetivo de contribuir para a manutenção oral no sul do país, Pinto (2010) em “Os espaços da FR em Maringá-PR: o Grupo Unidos com Fé” discute conceitos como o de representação coletiva; lugar social; práticas culturais; instituição imaginária.

“As FR de João Pinheiro: performance e identidades sertanejas no noroeste mineiro”, de Gonçalves (2010), parte do pressuposto etnográfico para investigar a

performance do ritual de FR e traz à tona discussões sobre memória coletiva, construção e

reconstrução de identidade, intermediada pela arte e cultura populares e a presença feminina em uma folia.

Para discutir sobre as FR, Goltara (2010) em “Santos Guerreiros: relatos de uma experiência vivida nas jornadas das FR do sul do Espírito Santo” mostra como os autos natalinos possuem simbiose com outros sincretismos religiosos e dá ênfase à construção musical e a presença do palhaço por sua comicidade, que desloca as molduras do ritual e transforma os encontros de FR em espetáculos e apresentações públicas.

Horta (2011) organiza sua pesquisa em “Os reis da Canastra: os sentidos da devoção nas folias” com enfoque para a vivência religiosa dos mineiros e em suas narrativas devocionais. Justifica a relação existente entre os homens e as divindades religiosas em um elo de reciprocidade em que a comunicação perpassa pela linguagem corporal, além da proposição da circularidade de símbolos, concepções e da memória coletiva do homem sertanejo.

Evocamos rapidamente alguns estados do conhecimento, versando sobre o mesmo fenômeno em categorias de análises distintas e ainda que apresentem em seus objetivos e hipóteses os cantos das FR brasileiras não observamos, em suas discussões, as construções teóricas evidenciando o canto per si. Dito isso, nosso trabalho ampara-se nestas premissas:

- Estudar os cantos dos autos natalinos, observando os traços de permanência e mudança, ancorados pelas TD. Para isso, tomamos como ponto de partida a relação expressiva existente na formulaicidade e nos AF performativos.

- Tomar o canto dos autos natalinos, observando suas mudanças e permanências, ao longo do tempo, percebendo que o texto se vivifica em um cronotopo diverso e é, portanto, um exemplo contundente de TD.

- Analisar a trajetória dos autos natalinos no estado norteriograndense, situando os AF reiterados e moventes, confirmando assim as EF.

- Verificar, pela repetição e movência, o nomadismo das vozes presentes na religiosidade popular dos sujeitos.

3 A TRADIÇÃO DISCURSIVA EM QUESTÃO